segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Qual a diferença entre a esmola e a manipulação?





Este vídeo é belíssimo sobre a questão da divisão do Brasil para separar os estados do Nordeste e os do Sul e Sudeste. Este tema ridículo está muito em voga depois das eleições de 2014 com a reeleição da Dilma Roussef (PT). Compartilho o vídeo e o comentário que deixei nele aqui.



Comentário:



Admitamos que os beneficiados com o Bolsa Família sejam mesmo vagabundos, reprodutores e sem capacidade nenhuma para discernir uma política de compra de votos da situação econômica do Brasil. Eles só votam porque recebem esmola e estão com a barriga cheia. Certo? Vamos partir então dessa crítica que foi tão veiculada por parte da população descontente com o governo PT para analisar o outro lado.



De um lado esse povo vota de barriga cheia e do outro? Votam os conscientes, os inteligentes, aqueles que planejam sua família e só fazem dois filhos na vida. Estes são mesmo os inteligentes? Será? Na minha visão não. Se partirmos do pressuposto no parágrafo anterior temos que admitir os defeitos do outro lado também, certo? Afinal, sejamos justos, somos inteligentes aqui. Afinal, quem é o outro lado e como ele vota?



Esse outro lado, além de disseminar um preconceito fora de moda, são tão burros quanto aqueles que votam de barriga cheia. Por que burros? Por que votam com base naquilo que veem na televisão, leem no jornal ou na gloriosa revista Veja. São burros porque não têm a inteligencia suficiente para ler mais de uma fonte de informação e não são capazes de pensar fora da caixinha. Esse povo é tão burro que não consegue identificar, nas entrelinhas ou nas manchetes, a posição ideológica daqueles veículos de comunicação que usam como fonte primária de informação. O que quer a Veja, o Estadão e a Globo? Quem são estes veículos e quais suas histórias? Da teoria organizacional para a prática: o que eles defendem hoje? Que tipo de informação eles propagam? São informações "imparciais, objetivas e confiáveis"? Quem responde sim é muito burro!



Não é possível confiar sua inteligência a nenhum veículo de comunicação, nem na Veja e nem na Carta Capital. Ai perguntam: então em quem vou confiar? Vão confiar na sua capacidade de formação de opinião. Alguém que não contrapõe informações (de esquerda e de direita) e não vai pesquisar na fonte a realidade dos fatos não consegue formar uma opinião própria. Sendo assim, reforço: esse povo que critica o Bolsa Família e atacam o governo petista com argumentos furados são sim BURROS. Sequer se dedicaram ao estudo da história econômica do Brasil e/ou algum estudo sobre a origem da pobreza e da realidade nordestina para começar a propagar as asneiras que vêm falando aos sete ventos.



E aí? Quem vota com a burrice? Aqueles que estão recebendo esmolas do governo ou aqueles que votam com base em informações manipuladas da imprensa? Fica a questão...

sábado, 18 de outubro de 2014

As privatizações da década de 1990

Este texto é uma parte da minha dissertação "Mídia e economia: o processo de privatização do governo FHC (1995-2002)", em desenvolvimento no curso de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Labjor/Unicamp, com apoio da Fapesp.

Resolvi publicar este trecho tanto por conta do período eleitoral quanto pelo lançamento do documentário "Privatizações: a distopia do capital", de Silvio Tendler. Este texto foi qualificado, junto com o restante da dissertação, em agosto de 2014. A pesquisa continua em andamento e ainda não foram incorporados as informações tanto do documentário quanto de outras referências teóricas, mas já pode ser uma contribuição ao debate sobre o tema.


Programa Nacional de Desestatização
Em 1991, é criado o Programa Nacional de Desestatização (PND). As justificativas para a desestatização durante o governo Collor era o uso dos recursos arrecadados nas áreas sociais, modernização da indústria brasileira e resgate da dívida pública. Apesar de no final da década de 1980 já ter acontecido privatizações de 39 empresas de diversos setores, sendo a principal delas a Aracruz Celulose, e uma arrecadação de 735 milhões de dólares, foi no governo de FHC que este processo foi mais voraz para a economia e para a crítica brasileira.  
A justificativa no governo de FHC “também foi o atendimento das áreas sociais, inicialmente, mas aos poucos a redução da dívida pública passou a ser apresentada como questão central” (Filgueiras: 2007, p. 113). Além da dívida, Filgueiras cita Haddad (1998) para mostrar a ligação entre o processo de desestatização com o Plano Real:

