terça-feira, 30 de abril de 2013

Foto ou ilustração?



Até que ponto vale a pena lançar mão de uma "ilustração realista" para a capa da revista? A edição 1474 de 11 de dezembro de 1996 da Veja joga essa "foto" na capa, mas na reportagem afirma logo na linha-fina do título: "Numa cratera onde a luz do sol nunca chega, cientistas descobrem sinais de água que tornariam possível a vida na Lua" (p. 50). No infográfico da página ao lado tem a informação: "A baixa temperatura no fundo da cratera conservou um pequeno depósito de gelo misturado à poeira lunar".

E ai? Eu me sentiria enganado de comparar a capa, que parece uma foto real da água na lua, e na reportagem ver as informações de que a suposta água está no estado sólido e misturado à poeira. Vale a ilustração para vender mais revista e enganar o leitor? O exemplo é antigo, mas refletir sobre o papel da imprensa nunca é demais...

Pensamento de banheiro

Foto da parede do banheiro masculino do Instituto de Economia do IE.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Jogada no lixo...


A aula de Fundamentos do Jornalismo Cultural, no MDCC com o professor Celso Bodstein, entrou há algumas semanas no tema fotografia e as análises dessas imagens que rondam nossa vida a todo momento. Depois de passar pela Caixa preta de Flusser, hoje se discutiu a discussão de Boris Kossoy no livro "Realidades e Ficções na Trama Fotográfica" (2002). 

É muito interessante ter contato com essas discussões mais acadêmicas sobre um produto que se torna tão banalizado atualmente. Nem tudo que se produz em fotografia é Instagram e mensagens virais jogadas aos montes pelo facebook. Ler Flusser e Kossoy nos dá um instrumental para olhar para uma imagem e enxergar além do óbvio.

Kossoy define que a fotografia tem duas realidades. A primeira é a realidade ligada ao passado, a história particular daquele instante que foi registrado. A segunda realidade, no entanto, se liga a representação, ao assunto representado. Nas palavras do próprio Kossoy:

"A realidade passada é fixa, imutável, irreversível; se refere à realidade do assunto no seu contexto espacial e temporal, assim como à da produção da representação. É este o contexto da vida: primeira realidade. A fotografia, isto é, o registro criativo daquele assunto, corresponde à segunda realidade, a do documento. A realidade nele registrada também é fixa e imutável, porém sujeita à múltiplas interpretações" (KOSSOY, 2002, p. 47)

A partir daí, a fotografia é uma construção que começa desde a seleção do assunto até as infinitas interpretações que o receptor faz da imagem que tem diante de seus olhos. A fotografia e o fotojornalismo não escapam das discussões de subjetividade e angulação do produtor. A ação cultural de quem olha pelas lentes de uma máquina tem grande importância naquela documentação, mas é também a cultura do receptor que vai dar significação aquele quadro regitrado.

A partir dessa discussão foi proposto uma análise da fotografia que abre esse post. A fotografia de Micah Albert, foi premiada no World Press Photo. As análises foram as mais diversas numa turma que tem fotógrafos profissionais, historiadores e vários jornalistas com formações diferenciadas.

Eu enxerguei na primeira realidade um recorte da situação do Kenya que leva pessoas pobres a viverem entre o lixo, independente das condições climáticas do dia, buscando materiais reciclados para tentar sobreviver.

Porém, pendendo para a formação econômica e todo o discurso marxista e de desenvolvimento econômico, enxerguei na segunda realidade uma mulher que é fruto do capitalismo e do confronto de interesses que explodiram na Segunda Guerra Mundial e forçaram uma parcela da população africana, e até mundial, ao ostracismo  aumentando cada vez mais a divergência entre ricos e pobres. Apesar de ser jogada à margem do sistema e considerando que a economia trata a educação como instrumento primeiro e fundamental para transformação das bases da sociedade e da própria economia, a foto mostra a contradição entre o que o capitalismo produz (lixo e quem vive no lixo) e esse caminho essencial para o desenvolvimento e superação da pobreza e o que parece um caminho gigantesco e até impossível de ser trilhado.

