Uma noite no ponto de ônibus do Museu, movimento e conversas
19 dez. 2008
A praça Major José Levy Sobrinho, mais conhecida por praça do museu, é uma das mais movimentadas do Centro. Além do prédio que deu referência para seu nome popular, o local é ainda mais conhecido pelos seus pontos de ônibus. Durante todo o dia centenas de pessoas passam pelos três dos quatro lados do quarteirão, onde as paradas do transporte coletivo se aglomeram. São pessoas correndo, andando ou simplesmente paradas olhando o movimento.
Com celulares no ouvido, conversando com alguém distante ou mesmo acompanhado de pais, mães, amigos, namorados, pessoas e mais pessoas passam para todos os lados possíveis em sua vida agitada. Horários de pico, como a hora do almoço ou antes de as lojas abrirem suas portas pela manhã, o movimento cresce mais ainda. Atualmente a praça é o ponto central de todos os ônibus das duas empresas que fazem o transporte coletivo da cidade. Ali chegam pessoas dos quatro cantos da cidade, dos bairros mais longes, zonas rurais, ao bairros vizinhos.
A movimentação é constante durante todo o dia, inclusive nas noites de quarta-feira. Com o horário especial do comércio de Limeira, várias pessoas continuam subindo e descendo dos ônibus mesmo após às 18h - normalmente um dos últimos horários de correria de trabalhadores e estudantes. Por volta das 20h desta última quarta era visível que em algum ponto do centro as lojas estavam faturando um pouco mais que o normal. O semáforo do cruzamento das ruas Boa Morte e Carlos Gomes, quando abertos para os pedestres, liberavam a passagem de pelo menos 30 pessoas por vez, subindo e descendo, indo e vindo.
Do lado da rua Boa Morte, a praça tem sete pontos de ônibus. Quatro com assentos e três somente com as coberturas. Ali homens, mulheres e crianças esperam os ônibus que os levarão para a casa. Quando um deles aparece, como é o caso do 102, os futuros passageiros já caminham para o ponto onde o veículo para. Avistam o carro de longe. Se um passageiro ficar parado na beirada da calçada é possível avistar um ônibus se aproximando a pelo menos três quarteirões de distância na mesma rua. Cerca de 11 pessoas se apressam para verem quem será o primeiro a subir. Os acentos geralmente ficam vazios quando os ônibus chegam na praça, a disputa pelo primeiro a subir é também pelos lugares que estão vagos no interior do veículo.
Um homem de calça caqui, jaqueta preta e sapatos sociais marrons passa com uma caixa de balas nas mãos. "Compra uma balinha para me ajudar?", oferece. "Não tenho dinheiro aqui, estou trabalhando", responde uma das pessoas para a qual o homem tentou vender os doces. "Então ta bom, Deus te abençoe", se despede sorrindo. Ele continua andando pelos pontos abordando as pessoas sentadas ou em pé que encontra pela frente.
TRANQÜILIDADE
No meio de toda a correria e espera por ônibus, um senhor em particular se torna observador da noite de comércio natalino. O aposentado, mas ainda metalúrgico, Anivacil Brás Lossolli, de 62 anos, está ali esperando os ônibus da linha oito ou quatro, mas sem pressa alguma. Ele olha as pessoas que sobem, que se sentam próximas a ele e os ônibus que passam e se enchem. Para falar seu nome, o aposentado já mostrou seu bom humor. "É um nome diferente e vou falar devagar: Anivacil", ironiza. Apesar de ser chamado de "careca" pelos amigos do trabalho, ele mostra não simpatizar muito com apelidos. "Nenhum pai gosta de ver seu filho com apelidos, ainda mais no diminutivo e eu gosto que falem meu nome certinho em casa", diz.
Lossoli estava no Centro sem propósito algum. Apesar de ter se aposentado há mais de cinco anos, preferiu continuar trabalhando. Estava ali para arejar a cabeça, distrair. Foi olhar o movimento, entrar nas lojas e ver os brinquedos - possíveis presentes para os netos, pelo jeito. Ele não carregava nenhuma sacola. Debaixo do braço esquerdo somente uma pochete marrom. De camiseta verde-água, calça jeans clara e sapatos de camurça marrom, o aposentado comenta, com uma visão bem crítica, que as pessoas não estão consumindo este final de ano por conta do medo com a crise. "Eu não sou pessimista, sou bem realista. Acho que a situação dessa crise ainda vai piorar bastante, principalmente depois do carnaval, por isso as pessoas que têm a cabeça no lugar não vão gastar todo seu dinheiro agora no final do ano", opina.
Sua observação é perspicaz. Das pessoas que esperam no ponto de ônibus para voltarem as suas casa, poucas carregam sacolas com presentes. Muitas passam com caras cansadas, cheias de bolsas e até malas, mas sacolas com presentes, poucas. Outro fator apontado por Lossoli para as compras fracas é que o vale (parcela adiantada do salário) ainda não foi pago pelas empresas. "Quando pagarem o vale e a segunda parcela do 13º no dia 20, apesar de ser sábado, acho que vai aumentar o movimento" , reflete pensativo.
A postura do aposentado é reta, exemplar. Um ortopedista ou fisioterapeuta que o olhasse de longe iria logo elogiá-lo. Sem ser perguntado, ele acaba revelando o porquê de estar sentado daquela forma. "Não era para eu estar aqui hoje, ia para Brasília com um grupo de aposentados, mas me deu um mal jeito na coluna e achei melhor não encarar 12 horas dentro de um ônibus balançando", diz. Nessa postura exemplar Lossoli diz que os limeirenses são um povo trabalhador. Observando aqueles que passam em sua frente, o aposentado comenta que muitas pessoas não são nascidas da cidade. "Há muita gente de fora aqui, quando trabalhava na antiga Varga, em um ônibus cheio de trabalhadores somente dois eram nascidos na cidade, é um povo bem misturado", lembra.
Já por volta das 21h, o vendedor de balas de calça cáqui e jaqueta preta passa e oferece seus doces, agora para Lossoli. O movimento ali continua o mesmo, só o semáforo não abre para tantas pessoas atravessarem, ali o número de pedestres diminuiu. Passageiros dos ônibus porém continuam chegando. O céu todo negro e sem estrelas é cortado ao longe por alguns clarões de raios e uma brisa úmida já bate na copa das árvores e no rosto de quem espera para voltar para casa.
Ainda não chove, mas as árvores perdem suas folhas e flores pequenas, formando uma garoa verde e que começam a forrar o chão. Durante o tempo que ficou ali, Lossoli viu pelo menos dois ônibus passarem. "Estou tranqüilo aqui, sem compromissos", diz sorridente. Quando volta a ficar sozinho o aposentado estica os braços para trás e apóia as mãos no gramado do jardim. Estica e cruza as pernas para frente e volta a observar a esquina de onde o próximo ônibus que aparecer irá levá-lo para a casa.
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