(...) a verdadeira âncora do Plano Real tem sido o patrimônio público acumulado nos últimos 50 anos, os famosos Sauros... Esse é o lastro que mantém a credibilidade do programa de estabilização. As reservas cambiais suportariam pouco mais do que alguns meses de déficit em transações correntes, isso na hipótese de inexistência de uma onda especulativa contra a moeda nacional’ (HADDAD: 1998 apud Filgueiras: 2007, p. 114)

O governo privatizou empresas do setor de serviços, principalmente da área de telecomunicações e energia, além da Vale do Rio Doce. Esses setores são considerados estratégicos para a soberania nacional. Desde o começo do PND, em 1991, até 1999, foram privatizadas 64 empresas estatais, sendo 18 no governo Collor, 15 no governo de Itamar Franco e o restante (31 empresas) durante a era FHC (Filgueiras: 2007). Considerando o período entre 1995 a novembro de 2000 foram privatizadas 40 empresas, sendo sete concessionárias de serviços públicos.

Tabela 1: Resultados do Programa Nacional de Desestatização
1991-jul./99 – US$ milhões
Período
Nº de empresas
Receita de vendas
Dívidas transferidas
Total
1991
4
1.614
374
1.988
1992
14
2.401
982
3.383
1993
6
2.627
1.561
4.188
1994
9
1.966
349
2.315
1995
8
1.003
625
1.628
1996
11
4.080
669
4.749
1997
4
4.265
3.559
7.824
1998
7
1.574
1.082
2.737
até jul./99
1
49
-
49
Total
64
19.579
9.201
28.861
Fonte: BNDES apud Filgueiras (2007, p. 114)

A crítica favorável ao governo aponta o processo como benéfico para o Brasil:

Primeiro, a dívida pública foi favoravelmente afetada, no sentido de que sem a privatização ela seria maior ainda. Segundo, na maioria dos casos, as empresas ficaram em melhor situação e se tornaram mais eficientes depois de vendidas do que antes. Terceiro, no caso das telecomunicações, em particular, houve claros benefícios sociais, medidos, por exemplo, pela queda do preço das linhas de telefonia fixa, pela redução do tempo de espera para obtenção das linhas, e, principalmente, pela proporção de telefones fixos por habitante, que, conforme a Anatel, em 1998 – ano da privatização – era de apenas 17 por 100 habitantes e, quatro anos depois, tinha passado para mais do dobro, fenômeno concentrado nas classes C e D. E, quarto, no caso dos estados, a venda das empresas em situação financeira mais crítica melhorou substancialmente o resultado fiscal das empresas estatais estaduais, que sofreu uma evolução positiva praticamente contínua, passando de um déficit primário de 0,5% do PIB em 1995 e, ainda, de 0,1% do PIB em 1998, para um superávit nesse conceito de 0,3% do PIB em 2002, sendo parte importante do ajustamento do setor público. (GIAMBIAGI, 2005, p. 187)

Já os poucos que se opunham à privatização, entre eles o jornalista Aloysio Biondi, da Gazeta Mercantil,  apontavam os riscos para o país ao beneficiarem o capital estrangeiro, em detrimento dos empresários brasileiros.  Este processo de privatização contou com a conivência da grande imprensa com a política do PND continuada e reforçada por FHC.
Segundo Biondi (2003), os favorecimentos a empresários se deram tanto na venda das empresas de telecomunicações, como dos bancos e da siderurgia. O primeiro setor recebeu investimentos do governo federal no valor de 21 bilhões de reais dois anos e meio antes que as estatais fossem vendidas por 8,8 bilhões de reais; no segundo setor, o Banco do Estado do Rio de Janeiro empréstimo de 3,3 bilhões de reais para pagamento de direitos trabalhistas antes da venda por 330 milhões de reais.
Por fim, só a título de ilustração, na compra da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foram usados 1,01 bilhões de reais em moedas podres, de um total da venda de 1,05 bilhão de reais, e essas moedas ainda foram financiadas em 12 anos pelo governo brasileiro, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
De acordo com Biondi, nem todas as informações relacionadas ao processo de venda das estatais brasileiras foram levadas ao conhecimento da população, além disso, o autor critica a conivência da imprensa com o governo:

Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e a ladainha do “esgotamento dos recursos do Estado”. Mais ainda: a sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que a tinha – de que as estatais não são empresas de propriedade do “governo”, que pode dispor delas a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, repita-se, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular, nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou o povão aceitariam. (BIONDI, 2003, p. 21)

