quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Dica mais que útil: caracteres para encontrar e substituir informações no Word

Esse post não é nem sobre Economia e nem sobre Jornalismo e Mídia, mas é MUITO útil!

Finalizando minha monografia da Economia tive vários problemas ao transformar tabelas enormes do Excel em textos do Word por conta do espaçamento e diversos errinhos que precisava corrigir. Ao pesquisar como solucionar esse problema no google achei várias dicas, mas a melhor delas foi do site da Microsoft mesmo.

Quando copiei a tabela do Excel para o word com 350 células, ao converter em texto fiquei com várias linhas em branco entre um texto e outro. Além disso, eu havia colocado numeração nas tabelas, mas resolvi tirar eles depois porque precisei cortar algumas informações e a numeração ficaria toda bagunçada.

Para o primeiro problema, o dos espaços, entrei em "Substituir" e mandei encontrar três linhas brancas usando "^l^l^l" e substitui por uma só "^l"


Para o segundo problema, foi o seguinte:


Com esse dois passos eu tirei as linhas em branco e as numerações que haviam antes de cada parágrafo! Mais prático que isso, impossível!

Espero que essa dica seja útil a mais alguém. Para tanto, segue o texto que copiei do site da Microsoft (link disponível aqui):

Observação: O caractere de interpolação (^) nas tabelas a seguir deve ser digitado. O circunflexo é criado, pressionando SHIFT + 6 na maioria dos teclados. (Não confunda esse caractere com a tecla CTRL.)

Somente na caixa "Localizar"

Os seguintes caracteres só podem ser usados na caixa Localizar . Outros caracteres que ser usado na caixa localizar o que estão listados na seção "Ambos 'Localizar' e 'Substituir por' caixas" deste artigo. 

CaractereCadeia de caracteres
^ 1 ou ^ gImagem (somente imagens embutidas)
^ 2 ^ f (rodapé), ou ^ e (nota)Referenciado automaticamente as notas de rodapé ou notas de fim
^ 5 ou ^ umMarca de anotação/comentário
^ 19 ou ^ dAbertura de campo (usar somente quando você está exibindo códigos de campo.) (Selecionar campo inteiro, não apenas a chave de abertura).
^ 21 ou ^ dFechamento de campo (usar somente quando você está exibindo códigos de campo.)(Selecionar campo inteiro, não apenas a chave de fechamento).
^?Qualquer caractere único
^#Qualquer dígito
^$Qualquer letra
^ u8195Pesquisa por valor caracteres Unicode em espaço
^ u8194Pesquisa por valor caracteres Unicode en espaço
^ bQuebra de seção
^ wEspaço em branco (espaço, o espaço não-separável, guia)
^ unnnnPesquisa de caractere Unicode do Word 2000, onde "n" é um número decimal que corresponde ao valor de caractere Unicode

Somente na caixa "Substituir"

Os seguintes caracteres só podem ser usados na caixa Substituir por . Outros caracteres que ser usada na caixa Substituir porlistados na seção "Ambos 'Localizar' e 'Substituir por' caixas" deste artigo. 

CaractereCadeia de caracteres
^ &Conteúdo da caixa "Localizar"
^ cSubstitua o conteúdo da área de transferência

"Localizar o que" e "Substituir" caixas

Os caracteres a seguir podem ser usados nas caixas Localizar e Substituir . Outros caracteres que ser usado nos Localizar caixa ou a caixa Substituir por listados na "'Localizar' caixa somente" e "' Substituir por' caixa somente" seções deste artigo. 

CaractereCadeia de caracteres
^ 9 ou ^ tGuia
^ 11 ou ^ lNova linha
^ 12Quebra de página ou seção (substitui uma quebra de seção com uma quebra de página)
^ 13 ou ^ pMarca de parágrafo/retorno de carro
^ 14 ou ^ nQuebra de coluna
?Ponto de interrogação
^-Hífen opcional
^~Hífen não separável
^^Caractere de circunflexo
^+Travessão
^=Traço
^ mQuebra de página manual
^ sEspaço não-separável
^ nnnOnde "n" é um número de caractere ASCII
^ 0nnnOnde "n" é um número de caracteres ANSI

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

Nem sempre os conselhos funcionam... BIRD e seus relatórios

Os dois textos abaixo são resenhas feitas para a disciplina de Desenvolvimento Econômico Contemporâneo do Instituto de Economia da Unicamp. A proposta em uma parte do curso foi comparar como o discurso de algumas instituições mudaram ao longo do tempo. Começo publicando dois textos que fiz com base nos Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Banco Mundial.