Link da foto: http://www.worldpressphoto.org/awards/2013/contemporary-issues/micah-albert?gallery=6096

domingo, 21 de abril de 2013

Indicação: Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo (Carta Maior)

Vale a pena ler não só a matéria, mas principalmente a Nota da Redação da Carta Maior para a republicação do texto "Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo".

"(...) Não há como fazer perguntas "revolucionárias" a um conservador. Temos, sim, que arrancar deles as contradições que vicejam no capitalismo. Também não estamos buscando soluções para resolver os problemas do capitalismo. Nos cabe, sim, demonstrar os erros que eles cometeram e que repetem a todo momento, para poder combater o pensamento conservador aqui no Brasil, espelhado pela grande imprensa, em favor das elites, em favor do capital financeiro nacional e internacional, em favor da concentração de capital, cada vez mais radicalizada."

Contradições entre o quê e quem fala


O jornalismo deste final de semana trouxe a contradição aos leitores de O Estado de S. Paulo e telespectadores do Globo Esporte. No primeiro, informações diferentes apareceram no editorial do jornal e na coluna da jornalista Suely Caldas, duas visões diferentes com caráter de informação em duas páginas da mesma edição. Já na televisão a contradição se dá entre a programação geral da emissora carioca e uma reportagem sobre a situação de um ginasta olímpico.

Vale parar um pouco depois de ler e assistir às reportagens divulgadas e televisionadas por estes veículos e contrapor as informações e a história de quem é que está falando.

No jornalismo esportivo

Parece ser senso comum que brasileiro gosta apenas de futebol. Afinal, qual é o esporte considerado paixão nacional e qual é o esporte que mais recebe espaço na cobertura do jornalismo esportivo? O futebol tem espaço garantido as quartas-feiras na programação da Globo e provavelmente sempre terá espaço quando precisar, vide as transmissões dos jogos da seleção brasileira. Sem querer ir contra essa paixão dos brasileiros pelo futebol, acho que colocar esse esporte ao lado de qualquer outro é humilhar esse qualquer outro quando se trata de medir a atenção que eles recebem na mídia.

Partindo dessa constatação é muito contraditório ver a emissora que deixou de transmitir as Olimpíadas de Londres de 2012 fazer uma reportagem no domingo pela manhã mostrando as situações precárias de treino de um ginasta olímpico, medalhista de ouro naquela competição. Ressalva: uma reportagem curtíssima se comparada com a que mostra vida de um jogador de futebol brasileiro que faz sucesso na Europa e tem até peruca loura que imita seus cabelos a venda no mercado. O ginasta da reportagem é Arthur Zanetti e a emissora mostrou como o atleta treina hoje em dia depois de ter recebido medalha de ouro em 2012.

A primeira reflexão é realmente a indignação de ver alguém que conquistou uma medalha importante para o Brasil ter que treinar sem as condições mínimas para tentar repetir o feito nas olimpíadas aqui no país. A segunda, no entanto, é ver que quem fala do problema, de certa forma, ajuda a criar o mesmo problema. Tenho a impressão de que se a Rede Globo tratasse a ginástica olímpica, o volei, o basquete, ou qualquer outro esporte com a mesma intensidade que trata o futebol, não só a visibilidade dessas modalidades aumentariam, mas também o volume de patrocínios que eles recebem. Pra mim a lógica parece fácil: visibilidade do esporte traz patrocínios que significa visibilidade para o patrocinador. Afinal, basta reparar nas quadras e nas camisas dos times de futebol: não são pequenas empresas que estão estampadas ali, são? E o que mais as empresas querem nessa lógica capitalista são grandes e exorbitantes lucros. “Pouco importa a forma como obtê-lo, mas se usar o esporte ajuda a promover a marca e traz algum reconhecimento à empresa, então usemos”, parece pensar o dono do dinheiro brasileiro.