Apesar de não estar mais preso às amarras de um regime autoritário e que marcou a história do jornalismo com sua censura, o jornalismo brasileiro de uma década após o fim da ditadura, em 1985, não se desvencilhou completamente de poder político e seguiu com o oficialismo manipulador de um governo que modificou a economia nacional em prol de uma política internacional neoliberal. O mais grave, para o jornalismo, foram os cerceamentos velado às opiniões da oposição e a adesão da maioria dos jornalistas da grande imprensa à privatização, limitando o debate público apenas à ala favorável à venda do Brasil.
A crítica ao processo também considera a concentração de renda como um efeito negativo das desestatizações. Segundo Paulani (1998 apud Filgueiras: 2007, p. 116), um resultado evidente é “o fortalecimento de determinados grupos, a desnacionalização e o aumento do grau de concentração e, portanto, do poder de monopólio em quase todos os setores”. Além disso,

De outro lado, com relação ao seu papel no interior da política de estabilização, podemos constatar que, do ponto de vista da solução para o problema da dívida interna, as privatizações não conseguiram, nem de longe, impedir o seu impressionante crescimento. Mesmo no que concerne ao plano externo da economia, onde o objetivo com as privatizações era permitir a entrada de capitais estrangeiros na forma de investimentos diretos, dando um tempo maior para a política de estabilização substitui a “âncora cambial”, o Governo não obteve sucesso. A situação se deteriorou rapidamente e a crise cambial se abateu sobre o país, apesar do enorme programa de privatizações executado pelo Governo Cardoso. (FILGUEIRAS: 2007, p. 116)

Outra versão sobre o processo de privatização promovido durante o governo de FHC é dada por Ribeiro Jr. (2011). O autor usa documentos, de cartórios, bancos nacionais e estrangeiros e de empresas de consultorias, para mostrar como foram feitos desvios de verbas das privatizações para contas bancárias em paraísos fiscais.

São operações realizadas pelo clã Serra – sua filha Verônica Serra, seu genro Alexandre Bourgeois, seu primo político Gregório Marín Preciado, seus muitos sócios, seus amigos e seus colaboradores. E outros tucanos de altos poleiros. Em muitos casos, são transações envolvendo empresas brasileiras e empresas offshore no paraíso discal das Ilhas Virgens Britânicas, escoradas no anonimato” (RIBEIRO JR.: 2011. p. 30)

Além das denúncias de lavagem de dinheiro, Ribeiro Jr. (2011) também aponta alguns dos casos mais famosos de privatização de estatais brasileiras. Entre eles estão a Excelsa, companhia de eletricidade do Espírito Santo; a Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), Light, Copesul, Usiminas, entre outras. E também critica o processo:

Independentemente do juízo que cada um possa fazer sobre a eficácia ou ineficácia do Estado ao gerir os bens públicos, ninguém precisa ser um inimigo do mercado para perceber que o modelo de privatização que assolou o Brasil nos anos FHC não foi, para ser leniente, o mais adequado aos interesses do país e do seu povo. Nem mesmo a Nossa Senhora Aparecida do fundamentalismo neoliberal, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, teve o atrevimento de fazer o que foi feito na desestatização à brasileira. Nos anos 1980, Thatcher levou ao martelo as estatais inglesas, pulverizando suas ações e multiplicando o número de acionistas. Contrapondo-se a essa “democratização”, o jeito tucano de torrar as estatais envolveu “doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos empresariais”. (RIBEIRO JR.: 2011, p. 37)

O autor também recorre à obra de Dória (2013) para relatar informações do processo. Além disso, para criticar a imprensa o autor transcreve uma conversa interceptada por escutas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros, então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e futuro ministro das Comunicações, e FHC:

Vale lembrar um telefonema de FHC para Mendonça de Barros. Queria saber a quantas andava a preparação do leilão das teles. Recebe, como resposta, que “estamos com o quadro praticamente fechado”. À vontade, os dois comentam o tom apologético adotado pela mídia para saudar as privatizações, que catapultariam o Brasil ao concerto das grandes nações. Não era ingenuidade. Se, de um lado, os grandes conglomerados propagandeavam as benesses que a venda do patrimônio público traria ao país, de outro, sonegavam aos seus leitores, ouvintes e telespectadores a condição de integrante de consórcios que disputavam a aquisição das teles.
– A imprensa está muito favorável, com editoriais – comenta Mendonça de Barros.
– Está demais, né – diz FHC. – Estão exagerando até... – acrescenta, mordaz com seus áulicos midiáticos.

