sábado, 24 de janeiro de 2009

A crise e a Ecologia Econômica

Mais uma semana se fecha hoje e, como já não é mais novidade, o tema que mais se comentou foi a crise mundial e seus reflexos na economia brasileira. Enquanto os grandes jornais como O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo trazem as notícias geramente da macroeconomia, sem se ater muito com a população em si e o que acontece no bolso do povo, cabe aos jornais menores e regionais decifrar essas mensagens e as entrelinhas dos atos do governo.

Há algum tempo venho observando o caderno de Economia do Estadão, mas sempre me ative só a rápidos olhares pelos títulos e o assunto dos colunistas e editorial próprio. Não saberia dizer se é uma novidade, mas com toda essa movimentação da crise econômica e o forte reflexo nas indústrias do ramo automobilístico e de autopeças, notícias que envolvem o dia-a-dia do trabalhador ganhou espaço considerável das páginas que, não é ousado dizer, mais influenciam no bolso e na vida da população.

DEMISSÕES
Esta semana foi de mais demissões e discussões entre federação, sindicatos e organizações pró-trabalhadores e patronais. A redução da jornada de trabalho está sendo um dos temas mais discutidos para se evitar crise e no meio dos atritos (leves) entre chão de fábrica e administração. Nessa história é possível perceber um governo que está tentando encontrar soluções para o caso, mas se ve amarrado. Há alguns dias o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, havia falado que iria ter retaliações para as empresas que demitissem sem estar com as contas no vermelho. Não viu caminhos para puní-las. O jeito seria inverter a situação e fornecer incentivos para que não aumentassem o número de desempregados na praça.

TAXA SELIC
Uma das medidas que foi vista até com bons olhos por empresários foi a redução de um ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic. O Conselho Político Monetário, o tão falado Copom, surpreendeu as expectativas ao aprovar o maior corte em cinco anos quando se esperava uma redução entre 0,5 e 0,75 ponto. A forma como a notícia chegou, pelo menos pelos meios impressos, foi indiferente. Ok, a taxa foi reduzida e eu com isso?

Economistas e especialistas avaliaram em suas colunas que só a redução não seria suficiente para afetar a vida da população. A bola foi jogada para os bancos e financiadoras que deveria abrir mão dos juros exorbitantes que cobram nos seus principais produtos: cartão de crédito, crédito pessoal e financiamento de casas e veículos. No editorial do caderno de Economia do Estadão de hoje, a atuação dos bancos foi considerada como uma "reação demagógica" quando os bancos justificaram a ação tímida frente à redução da Selic com dados da inadimplência e do spread bancário - diferença entre a taxa de captação e aplicação das suas verbas.

ECONOMÊS
Uma das críticas mais frequentes ao jornalismo econômico é o "economês", a liguagem com que as notícias da área são transmitidas para os leitores. Ao ler o caderno é evidente o seu público-alvo, sem medir esforços para disfarçar, sendo que nem é preciso isso. Enquanto as estatísticas mostram que o número de jornais está crescendo no país, o que revela que a demanda pela informação está aumentando na mesma proporção, a forma como a mensagem chega até os leitores continua complicada.

É nessa hora que relembro as aulas de jornalismo regional da professora Milena de Castro. Compete, sim, aos jornalismo regional informar melhor a população e ser um tradutor das medidas e ações do governo e qualquer outra instituição ou entidade. Mostrar a importância de tudo isso para quem vive longe da capital das decisões políticas é o papel desses jornalismo.

A SELIC E O LOCAL
E quando nos deparamos com uma notícia como essa da redução da taxa, o leitor deve ficar a ver navios e se pergunta o que ele tem com isso. Em entrevista ao Jornal de Limeira, a economista e coordenadora do curso superior da mesma área do isca Faculdades, Rosângela Cristina de Carvalho Pereira, explica a complexidade da economia e todo o processo para essa baixa do juros e os reflexos na população. Após ver no jornal a visão dos empresários da cidade, propusemos uma pauta para ver como isso afeta quem realmente move a economia do páis. A matéria, entitulada A queda do juro e seu bolso, trouxe informações interessantes com as explicações da professora.