A comparação dos dois textos fica clara como nem todo conselho é o melhor quando não se considera que existe uma realidade além do "ceteris paribus" (expressão usada em economia para manter "tudo o mais constante"). Com isso quero tentar mostrar que, como concluímos em algumas aulas da disciplina mencionada acima, é preciso considerar muitos outros fatores além do estrito crescimento econômico. Um desses fatores é a realidade política e a integração de cada país na geopolítica internacional.

Essa questão do "conselho" fica clara quando os dois relatórios falam das privatizações. Em uma era amplamente recomendado tanto quanto aspirina. No segundo há o reconhecimento de que essa parte do receituário pode não ter sido um bom conselho como se acreditava.

Seguem as resenhas:

Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1991: o desafio do desenvolvimento. RJ: FGV; Banco Mundial, 1991. Visão geral.

Este relatório do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Banco Mundial, é o segundo de uma série de três que tratam da pobreza e do meio ambiente publicados entre 1990 e 1992. Também é o 14º documento do Banco Mundial e se compromete a dar uma “ampla visão geral da agenda desenvolvimentista” (BIRD: 1991 p. iii). No prefácio da publicação, o então presidente da instituição, Barber B. Conable diz que a década de 1990 se inicia com drásticas mudanças, se referindo a “ambiciosas reformas nos sistemas econômicos e políticos” (ibid.) Tendo em vista essa transição, Conable diz que o relatório busca fazer debates históricos que levaram os formuladores de políticas a tomarem suas decisões no passado.

Uma das lições mais valiosas refere-se à interação do Estado e do mercado no estímulo ao desenvolvimento. A experiência mostra haver mais probabilidade de êxito na promoção do desenvolvimento econômico e na redução da pobreza quando os governos complementam os mercados; conflitos entre uns e outros geram fracassos dramáticos. O Relatório descreve uma abordagem favorável aos mercados, cujo bom funcionamento é permitido pelos governos, que por sua vez concentram suas intervenções em áreas onde os mercados se mostram inadequados. (Ibid.)

Quatro aspectos principais do relacionamento entre governo e mercado são listados por Conable (In: BIRD: 1991) e discutidos ao longo do relatório:

Primeiro, o investimento na população requer atuação pública eficiente. Em geral, os mercados não são capazes, por si sós, de garantir que as pessoas, especialmente as mais pobres, disponham adequadamente de educação, atendimento médico, nutrição e acesso ao planejamento familiar. Segundo, é essencial ao êxito das empresas um contexto que lhes seja favorável – no qual se incluam concorrência, boa infra-estrutura e instituições. Concorrência estimula inovação, difusão de tecnologia e uso eficiente de recursos. Terceiro, para o desenvolvimento econômico ter sucesso, os países precisam estar integrados à economia global. A abertura aos intercâmbios internacionais de bens, serviços , capital, mão-de-obra, tecnologia e ideias estimula o crescimento econômico. Quarto, uma base macroeconômica estável é essencial ao progresso sustentado. Restaurar a confiança do setor privado é hoje um grande desafio para vários países com um longo histórico de instabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. iii) (grifos nossos)

A perspectiva para um desenvolvimento rápido nos primeiros anos da década de 1990 se fundamentava em um cenário internacional favorável a todas as economias. Como explica Conable (In: BIRD: 1991), as políticas desenvolvimentistas de países desenvolvidos se beneficia amplamente com a abertura de países em desenvolvimento tornando o mundo “cada vez mais interdependente” (p. iii). Contudo,

(...) o Relatório acentua, principalmente, que o futuro dos países em desenvolvimento a eles próprios compete. Está nas políticas e instituições nacionais a possibilidade de um desenvolvimento bem-sucedido. Se houver reformas firmes e sustentadas no nível nacional, conclui o Relatório, o ritmo do desenvolvimento pode ser bem mais acelerado – e no fim da década milhões de pessoas não viverão em condições de pobreza. (BIRD: 1991, p. iii)

Nas “Definições e notas sobre os dados” o relatório faz algumas observações sobre as classificações adotadas aos grupos de países:

·         Economias de baixa renda são aquelas com PNB per capta igual ou inferior a US$580 em 1989.
·         Economias de renda média são aquelas com PNB per capta superior a U$580, mas inferior a US$6,000 em 1989. Este grupo divide-se ainda em economias de renda média baixa e economias de renda média alta, a um PNB per capta de US$2,335 em 1989.
·         Economias de alta renda são aquelas com PNB per capta igual ou superior a US$6,00 em 1989. (BIRD: 1991, p. x)

Os dois primeiros grupos são considerados as “economias em desenvolvimento”. Contudo, o relatório ressalta que “a classificação por renda não reflete necessariamente o nível de desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. x). Além destas classificações o relatório também trabalha com grupos analíticos. São eles: Exportadores de petróleo (como Argélia, Angola, Catar, Iraque, Nigéria, entre outros); membros da Organização Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e o terceiro grupo são os

