sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O PIB cresceu pouco, ok, mas e a contextualização?

Não é raro ver algumas críticas ao noticiário econômico e muitas delas são recorrentes e mesmo assim a linguagem dessas editorias continuam na mesma armadilha do economês. Acabei de ler uma notícia no site do Estadão e no final da leitura, algumas perguntas básicas ficaram sem resposta nenhuma.

A notícia é sobre o PIB: PIB foi afetado por investimento baixo e indústria fraca, dizem economistas e estava em destaque na página de Economia do Estadão à meia noite deste sábado. Primeira pergunta que vem logo do lead: quem informou o PIB? É uma informação básica e todos sabem? A resposta é não, o leitor leigo não é obrigado a saber quem divulga e mede o PIB - esta é uma informação que não tomaria mais que uma linha. Uma notícia publicada antes dava essa informação na linhafina: "Segundo o IBGE, o PIB brasileiro foi de R$ 1,1 trilhão no segundo trimestre, com destaque para o setor agropecuário". Porém a crítica: a notícia anterior é a anterior, certo? Escrever cinco palavras e uma sigla completaria a informação e poderia até ser colocado um link para a tal notícia anterior.

 Segundo ponto é sobre a contextualização com os acontecimentos recentes. O foco da matéia era o efeito do baixo investimento e da indústria fraca. Antes de mais nada, baixo investimento privado ou público? Além disso, onde foi parar a informação da baixa na taxa Selic feito esta semana e a política fiscal do governo, ou seja, os cortes do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que foram anunciados também recentemente? Também são informações relevantes e que têm total ligação com a indústria e com o consumo das famílias, mas que sequer foi mencionado em parágrafo algum.

E além do problema da falta de explicação e da contextualização, vem o economês. Uma coisa que é facilmente observável é o fato de os repórteres reproduzirem as falas dos economistas sem sequer interpretar a informação e deixá-la mais clara para o leitor leigo. É um jogo de copia e cola. Em dois parágrafos há jargões e expressões típicas de economistas que podem prejudicar o bom entendimento do leitor, como os listados abaixos:

1) "Segundo o economista e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, o lado da demanda dentro do PIB está sendo minado pela baixa Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que caiu 0,7% na comparação com o primeiro trimestre deste ano e 3,7% perante o segundo trimestre de 2011."

Primeiro: o que é o lado da demanda? Segundo: o que é a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)? Terceiro: o que representa essa queda de 0,7%, o que aconteceu, por que, quem é o responsável?

2) "Pelo lado da oferta, diz Rochlin, o PIB no período continuou sendo prejudicado pela anemia do setor industrial, que deu uma contribuição negativa para a conta do período, con retração de 2,5% perante os primeiros três meses deste ano. Na mesma base comparativa, o recorte da indústria de transformação apontou um tombo de 5,3%. Na avaliação do professor, o resultado ruim no setor continua sendo justificado pelo câmbio desfavorável, especialmente nos segmentos exportadores."

Primeiro: con? Segundo: o que é o lado da oferta? Terceiro: essa "anemia do setor industrial" continuou prejudicando; desde quando ela prejudica e por quê? E quarto: por que o câmbio desfavorável prejudica a economia?

Coloco minhas mãos para o alto para a arma que podem me apontar: ok, se forem explicar tudo, expressão por expressão, frase por frase, a notícia vira um livro. Será que isso aconteceria mesmo? Algumas informações podem ser resumidas com poucas palavras e deixariam a notícia tão mais clara e de fácil entendimento. O problema nisso é: a quem essa mensagem é escrita? Por que não ensinar um milésimo de economia no jornalismo e mostrar à população qual o sintoma da "anemia" que afeta o PIB também? Afinal, anemia do setor e indústria fraca é a mesma coisa mesmo?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Padrões de manipulação - argumentos para não confiar na imprensa

Para não deixar meu blog morrer abandonado, vou publicar aqui o trecho de um projeto que elaborei essas férias de julho. Comecei o período de férias com uma pilha de livros para ler e terminei com outra totalmente diferente e um projeto de pesquisa em andamento.

Aproveitando o conteúdo, vou colocar aqui uma das partes que mais achei interessante escrever que é uma síntese da Teoria da Manipulação proposta por Perseu Abramo. Esse jornalista diz que há cinco padrões de manipulação usados pela grande imprensa. O texto original é muito interessante de ser lido porque mostra a quantas anda o interesse da classe dominante nos veículos de comunicação. Além disso nos faz enxergar como devemos duvidar de praticamente toda e qualquer informação divulgada por essa imprensa gigantesca que controla a mente de grande parte da população e aliena essas pessoas de problemas realmente importantes como a educação e política, por exemplo.

Segue o texto:


O jornalismo sofre algumas críticas que são apontadas por Bahia (1990): o noticiário é inexato por conter notícias falsas ou sensacionalistas, é superficial, discrimina as minorias, é parcial, despreza seu compromisso com a educação e é manipulado. Sobre a manipulação, que aqui será discutido com mais detalhes, Bahia afirma: “A crítica contesta o grau de independência que os veículos atribuem às notícias em relação à opinião. Para ela, não só o noticiário sofre pressões opinativas dos editores, repórteres e redatores, como também da direção que controla a opinião” (BAHIA:1990, p. 24) e que, por conseguinte, controla a angulação das informações que serão noticiadas. 