Aqui ainda vale resgatar o texto publicado no Observatório da Imprensa do jornalista Thiago Forato: “A intenção da emissora é quebrar o monopólio?” (edição 706 de 7 de julho de 2012). Ao discutir a aquisição dos direitos de transmissão das Olimpíadas de Londres pela Rede Record, o autor diz algo que se parece verdade pura quando se trata de jogos olímpicos: “Entre novela e Olimpíada, certamente a emissora carioca escolheria a primeira opção, privando a maioria da população de acompanhar os jogos olímpicos.

No jornalismo econômico

A outra contradição está no jornalismo econômico. O editorial do jornal O Estado de S. Paulo traz, para variar, mais um ataque à presidente Dilma Roussef: “Dilmês castiço”. Quase no mesmo tom está o texto da colunista do caderno Economia & Negócios, Suely Caldas: “Autonomia do BC – agora vai?”. Apesar das semelhanças e dos ataques ao governo petista, os dois textos trazem duas interpretações sobre um mesmo assunto que geram informações diferentes.

Ambos relembram o desconforto gerado pela presidente no dia 27 de março quando ela falou sobre inflação em entrevista coletiva aos jornalistas que acompanhavam o encontro dos Brics (bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Durban, na África do Sul. Naquela ocasião as edições dos veículos anti-governo deram mais ênfase ao começo e ao final da fala da presidente e ignoraram todas as outras palavras da presidente sobre o esforço do governo contra a inflação. A interpretação das palavras de Dilma gerou alvoroço no mercado financeiro devido às expectativas quanto à Selic. Frente à repercussão a presidente convocou os jornalistas e disse que sua fala fora manipulada, sem dizer, no entanto, quem manipulou suas palavras.

Resgatado o cenário, o editorial do último domingo (21 de abril) O Estado de S. Paulo afirmou: “(...) Imediatamente, a declaração causou nervosismo nos mercados em relação aos juros futuros, o que obrigou Dilma a tentar negar que havia dito o que disse. E ela, claro, acusou os jornalistas de terem cometido uma ‘manipulação inadmissível’ de suas declarações, que apontavam evidente tolerância com a inflação alta – para não falar da invasão da área exclusiva do Banco Central.” (página A3 do jornal). Já a colunista Suely Caldas afirma: “Efeito imediato, a taxa de juros no mercado futuro despencou. Irritada, ela acusou agentes do mercado de manipularem suas palavras. Se tivesse ficado calada, nada disso teria acontecido, o mercado não teria motivo nem respaldo para criar volatilidade, instabilidade.” (página B2). Afinal, quem manipulou? Eu, leitor, fiquei confuso.

Essa contradição mostra diferentes olhares influenciados pela visão política de quem escreveu o texto. É teorizado que a formação profissional e cultural influencia na forma como o jornalista vê, avalia e escreve sobre um determinado assunto e como o jornal transmite as informações aos leitores. Teoria essa que quebra os discursos de objetividade. Essas visões ficam completamente expostas, claro, num artigo opinativo. O perigo, porém, está na forma como essas elas são usadas. A cobertura sobre a declaração da presidente no dia 28 de março foi extensiva. Quando o Valor Econômico deu apenas uma página, O Estado de S. Paulo publicou várias análises e entrevistas numa demonstração clara de desafeto com o governo e/ou com sua política econômica.

Como tentei expor no artigo anterior no Observatório da Imprensa (“Amanipulação e o jornalismo enviesado” de 9 de abril, edição 741) o jornalismo econômico está mais político que econômico. Um professor de economia da Unicamp me disse, na semana do dia 1º de abril, que os ataques ao governo estão intensos mostrando um uso político desse noticiário. Ele concorda que a Dilma não deveria ter respondido a questão do jornalista, mas não porque ela não sabe o que diz, mas sim porque qualquer afirmação que ela desse seria usada contra ela mesma, não no tribunal, mas na imprensa e, claro, nas eleições!