Países de renda média muito endividados (abreviado para “muito endividados” anos Indicadores do Desenvolvimento Mundial) são os 20 países que tiveram sérias dificuldades com o serviço da dívida. São países em que três dos quatro coeficientes-chave estão acima de níveis críticos: dívida/PNB (50%), dívida/exportações de bem e serviços (275%), serviço acumulado da dívida/exportações (30%) e juros acumulados/exportações (20%). (BIRD: 1991, p. xi)

É neste grupo no qual o Brasil pertencia naquele momento junto da Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Uruguai, Venezuela e outros países africanos, europeus e asiáticos. Ou seja, dos mais de 100 países que entraram nas análises do relatório do BIRD, quase todos os países latino-americanos e poucos países dos demais continentes estão neste grupo.
A “Visão geral” do relatório aponta que mais de 1 bilhão de pessoas ainda não vivia com a renda diária de um dólar naquela época. Embora alguns países já haviam melhorados seus indicadores, a pobreza continuava a ser o problema. Contudo, o desenvolvimento é acreditado pelo relatório uma vez que “mais de 95% do aumento do contingente mundial de mão-de-obra nos próximos 25 anos ocorrerão no mundo em desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. 1).
Experiências anteriores são a base para compreender o desenvolvimento econômico. Além disso,  a equipe do relatório afirma que

(...) a história nos mostra que as políticas econômicas e as instituições são de importância crucial – o que é animador, pois implica que os países que não prosperaram podem vir a ter melhor desempenho. Mas é também um desafio, pois obriga os governos de todo o mundo (e não somente dos países em desenvolvimento), bem como as agências multilaterais, a levarem em conta os fatores que têm promovido o desenvolvimento e coloca-los em ação. (BIRD: 1991, p. 1)

Neste trecho já fica evidente a importância que o Banco Mundial dá para as instituições além da ênfase para a necessidade de outras economias compartilharem de experiências de sucesso na história.
Estado x laissez-faire
Mercados competitivos garantem organização da produção e a distribuição de bens e serviços. Além disso, a competitividade incentiva o espírito empresarial e o progresso tecnológico. Contudo, o relatório afirma que mercados devem coexistir com o Estado. “E, em muitas outras tarefas, os mercados às vezes resultam inadequados ou fracassem completamente. É por isso que os governos devem, por exemplo, investir em infra-estrutura e oferecer serviços essenciais à população pobre” (BIRD: 1991, p. 1).

Quando os mercados podem funcionar bem e têm a liberdade de fazê-lo, o progresso econômico tende a ser substancial. Quando os mercados fracassam e os governos intervêm cautelosa e judiciosamente, ocorre um progresso adicional. Mas quando os dois se unem, os fatos indicam que o todo é mais que a soma das partes. Quando o estado e o mercado funcionam de mãos dadas, os resultados têm sido espetaculares; mas, quando trabalham em oposição, os resultados têm sido desastrosos. (BIRD: 1991, p. 2)

A economia mundial em transição

Nas décadas anteriores a 1990, o progresso tecnológico melhorou o padrão de vida em alguns países como a China e outros países asiáticos. Além disso, a mortalidade infantil diminuiu e a expectativa de vida aumentou graças a tecnologia média, saneamento ambiental, melhor alimentação e educação neste período. No entanto, o desenvolvimento necessita de paz. Como ressalta o relatório: “a causa mais importante da fome em países em desenvolvimento em anos recentes foi, sem dúvida, o conflito militar, e não a pobreza ou insuficiência de produção agrícola” (BIRD: 1991, p. 3).
Quanto ao comércio mundial, o BIRD afirma que ele cresceu a uma taxa de 6% ao ano de 1950 até aquele momento. Este crescimento foi 50% mais rápido que o da produção. Por conta destes números o relatório aponta a necessidade de um aumento geral da integração econômica entre os países.
As projeções do banco Mundial para os anos 1990 era de um crescimento na renda per capta de cerca de 2,5% ao ano nos países industrializados, contando com um cenário sem grandes choques externos adversos e se as políticas adotadas forem boas. Para que isso seja possível seria necessário uma inflação entre 3% e 4% e taxas reais de juros de cerca de 3%. Caso a expansão do comércio mundial ultrapassar 5% o crescimento da renda per capta pode ser de 3%. Quanto aos países em desenvolvimento, se forem adotadas “reformas mais vigorosas e abrangentes, a renda (...) pode, a longo prazo, aumentar em outros 1,5-2 pontos percentuais – em média, cerca do dobro do aumento provocado por melhores condições internas” (BIRD: 1991, p. 3).

