domingo, 11 de janeiro de 2009

A vida no circo: conforto versus liberdade

Moradores não abrem mão da vida que levam atrás do picadeiro
10 jan. 2009

Durante algumas semanas, uma cultura diferente toma conta de um dos terrenos da cidade. É um mundo quase de fantasia, com o homem-pássaro, trapezistas que desafiam a gravidade em manobras arriscadas e os famosos palhaços que tiram risos do público sem muitos esforços. As cortinas douradas por debaixo da lona amarela e azul abrem espaço para atrações originais e que resistem ao tempo nesse picadeiro do circo.

Muitas pessoas conhecem a atração somente de ouvir falar. A modernidade é uma das grandes concorrentes de show. "Antigamente só existia os teatros e os rodeios que concorriam diretamente com o circo, hoje há muito mais, é internet, cinema e video-game que prendem a atenção das crianças e adolescentes", lamenta a secretária do circo Stankovich, Karina Kelly Gomes, 29 anos. Realmente o circo mudou. O picadeiro parece menor do que era antigamente, porém, as atrações, segundo Karina, se aprimoram a cada ano.

Quem vê toda aquela estrutura montada dificilmente imagina o tempo e o esforço que há por detrás das cortinas para preparar todo o espetáculo. Em desenhos e alguns filmes é comum se avistar aquele trem indo e vindo, trazendo os artistas, cada um em seu vagão, todo colorido e animado. Fora desse mundo das telonas e telinhas, alguém há de se lembrar quando carros de som levando os palhaços e outras figuras do picadeiro para uma volta na cidade anunciando a nova atração.

A realidade não foge muito da ficção dos desenhos, os circenses só não se locomovem pelos trilhos. Por detrás da lona e durante o dia, as pessoas que trabalham no circo parecem uma grande família. Uma integrante dessa família é Suelen Aparecida Leite, de 23 anos. Desde pequena vive no meio. Sua família é tradicional dos trapézios, tanto que o pai passou o ofício ao filho e ao marido de Suelen.

Ela vive em um pequeno trailer. As roupas secam do lado de fora em varais improvizados, mas por dentro tudo é muito arrumado e organizado. É uma casa sobre rodas, ali há a cama do casal, dois sofás pequenos com uma mesa no meio, banheiro, geladeira, fogão, televisão, computador, ventilador e armários, muitos armários. "Tudo vira um móvel para guardar tranqueira", ironiza. A pia, com uma madeira por cima, vira um pequeno balcão, que Suelen enfeita com uma toalha de crochê azul e branca. A mesa e os sofás são também a cama do filho de um ano Pedro Henrique. E tudo vai se ajeitando conforme é preciso. O único ponto negativo para ela é a falta de conforto, mas a liberdade com que pode criar seu filho a faz não trocar a vida que leva por nada.

Suelen tem também a casa da mãe em Mauá. Lá ela diz ter muitas coisas. E ficaram por lá mesmo, pois no seu espaço móvel não cabe. Para se locomover de cidade a cidade, ela usa seu carro para puxar o pequeno trailer. Além da casa móvel de Suelen, a equipe do circo Stankovich soma 23 trailers que abrigam os 90 trabalhadores fixos da companhia. São 45 artistas que se apresentam no picadeiro e a outra metade trabalha na montagem e na parte administrativa do show, como Suelen. Esposa de um dos trapesistas, enquanto o marido se prepara para a apresentação, ela vende os ingressos do show.

A secretária da companhia comenta que além dos empregos diretos, dos cerca de 90 funcionários diretos, há também 50 indiretos que são contratados para montar e desmontar quando o circo chega na cidade. "A montagem do circo demora três dias, são 800 toneladas de equipamentos", diz.

O principal problema apontado por Karina é a falta de espaço para a estrutura. "É difícil encontrar terrenos, além do preço da água e energia ser bem cara", comenta. Segundo ela, os gastos são de R$ 65 mil ao mês e nem sempre as vendas dos ingressos nas cidades abatem o valor.


Magia do circo persiste com inovações

A magia do circo ainda persiste por conta das inovações que os artistas fazem para aprimorar as apresentações. O que leva os artistas a continuarem de cidade a cidade é o amor pela arte, afirma Karina. Foi o mesmo amor que levou a secretária do circo a abandonar a faculdade de Engenharia em uma faculdade conceituada de São Paulo para ter a vida nômade e colorida.

Os tempos já não são mais os mesmos. A quantidade de circos diminuiu e o público já não frequenta os espetáculos tanto quanto antes. Karina atribui essa queda da fama das companhias aos espetáculos de baixa qualidade feito por circos pequenos. "Geralmente uma família toca o circo e faz péssimos espetáculos, assustando o público que acabam não acreditando que há espetáculos de qualidade ainda sendo feitos por ai", explica Karina que trabalha com oficinas culturais nas cidades por onde passa.

Ao ser indagada sobre quantos ainda resistem ao tempo com apresentações de qualidade, Karina pensa por um instante e tenta fazer a conta. Parece difícil contar todos os que ainda são bons e acaba por "chutar alto" pelo menos 10 companhias.
O circo Stankovichi existe há 180 anos. Nas oficinas que Karina faz com as crianças, ela conta a história da família. Segundo a história que passa de geração para geração, a família que fundou o circo fugiu da Romênia em um navio há dois séculos. No meio de guerras, os Stankovich desembarcaram no Rio Grande do Sul onde fundaram a companhia. Eles já tinham experiências na área por serem de uma família de artistas no país de origem.

Hoje a companhia faz apresentações em cerca de 17 cidades por ano e conta em seu histórico viagens por toda a américa latina. De tantos países assim também é a naturalidade dos artistas. Segundo Karina, no circo há mexicanos, argentinos, peruanos e até russos. A missigenação entre tantas pessoas de países diferentes garante o intercâmbio de conhecimentos e experiências que ajudam na inovação dos números apresentados.

Em Limeira o circo está em Limeira há quase um mês e conta com 700 espectadores por noite de show. Os risos são garantidos por 1h40 de terça a sexta-feira às 21h e de sábados, domingos e feriados às 16h, 18h30 e 21h. E são justamente as gargalhadas que animam os artistas. "O especial que há no circo é o poder levar um pouco de cultura para as pessoas que nunca tiveram contato com essa experiência. Poder olhar o sorriso de uma criança ou um idoso é muito gratificante", confessa.

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