CONTIN,A. Alex. Contradições entre o quê e quem fala.Observatório da Imprensa (São Paulo), ed. 743. p. Digital, 2013. 

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Ilustração de como a Globo trata a Ginástica Olímpica:


Ou seja: não trata!

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Apresentação no Prezi do meu projeto de mestrado

Não lembro se coloquei detalhes sobre meu projeto de mestrado aqui no blog. Nesta quinta-feira irei apresentá-lo no 2º Edicc (Encontro de Divulgação de Ciências e Cultura), promovido pelo Labjor/Unicamp.

Segue uma apresentação que fiz no Prezi sobre o projeto com os detalhes iniciais que foram construídos até aqui. Detalhes do projeto podem e serão mudados ao longo de seu desenvolvimento, mas a ideia geral pode ser apreendida nesta apresentação.




Link para visualização fora do blog: http://migre.me/eaoZf

Copom eleva taxa Selic para 7,50% ao ano

O Copom decidiu elevar a taxa Selic para 7,50% a.a., sem viés, por seis votos a favor e dois votos pela manutenção da taxa Selic em 7,25% a.a.

O Comitê avalia que o nível elevado da inflação e a dispersão de aumentos de preços, entre outros fatores, contribuem para que a inflação mostre resistência e ensejam uma resposta da política monetária. Por outro lado, o Copom pondera que incertezas internas e, principalmente, externas cercam o cenário prospectivo para a inflação e recomendam que a política monetária seja administrada com cautela.


Votaram pela elevação da taxa Selic para 7,50% a.a. os seguintes membros do Comitê: Alexandre Antonio Tombini (Presidente), Altamir Lopes, Anthero de Moraes Meirelles, Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, Luiz Edson Feltrim e Sidnei Corrêa Marques. Votaram pela manutenção da taxa Selic em 7,25% a.a. os seguintes membros do Comitê: Aldo Luiz Mendes e Luiz Awazu Pereira da Silva.


Fonte: Assessoria de Imprensa do Banco Central (Brasília)

Agora fica a pergunta: o aumento de 0,25 pontos percentuais foi por conta do nível elevado da inflação ou do nível elevado de pressão que a imprensa estava fazendo sobre o BC? A quantidade de reportagens e análises de colunistas sobre a necessidade de aumento da taxa básica de juros foi gigantesca neste último mês. Este vai ser o tema de meu artigo para a conclusão da disciplina "Linguagem: Jornalismo, Ciência e Tecnologia" da professora doutora Graça Caldas.

A forma como a imprensa tratou e trata a inflação e esse nível da taxa básica de juros deixou mais que clara a ligação da imprensa com uma linha heterodoxa de pensamento dentro da economia. Em poucos momentos essa grande imprensa mostrou um debate completo sobre os juros trazendo opiniões diferentes sobre o tema. Quando tiver o artigo pronto trago mais informações do que eu conseguir constatar.

Texto relacionado:

MANIFESTAÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA - INFLAÇÃO E SELIC

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A manipulação e o jornalismo enviesado


