quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
Na rotina da festa, olhinhos descobridores
Todos ali já passaram, no mínimo, por dez viradas de ano juntos. A rotina de festas de fim de ano já até condicionou os atos de cada um que chega àquela casa. É tudo sempre a mesma coisa. Uma das tias leva sua famosa maionese, a outra o pudim esperado durante todo o ano para ser deliciado no final da ceia, o mesmo acontece com a lazanha da terceira tia. Só uma das primas que, com toda a boa vontade, leva a única receita de doce que sabe - que sobra sempre um pedaço para o dia seguinte, todos comem por falta de opção de algo açucarado na última noite do ano.
A mesa pode até mudar a cor ou os desenhos da toalha. Papais Noéis continuam enfeitando os cômodos da casa e com o mesmo capricho da decoração do lar, as chefes de família usam de alfaces, abacaxis, cerejas e pêssegos para dar um colorido especial às tradicionais carnes festivas. O pernil, o chester, o tender e o peru embelezam a mesa com suas pernas amarradas por barbantes, farofas cozidas aliadas ao arroz e a um dos pratos que ali, não pode faltar, a lentilha - e ainda deve ser comido com os pés longe do chão para garantir o sucesso financeiro para o ano novo.
Como sempre, os olhos das cozinheiras brilham ao ver uma mesa tão farta. É uma vez por ano, por isso toda a dedicação para fazer do último jantar da família algo para ser comentado durante todo o próximo ano novo.
E comentários é o que não faltam ao redor da mesa e na grande roda que todas as cadeiras formam no rancho da casa. São talvez as únicas novidades que se fazem presente no recinto. Um primo que está trabalhando em um novo lugar, a outra prima que comprou o apartamento e viajou para o exterior trazendo um doce natalino muito consumido no local. "Eles compram de caixas essa bala", diz a prima com sua voz sempre doce e baixa. Com um gosto indefinido (a embalagem diz que é de menta) e pouco marcante, as balas à qual a prima se refere são chamados popularmente por aqui de bengalinhas. Essas, porém, não são aquelas de plástico colocadas nas árvores, são reais, doces e ruins. Os comentários continuam, as novidades não interessam tanto.
Todos participam da mesma brincadeira que há anos se repetem, o amigo da onça - espécie de amigo secreto, ou oculto, onde as pessoas podem 'roubar' o presente de quem já escolheu o seu na mesa cheia deles. No final da brincadeira, a ceia, ou jantar - ceia tem muito cara de Natal. Enquanto ainda a maioria está com o prato cheio, a TV já exibe a situação nas grandes praias brasileiras. O coração por uma hora se transporta para uma delas...
Contagem regressiva. A distração e a fome não permitiu que todos acompanhassem desde o nove. Cinco, quatro, três, dois, um - 2009. Uma discussão boba sobre o horário oficial da mudança de ano atrasa um pouco o início dos cumprimentos - se levassem a sério mesmo a coisa do horário, o ano novo seria comemorado só uma hora da manhã, afinal estamos no horário de verão. Aos poucos as pessoas se levantam e começam os cumprimentos. São exatamente 21 pessoas na casa - o número é baseado na contagem feita para a brincadeira do amigo da onça, da qual todos os presentes participaram.
Uma pessoa, porém, não estava no meio de toda a muvuca. Na verdade três pessoas. São as que fizeram a diferença em todo o marasmo rotineiro da festa. Até o mais novo da família, de três anos, filho de um dos primos, já não é novidade e a graça da criança se apagou frente a novidade no recinto.
No colo de sua mãe, Olavo passa sua primeira passagem de ano. Com o relógio biológico próprio e difícil de regular por quem quer que seja, o bebe de apenas oito meses entrou no novo ano dormindo. Apesar de todos os fogos que de longe se ouviam e coloriam os céus de Limeira, Olavo dormia e não parecia que iria despertar tão cedo. Mesmo com toda a família passando pela sua mãe e desejando felicidades, saúde e sucesso para o ano que se inicia, o bebê todos cumprimentando sua mãe que o carregava, o bebe continua a dormir como se fosse um anjo - metáfora a parte, se os anjos são simbolizados pela inocência das crianças, ali é um belo exemplar da face de um deles.
Se não fosse por Olavo, a festa seria só mais uma para todos que estão ali, condicionados a contar de nove a um, pular com a mudança do calendário, abraçar os demais e assistir a queima de fogos da sacada da casa. Nascido em abril, o menininho deixou a festa no mínimo carinhosa para todos que passavam pela sua frente. Com os olhos negros e grandes em um rosto de bochechas marcantes, Olavo não poupou na distribuição de sorrisos para todos que chamavam seu nome e faziam alguma gracinha. Dizem que o sorriso de um bebê tem efeitos de droga no corpo de qualquer um. É, realmente, de amolecer o coração e fortalecer os instintos paternos ou maternos de qualquer um.
Os sapatinhos que cabem em dedos adultos e as roupas que serviriam, sem nenhum ajuste, em bonecas, são preenchidos pelo membro mais novo da família que observa a tudo e a todos com a curiosidade da primeira infância. São segundos de descobertas e suspiros dos avós, tias e primos-corujas.
Um ano novo inicia de uma forma diferente. Apesar de estarem entretidos com a presença cativante do pequeno Olavo, 2009 começa no meio de crises mundiais, mas com uma presença forte do que é o futuro de tudo que é feito hoje em dia. Em anos anteriores as novidades começavam a ficar velhas - mesmo aquelas que ninguém ainda sabia. Ninguém dava ouvidos por mais que a notícia era uma das melhores a ser contada na roda da família. "Sério? Me conta mais...", dois minutos e o assunto já mudava.
Olavo foi assunto para cada cinco minutos. Comendo, sorrindo, mordendo o aviãozinho verde de borracha, brincando com pelúcias, andando ou girando as bolinhas barulhentas de um de seus brinquedos. É uma pequena lição para todos que estão ali, apesar que quase ninguém tira o devido proveito do que alguém que ainda nem fala pode ensinar. Enxergar as coisas como se fossem a primeira vez é um dom das crianças que descobrem o mundo dia a dia. Essa visão não deveria ser perdida com o passar dos anos e até com a chegada da terceira idade. Ver em cada oportunidade um recomeço, ou o próximo degrau da escada da vida pode ser muito mais bem aproveitado se todos os vissem com os mesmos olhos negros de Olavo. Uma surpresa a cada descoberta, não mais um suspiro a cada repetição. O que descobrir? O que a vida ainda não revelou.
A todos um Feliz 2009!
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