De acordo com Dória (2013), “nos oito anos de reinado de Fernando II, com o respaldo maciço da mídia – até porque diretamente interessada no butim – o Brasil foi a leilão. A privatização gravou-se de tal maneira no imaginário nacional, que se transformou na primeira e inesquecível marca da gestão de FHC” (Dória: 2013, p. 17). Este autor foca em como as privatizações e o Plano Real (implantado em 1994) foram usados em prol da reeleição de FHC em 1998, quer seja por meio do uso da opinião pública, no caso do plano econômico lançado no governo de Itamar Franco e creditado a FHC, quer seja por meio de captação de recursos vindos das privatizações. Quanto às privatizações, Dória (2013) elenca as vendas das estatais feitas durante o governo PSDB:

·         CEE Distribuição, entregue aos americanos da AES;
·         Bandeirante Energia, entregue aos portugueses;
·         Celpe, para os espanhóis do grupo Iberdrola;
·         Cemar, para os americanos da Ulem Mannagement Company;
·         Cesp Tietê, para os americanos da Duke;
·         Ceteep, arrematada pelos colombianos da estatal Colombiana SA;
·         Coelba, levada pelos espanhóis que levaram a Celpe;
·         Comgás, para os ingleses da British Gas/Shell;
·         Cosern, para os já citados espanhóis;
·         CPFL, arrematada pelo grupo brasileiro VBC;
·         Elektro, vendida para os americanos da Enron;
·         Eletropaulo para os americanos que levaram a CEEE;
·         Escelsa, para os portugueses da GTD Participações, junto com o consórcio Bancos Iven AS;
·         Gerasul, levada pelos belgas da Tractebel;
·         Light, entregue ao grupo franco-americano EDF/AES;
·         RGE, para os mesmos brasileiros do VBC;
·         Bamerindus, garfado pelos britânicos do HSBC;
·         Banespa, para os espanhóis do Santander;
·         Banco Meridional, vendido para o Banco Bozano;
·         Banco Real, par ao grupo ABN-AMRO, depois sob controle do espanhol Santander;
·         Banco do Amazonas AS, vendido ao Bradesco;
·         BEG, Benco de Goiás, arrematado pelo Itaú;
·         E entregaram a particulares os minérios da Mineração Caraíba, da Vale do Rio Doce;
·         E entregaram a Petroquímica União AS. (DORIA: 2013, p. 199)


 Referências

BIONDI, Aloísio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003b.

DÓRIA, Palmério. O príncipe da privataria. São Paulo: Geração Editorial. 2013.

FILGUEIRAS, L. A História do Plano Real. São Paulo: Editora Boitempo, 2010.

GIAMBIAGI, Fabio. Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos: os anos FHC. In: GAMBIAGI, F.; VILLELLA, A.; BARROS DE CASTRO, L; HERMMAN, J. Economia Brasileira e Contemporânea (1945-2004) Editora Elsevier/Campus, 2005.

RIBEIRO JR., Amaury. A privataria tucana. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Ideologia e parcialidade na imprensa


Fonte: Estadão. Acessado em 6 out. 2014.

A imprensa conquistou a liberdade de expressão a duras penas depois do Ato Institucional nº 5. Hoje nenhum veículo precisa recorrer às receitas de bolo ou aos versos de Camões para preencher um espaço que ficaria em branco depois do crivo do governo. Isso é fato. Contudo, enquanto a liberdade aflorava a parcialidade e o subjetivismo extremo a acompanhava. O que se pode esperar de uma cobertura das eleições 2014 de veículos que apoiam incondicionalmente um ou outro partido político, uma ideologia neoliberalista e se esquece daqueles preceitos básicos do jornalismo ou das outras ideologias que ainda têm espaço da economia, na política e na sociedade?

Gramsci identifica a imprensa como um partido político. Perseu Abramo defende que ela manipula seu público devido aos interesses financeiros que a empresa possui. É possível até liga-la a um aparelho de dominação do Estado de Althusser. Independente destas características, definições e acusações, a imprensa é e deve ser livre. Contudo, até que ponto podem ser tão livres assim a coberturas jornalísticas que cada veículo faz?

Não parece ser errado que aquele jornal ou esta televisão apoiem a candidatura deste ou daquele partido ou candidato à Presidência. O Estadão foi claro, no último domingo (5/10) que apoiava a eleição de Aécio Neves (PSDB). Com a bandeira da “hora da razão”, o jornal deu as justificativas para se votar neste candidato e acabar com o “lulopetismo” que sua redação tanto combate. Aceitável? Sim, são livres e não há nada que os impeça de se transformarem em um meio de divulgação da ideologia daquele partido.