Será que a acusação da presidente Dilma Rousseff (PT) de que suas palavras foram manipuladas está tão errada assim? Analisar o caso e o atual jornalismo econômico traz reflexões que ultrapassam a falta de contexto que é prática nos grandes jornais.
Na quarta-feira (27/3), durante o V Cúpula dos Brics (bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em Durban, na África do Sul, a presidente concedeu uma entrevista coletiva a vários repórteres brasileiros que lá estavam acompanhando os debates dos presidentes dos cinco países. Após falar sobre dificuldades, realizações e desafios do bloco, um jornalista do Valor PRO (identificado pelo jornal Valor Econômico na edição do dia 28) questionou a presidente sobre o impasse entre crescimento, inflação e mercado de trabalho aquecido. Antes de ver a resposta da presidente, vale uma contextualização.
Nos dias anteriores – isso considerando antes e depois do dia 27 – foram publicadas várias reportagens na grande imprensa sobre o mercado de trabalho aquecido. São diversas visões sobre a relação inflação e taxa Selic. Os porta-bandeiras da necessidade urgente de aumento da taxa básica de juros e/ou aumento do desemprego são os jornais O Estado de S. Paulo e, em menor grau, a Folha de S.Paulo e também o Valor Econômico, que parece ter uma racionalidade um pouco mais pé no chão em todo esse caso.
Independência do Banco Central
Além das discussões sobre a relação desemprego e inflação, os jornais das últimas semanas trouxeram outras pautas. Todo e qualquer ato da presidente Dilma vira pauta. Nada mais natural no ponto de vista jornalístico. Mas o que parece ser forçado nestes últimos dias é a quantidade de vezes que inflação e taxa de juros é citada por esses jornais durante a semana. Quer seja em artigos opinativos, colunas, editoriais e reportagens, os jornais paulistas estão aproveitando o cenário econômico para o que parece ser uma desmoralização da presidente Dilma, mesmo frente às pesquisas que mostram a aceitação de seu governo.
Eis que, frente a todo esse cenário que foi (e vem sendo) construído pela imprensa e seus analistas, a presidente respondeu à pergunta do repórter do Valor e todo o bafafá começou naquela semana. Vou me ater a dois pontos: a questão do ministro da Fazenda e o debate sobre a inflação e a declaração sobre o não comprometimento do crescimento da economia.
De acordo com a transcrição, o áudio e o vídeo da entrevista coletiva disponibilizados pelo Blog do Planalto, a pergunta foi: “(...) É sobre os Brics, é porque a senhora está falando muito da questão do crescimento, da importância que os países têm de manter o crescimento. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil, que é um dos principais dos países dos Brics, está se falando muito da necessidade de talvez conter... medidas que reduziriam o emprego, que estaria fazendo pressão inflacionária. O que a senhora acha desse tipo de...?”
Aí começa o problema, as versões e interpretações. A presidente começa sua resposta alegando que “geralmente, nas questões específicas sobre inflação, eu deixo para ser falado pelo ministro da Fazenda”, mas que adiantaria algumas questões aos jornalistas lá presentes. Já de cara essa frase, usada, abusada e criticada pelos jornais, deu argumentos àqueles que insistem que o Banco Central (BC) não é independente. A questão da independência do Banco Central provém de um arcabouço teórico na economia que preza pela relação mínima entre os dirigentes do “banco dos bancos” (como é conhecido o BC) e as políticas arbitrárias do governo em poder. Ou seja, é desejável que o BC não seja usado partidariamente pelo poder Executivo para fazer da política econômica um instrumento de campanha e deixá-la ao sabor do vaivém presidencial.
Cesta básica e folha de pagamento
Atenho-me apenas numa análise do discurso e da prática do jornalismo e não dos aspectos econômicos que envolvem a questão, é possível ver que a frase foi totalmente tirada do contexto quando transmitida para o público. Primeiro porque a pergunta foi feita num local não propício para essa discussão: a própria Dilma disse que queria responder questões sobre o encontro dos BRICS e não sobre a situação brasileira. E, na minha interpretação, a presidente queria apenas deixar que o ministro da Fazenda falasse sobre o assunto, sendo ele o porta-voz do governo para assuntos como o que foi questionado – afinal, quantas vezes se vê Guido Mantega discursando sobre economia? No entanto, a simples frase da presidente foi assunto suficiente para o jornal O Estado de S. Paulo abrir um quadro na primeira página do caderno “Economia & Negócios”, no dia 28 de março, falando dos deslizes da Dilma durante o encontro dos países emergentes.