Nós que somos leigos sobre economia e suas relações nem imaginamos como é complexo esse sistema. Na entrevista que a professora conceu por telefone, que mais parecia uma aula, é possível se perder facilmente no caminho todo cruzado que é as causas e consequências da redução do juros. O que mais se ressalta é o cuidado que o governo tem na hora de aprovar um corte como o que foi feito esta semana. Pelas palavras de Rosângela fica evidente que tudo é uma reação em cadeia. Ela disse que o governo não poderia aprovar um corte maior que um ponto percentual por que afetaria diretamente a inflação no país.

A redução de um ponto ajuda a reduzir as taxas dos bancos e financiadoras, como já mencionado. Não é difícil de entender depois que acendem a luz. Com amis crédito para a população e com melhores condições para financiar carros e casas o consumo da população aumenta. Com o consumo aumentando, a demanda por produtos também aumentaria. As indústrias, no entanto, poderiam não dar conta dos pedidos. Resultado, inflação. Ou seja, preços altos.

QUEDA NO VAREJO
Depois de lembrar das aulas de jornalismo regional na faculdade, volto mais alguns anos e relembro das de biologia com a professora Rosanita (fico devendo o sobrenome) no primeiro colegial. Tema da aula, ecologia e a cadeia alimentar. Transferindo essa aula de início de ensino médio para a situação em discussão, tudo está diretamente envolvido quando se trata da crise.

Enquanto as perspectivas seriam de inflação se o corte do juros fosse grande demais e de um aquecimento na economia com a mesma medida do Copom, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou há duas semanas que o consumo no varejo caiu 0,7% comparando dados de novembro e outubro.

CADEIA ALIMENTAR
Lembra daquele desenho nos livros de ciência que o sapo come o gafalnhoto, a cobra o sapo e a águia a cobra? Pois bem, essa semana a empresa Papirus, em Limeira, demitiu 47 funcionários. O que uma coisa tem a ver com a outra? A empresa limeirense produz papel cartão utilizado nas embalagens de produtos do setor alimentício, vestuário e calçados. Com as dificuldades nas exportações, competição com importações e consumo baixo, a produção dessas três áreas da qual depende a empresa caiu. Consumo em queda, pedidos na produção também em queda. Quem revelou toda essa relação foi o diretor de Recursos Humanos, Antonio Pupim. Apesar de estar ligado aos patrões, e também usar o discurso do "não queríamos demitir", o diretor foi claro ao expor que a produção na empresa caiu por conta dos fatores apresentados desde setembro do ano passado. A queda, se não me engano, foi na casa dos 20% na produção.

SIGA O ESQUEMA
A crise é a águia, o consumo a cobra, as empresas o sapo e os trabalhadores os grilos. Mas a cadeia não para ai. O grilo come grama. O Jornal de Limeira deste domingo, 25 jan., ainda trás a notícia que até os catadores de materias recicláveis sofreram com a crise. Fomos entrevistar uma cooperativa de reciclagem na periferia de Limeira. No local sete trabalhadores, deles seis são mulheres, fazem a triagem do material que chega em caminhões de coleta da prefeitura. Se não bastasse a queda no consumo da população, a falta de incentivos para uma coleta seletiva, as escolas ainda estão deférias o que reduz drasticamente a renda deles.

Uma das catadoras, que administra as notas da cooperativa, disse que já conseguiram faturar cerca de um salário mínimo, cada um, com a venda dos materiais. No local, tudo que é separado é vendido e o montante dividido por todos que atuaram no processo. Em dezembro as vendas renderam R$ 170. Dividir isso por sete e passar as festas de fim de ano não deve ter sido muito fácil. Inclusive a mesma catadora ainda diz que nem festas tiveram. "O lixo não pode parar", comentou ela. (Fico devendo o nome dela, a matéria ainda não entrou no ar quando redigia esse texto, coloco depois)

O problema de tudo isso está mais uma vez nas empresas. O ramo de autopeças e automóveis compra ferro e alumínio. Com as inúmeras demissões e contenções de gastos que as grandes e médias empresas estão tendo que adorar, o valor de revenda do material reciclado caiu, e muito. Antes se pagava R$ 3,50 por um quilo de alumínio, hoje o preço caiu para R$ 1,50.