Porém, como é possível confiar na credibilidade do jornal sendo que: (1) eles só deram espaço durante as coberturas aos três primeiros colocados nas pesquisas de intenções de voto? (2) como podemos nos assegurar que o tratamento dos escândalos do PT têm o mesmo peso que os do PSDB? (3) e na parte econômica, como podemos acreditar no tal “pessimismo dos empresários”, que o jornal tanto divulga, quando o conjunto das edições do jornal são uma campanha de desmoralização do governo petista?

Há, sem dúvida, problemas na estrutura tributária brasileira que desestimula os investimentos privados. Os impostos que incidem em cascata são o exemplo mais claro disso. Contudo, após a edição do Estadão deste último domingo fica a dúvida: este pessimismo é realmente justificável? E quem instaura o pessimismo nos empresários: a situação econômica ou a imprensa? Há algumas informações que podem colocar a cobertura do jornal sob suspeita.

A primeira é demográfica: São Paulo é o centro dinâmico do país. Aqui estão as principais empresas do Brasil ou então as sedes destas grandes empresas. Portanto, é neste estado que está a “nata do capitalismo brasileiro”. Essa nata do capitalismo, defensores tanto da indústria quanto, principalmente, do agronegócio, são neoliberais. Acreditam fortemente que a participação do Estado na economia deve ser mínima. Sem subsídios, sem incentivos, sem o Estado de bem-estar social – como disse Marilena Chauí em uma de suas palestras, o neoliberalismo foi uma desconstrução de todo aparato social que o Estado construiu ao longo de décadas para amparar a classe pobre e os trabalhadores.
Outra informação vem do resultado deste primeiro turno das eleições a presidente. Em São Paulo foi reeleito Geraldo Alckimin (PSDB) com 57,31% dos votos. Por mais que grande parte dos professores reclamem da situação da Educação; que a mídia saiba que há ainda a aprovação automática que leva vários alunos a mal saberem interpretar um texto no Ensino Médio. Aécio Neves (PSDB) teve 44,22% dos votos no estado. Não que esses números representem  que esta é a parcela da população ligada ao capital, mas representam, como muito sabem, que São Paulo é um reduto deste partido.

Há entre veículos de comunicação e seus leitores um “contrato de leitura”, defendido por Maia (2002). Se estes veículos se antecipam aos seus leitores, conceito de Orlandi (2006), e entregam ao público o que eles querem ler nas páginas dos jornais, fica evidente a relação entre os resultados das urnas e a cobertura que faz a grande mídia, especialmente o Estadão. Contudo, até que ponto há esta antecipação e este contrato? Não estariam os jornais negando ser um espelho da sociedade, por mais que esta teoria seja controversa, e, no lugar disso, estariam pautando esta sociedade, inserindo nela a ideologia que acreditam ser a melhor para a sociedade brasileira?

Se a resposta é sim ou talvez, o problema deste fato é que falta, e muito, a pluralidade de vozes. Acima disso: falta o comprometimento do jornalismo com a cobertura imparcial. Não é possível ler o jornal e acreditar que haverá denúncias de corrupção do PSDB com a mesma cara, peso e tom concedidos aos casos do PT. Uma evidência disso também é a capa do Estadão do último domingo: foram publicadas fotos dos três principais candidatos à Presidência da República e a chamada de cada um deles mostra o tom que cada partido recebe. Na foto de Aécio “Fôlego no final”; na de Marina, “Do sonho à realidade”; já na de Dilma “Tática de desconstrução”. Só por estas chamadas é visível os tons positivos e negativo que o jornal dá a cada um dos candidatos. Isso tudo sem insistir na velha crítica: foram só três candidatos. O caderno especial sobre as eleições de 2014 sequer faz um perfil dos demais candidatos no mesmo tamanho e destaque que fez para os “três principais”.

Agora ficam os questionamentos: como é possível dar a devida credibilidade a um jornal tão grande sabendo que são “cinco pesos e uma medida”, porém quem estabelece essa medida (o jornal) não a faz de maneira justa e igual? Não há problema em um jornal querer apoiar o PSDB, como fez o Estadão, e uma revista o PT, como a Carta Capital. O problema está em como cada um deles induz seus leitores a acreditarem que sua visão é a melhor dentre todas sem propor um debate amplo e dar espaço a todas as vozes dissonantes em relação a sua ideologia. Quem perde com isso é o público e a democracia brasileira.


Somos livres para ler qualquer veículo de comunicação, mas como é possível usar essa justificativa em um país onde o número de leitores decresce a cada ano? Isso sem contar com o número de analfabetos funcionais em São Paulo. Sendo assim, em quem confiar?