Além dessa primeira frase da Dilma, outra foi amplamente criticada: “Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende? Eu vou acabar com o crescimento do país. Isso daí está datado, isso eu acho que é uma política superada.” Segundo os jornais do dia seguinte, a frase da presidente gerou um mal-estar no mercado financeiro. Os agentes que agem a partir de expectativas quanto ao futuro dos juros para vender e comprar ações ou títulos, interpretaram que não haveria aumentos na taxa Selic.
A frase, assim como a anterior, também foi tirada fora do seu contexto. Antes de falar sobre esse receituário, a presidente havia citado as medidas que seu governo está adotando para tentar conter a inflação. Ela inclusive citou medidas no campo da Educação que têm como objetivo aumentar a quantidade de mão-de-obra capacitada no Brasil – uma constante no discurso de empresários quanto às dificuldades para a produção. Também citou desonerações na cesta básica e da folha de pagamento – outra constante da crítica quanto às altas taxas brasileiras que aumentam os custos da produção. Mas e ai? Quem citou essas justificativas?
Jornalismo econômico e política
Além disso, e vale a pena citar, a presidente concluiu sua resposta dizendo que o fato de achar o tal receituário ultrapassado “(...) não significa que o governo não está atento e, não só atento, acompanha diuturnamente essa questão da inflação. Nós não achamos que a inflação está fora de controle, pelo contrário, achamos que ela está controlada e o que há são alterações e flutuações conjunturais. Mas nós estaremos sempre atentos.” É possível dizer que o governo nega a inflação, afirmação usada por articulistas da imprensa, frente a uma fala dessa?
O mais interessante ao analisar o discurso desses jornais é construir uma grande história, com começo, meio e fim, como propõe Luiz Gonzaga Motta no artigo “A análise pragmática da narrativa jornalística”. Reunindo todas as reportagens que relacionam aumentos das variações de preços e taxa Selic é possível construir como os jornais se colocam frente à inflação. É considerável a quantidade de reportagens e artigos que falam que o mercado de trabalho é um dos principais fatores da inflação e que é preciso aumentar o desemprego para conseguir encaixar a economia lá na curva de Philips que relaciona inflação alta e taxas de desempregos baixa e vice-versa.
Neste jornalismo que usa a bandeira da objetividade mas veste a camisa da ideologia político-partidária, é lei focar apenas nos aspectos negativos da fala da presidente e lotar as páginas com angulações pessimistas sobre números da economia. Em conversa com um professor de economia da Unicamp, questionei como ele viu o caso. De cara, o professor disse que a presidente não deveria ter respondido a pergunta. Mas qualquer resposta dela seria o suficiente para a imprensa fazer o mesmo showrnalismo que fez.
“Esperemos 2014”
Ele ainda me explicou que o governo petista vem de uma atuação presidencial sem muitas brechas para a crítica da imprensa. Segundo ele há dez anos que a imprensa não conseguia criticar fortemente o PT como vem fazendo nestes últimos meses. De repente, frente a todo o cenário de reflexos de crise, baixo crescimento, entre outros assuntos, uma linda brecha se abriu e em um dos melhores momentos: véspera de eleição. É um uso político do jornalismo econômico.
Refletindo sobre as palavras desse professor e voltando os olhos para o jornalismo econômico feito pelos principais jornais paulistas, é possível identificar claramente um discurso contra o atual governo. Parece que esse jornalismo está em função da crítica que irá ser usada nas próximas eleições presidenciais. Vai ser interessante assistir às propagandas eleitorais e contar quantas dessas reportagens foram usadas. Portanto, como concluiu Fernando Henrique Cardoso em seu artigo “Razão e bom senso”, no Estado de S. Paulo deste domingo, “Esperemos 2014”.

CONTIN, A.A. A manipulação e o jornalismo enviesado. Observatório da Imprensa. (São Paulo) Ed. 741. Digital. 2013 Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed741_a_manipulacao_e_o_jornalismo_enviesado