TUDO É CRISE
Outro ponto que levantamos essa semana no Jornal também foi a questão da pirataria e a influência nas videolocadoras. Até ai nada parece ter relação com tudo o que já foi exposto até aqui. O curioso é que todos estão usando a crise como desculpa ou justificativa. Em entrevistas para a matéria sobre a venda de cópias ilegais de filmes e o fechamento das videolocadoras, um dos proprietários de loja do ramo disse que o número de locações caiu nos últimos meses por conta de quem? Claro, da crise. Com os cortes dos gastos pessoais, as pessoas cortaram a locação de filmes por considerarem um luxo, uma coisa supérflua.

SOLIDARIEDADE
Um último ponto que observei essa semana. Último por que já escrevi demais! No final da semana retrasada, a TRW Automotive, também em Limeira, demitiu 80 funcionários da linha de produção. A ArvinMeritor e o Sindicato dos Metalúrgicos continuam negociando a redução de jornada de trabalho para evitar dispensa de funcionários e, como já foi dito, a empresa Papirus desligou 47 trabalhadores (estudam pagar plano médico por um ano para os demitidos).

Os sindicatos das classes conversam com as empresas para tentar acordos ou pelo menos garantir benefícios. A única que não é visível uma solução é a TRW que demitiu e pronto. Apesar de (mais uma vez) ir contra a vontade dos administradores da empresa dispensar o pessoal qualificado, não há muito o que negociar para reverter a situação. Pelo menos parece que não há.

Em entrevistas com sindicalistas dos Metalúrgicos e do Papel e Papelão de Limeira, um deles comentou comigo que greves e manifestações nesse ponto estão descartadas. Não seria nem falta de solidariedade e companheirismo, mas sim medo da situação. Um funcionário de uma das empresas comentou comigo há algumas semanas que se abrir a boca contra é demissão na certa. Vai querer discutir? "O pessoal do Sindicato têm o trabalho garantido por isso eles não ligam para os demais trabalhadores", reclamou uma parente de um dos trabalhadores.

CONSTRUÇÃO
Me esqueci de uma das matérias mais importântes e que tem forte inflência em toda essa cadeia da crise. O governo também anunciou um pacote para a área de habitação e incentivos para a construção civil. Entre as medidas estariam a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e facilidades de crédito pela Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para construções e reformas.

A ecomista Rosângela, em outra aula por telefone, comentou que a construção é considerada o temômetro da economia. O presidente do Sindicato da Construção fez coro com a profissional e disse que "quando a construção vai bem, várias outras áreas vão bem entre elas cerâmica, área de madeiras, químico e outras." Incentivo à construção é aquecer o consumo. Além disso, o setor é um dos que mais emprega. De acordo com dados da Câmara Brasileira das Indústrias de Construção (CBIC), o setor ficou em primeiro lugar entre 26 subsetores da economia na geração de emprego ano passado.

O que é interessante é que num momento onde vários trabalhadores estão sendo demitidos das linhas de produção das empresas, o governo anuncia os incentivos para aumentar ainda mais os conteiros de obras por todo o país. Demite aqui, emprega ali e garante-se o aquecimento da economia...

Um comentário:

Marciél Gorrido Junior disse...

Olá

Li a metéria no JL e realmente foi muito esclarecedora. Assino a Folha e sempre leio o caderno de economia, mas pra um simples mortal é complicado entender!

Com respeito a construção civil ela tem outra característica peculiar além das citadas pela economista Rosângela. Em tempos de crise a construção civil é a primeira a ser afetada e a última a se recuperar.

Trabalho na área de construção e estavamos sentindo a crise desde julho de 2007, quando o setor imobiliário americano começou a se deteriorar. O crédito ficou escasso devido a especulação e o setor se desacelerou.

Infelizmente perdi meu emprego em março de 2008. Voltei a trabalhar em outra empresa em julho e perdi o emprego novamente em dezembro.

Parabéns pelo blog. Eu gosto bastante de jornais e se Deus quiser, depois de me formar em engenharia, farei jornalismo. Gosto do blog pq vc mostra os bastidores das matérias e é uma extensão do que publicam no JL.

Abraço!