Outro teórico e principal crítico do que consiste numa Teoria da Manipulação, é o jornalista Perseu Abramo (2003). Para ele, há cinco padrões de manipulação: os padrões comuns a toda a grande imprensa que são os de ocultação, fragmentação, inversão e indução; e o quinto, referente às televisões e rádios que é o que o autor chama de padrão global. Todos os padrões estão ligados com o trabalho e a dinâmica nas redações e a forma como a notícia é tratada por repórteres, editores e demais profissionais deste ambiente.  

A análise feita por Abramo parte da elaboração da pauta e a discussão do que é fato jornalístico ou fato não-jornalístico, o que será e o que não será noticiado. Essa primeira seleção dos fatos que constarão na pauta do veículo fazem parte do padrão de ocultação: “é o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. [...] É um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade” (ABRAMO: 2003, p. 25). O segundo padrão observado pelo jornalista, é a fragmentação, ou uma quebra do todo real em aspectos específicos e descontextualizados em relação ao fato concreto. O problema está na desconexão e na falta de contexto: “isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real original” (ABRAMO: 2003, p. 28). 

Os dois primeiros aspectos se referem tanto à elaboração da pauta e a orientação que o repórter recebe para trabalhar sobre o assunto, quanto na captação do próprio jornalista ao limitar a visão do todo a um ângulo restrito e condizente com a visão política do órgão no qual ele trabalha. Apesar de o debate feito aqui sobre manipulação considerar os órgãos de comunicação, vale uma ressalva feita por Charaudeau (2012) quanto às influências externas:

É preciso ter em mente que as mídias informam deformando, mas é preciso destacar, para evitar fazer do jornalista um bode expiatório, que essa deformação não é necessariamente proposital. Mais uma vez, é a máquina de informar que está em causa, por ser ao mesmo tempo poderosa e frágil, agente manipulador e paciente manipulado. (CHARAUDEAU, p. 253)

Sobre o mesmo assunto, Gilberto Dimenstein alerta quando fala sobre os jogos de poder da política: “Os jornalistas também não escapam e a imprensa, cuja missão é evitar a manipulação, frequentemente cai nas armadilhas do poder, movido a esperteza e calculismo” (DIMENSTEIN: 1990, p. 14). Ou seja, apesar de ser considerável os interesses econômicos e políticos dos empresários da comunicação, seus veículos podem também ser usados como instrumentos na guerra pelo poder e manipulação da população carecendo, portanto, de independência, profissionalismo e curiosidade para farejar o que há por detrás das informações obtidas. Este problema é também abordado por Abramo no seu terceiro padrão de manipulação, a inversão. Para manipular, na hora da estruturação, redação e apresentação da notícia, ocorre uma “troca de lugares de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial de outra realidade.” (ABRAMO: 2003, p. 28). Como um subitem deste padrão, o autor considera as relações entre jornalistas e o poder político. Segundo ele, ao selecionar uma versão específica no lugar de apresentar o fato como um todo, o órgão de comunicação pode extremar sua manipulação oferecendo ao leitor apenas a versão oficial, o que Abramo chama de oficialismo, ou, usando o discurso de Dimenstein, cair, consciente ou não, nas “armadilhas do poder”.

A inversão ainda pode ser originada da pauta e da visão e ação do repórter, mas é na edição e na diagramação do produto jornalístico que ela é mais fortemente observada. Assim, a partir deste e dos demais padrões, Abramo chega à indução:

O que torna a manipulação um fato essencial e característico da maioria da grande imprensa brasileira hoje é que a hábil combinação dos casos, dos momentos, das formas e dos graus de distorção da realidade submete, em geral e em seu conjunto, a população à condição de excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade real e a induza a consumir outra realidade, artificialmente inventada. É isso que chamo de padrão de indução. (ABRAMO: 2003, p. 33)

A diagramação das revistas semanais e mensais está inserida neste grupo de meios de comunicação que extrapola todos os demais padrões de manipulação e coroa a indução desde a sua capa até a ordem de suas reportagens nas páginas internas. A escolha cuidadosa da ilustração da capa, o tamanho, a cor e a mensagem dos títulos, a sequência de chamadas apresentada ao leitor, enfim, os elementos das capas que são os primeiros a chegarem aos olhos do leitor são o carro chefe dessa manipulação. Manipulação e angulação se mesclam aqui. Retomando os conceitos de Medina, a indução por meio dos elementos de edição podem ser enxergados a partir da lógica da angulação-massa que se manifesta “nas aparências externas – formas de diagramação atraente, valorização de certos ângulos e cortes fotográficos, apelos linguísticos como títulos e narração dos fatos. Está também nos conteúdos e no processo de captação desses, extraídos de uma realidade” (MEDINA: 1988, p. 75).

São elementos usados tanto para manipular por meio da expressão política e ideológica do veículo, como também para torna-los vendáveis aos leitores. Afinal, como diz Charaudeau (2012) na lógica do que ele chama de “contrato de comunicação midiática”, a imprensa tem dois objetivos básicos, ou visadas: “uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que tende a produzir um objeto de consumo segundo a lógica comercial” (CHARAUDEAU: 2012, p. 86). Sendo assim, seguindo a visão de Charaudeau, a imprensa, ao manipular, pensa não somente na manutenção de seus ideais e crenças, mas também naquilo que é vendável na banca, nas ondas sonoras e na tela da televisão.


ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. As técnicas do jornalismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1990.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.
MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988.