Os caminhos do desenvolvimento
Desenvolvimento é melhorar a qualidade de vida. “Abrange, como fins em si mesmos, a melhoria da educação, padrões mais elevados de saúde e nutrição, menos pobreza, um meio ambiente mais limpo, maior igualdade de oportunidades, maior liberdade individual e uma vida cultural mais rica” (BIRD: 1991, p. 4).
O relatório também cita as estratégias adotadas nas décadas anteriores como substituição de importações e a tributação da agricultura para financiar o investimento industrial. Contudo, o Banco Mundial faz uma ressalva sobre este assunto:

Essas ideias não resistiram à prova do tempo. Hoje, há indícios mais claros, tanto em países industrializados quanto em países em desenvolvimento, de que é melhor não se pedir aos governos que dirijam o desenvolvimento. Quase sempre, os impostor discriminatórios contra a agricultura constituem impostos sobre o crescimento econômico. O isolamento econômico por trás de barreiras comerciais tem-se mostrado oneroso. Retardar a concorrência ou interferir nos preços, deliberada ou acidentalmente, é quase sempre contraproducente. (BIRD: 1991, p. 4)

Embora desacredite a capacidade de os Estados de conduzirem o desenvolvimento, o relatório aponta algumas atribuições aos Estados que constituem o cerne do desenvolvimento. São elas: definir e proteger os direitos de propriedade; oferecer sistemas jurídicos, judiciais e normativos eficazes; aumentar a eficiência dos serviços públicos; e proteger o meio ambiente.
O aumento na produção é, de acordo com o relatório, a soma de aumento de capital e mão-de-obra e das variações da produtividade destes dois insumos. Nos países em desenvolvimento essa variação foi muito lenta ao longo do tempo. Sendo assim, o Banco Mundial atribui ao aumento da produtividade, considerado como o motor do desenvolvimento, a diferença entre os crescimentos da produção nos diferentes países analisados. A produtividade, por sua vez está em função do progresso tecnológico que é influenciado pela “história, educação, instituições e políticas de abertura nos países em desenvolvimento e industrializados” (BIRD: 1991, p. 5). Além disso, a tecnologia é difundida pela investimento no capital físico e humano através do comércio. Sendo assim, um ambiente favorável a estes investimentos é necessário para o progresso e o relatório aponta que economias com sistemas de preços não-distorcidos é, em geral, mais propícia ao desenvolvimento.
Intervenções menores no mercado também é um ponto tratado pelo relatório. O documento analisa três pontos relacionado às economias que adotaram mais intervenção na década de 1980, como a China, Índia e Coreia: intervenções disciplinadas pela concorrência externa e interna; intervenções que não distorcessem indevidamente os preços relativos; intervenção mais moderada que em outros países em desenvolvimento. Além dos pontos embasados na experiência dos países citados, o relatório também cita outros três pontos com base na experiência de outros países e na teoria econômica:
1.      Intervir relutantemente: deixar que os mercados funcionem por si mesmos. “(...) geralmente é um erro o Estado engajar-se na produção física ou proteger a produção interna de um bem que pode ser importado a preço mais baixo e cuja produção local traz poucos benefícios secundários” (BIRD: 1991. p. 6);
2.      Aplicar controles e contramedidas: colocar a intervenção em função da disciplina dos mercados interno e internacional;
3.      Intervir abertamente: tornar a intervenção simples e transparente, além de sujeita a normas.

Elementos de uma abordagem favorável ao mercado
Dissipar as dúvidas quanto a inflação e educação como fundamento para disseminação e adoção de novas tecnologias são dois pontos que são promovidos pelas quatro áreas essenciais, aos olhos do Banco Mundial:
Desenvolvimento humano: este tópico engloba não só a educação e a renda da população como também o aumento populacional. Estes três pontos são inversamente proporcionais, ou seja, crescimento na educação e na renda faz declinar o aumento da população. Nesta seara o relatório aponta como alternativas: investimento maior na educação básica, no sistema de saúde básica e maior cuidado para que os programas públicos atinjam seus objetivos.
Economia interna: garantia de leis que protejam a propriedade, bens públicos de qualidade, investimentos em infra-estrutura, não impor restrições para abertura e fechamento de firmas, entre outras medidas que garantam, em essência, a liberdade do mercado são pontos a serem trabalhados pelas economias.
Economia internacional: “sempre que os fluxos internacionais de bens, serviços, capital, mão-de-obra e tecnologia aumentaram rapidamente, o ritmo do progresso econômico também foi rápido” (BIRD: 1991, p. 9). Abertura comercial implica em novas possibilidades de acesso a tecnologias. Esse fluxo de tecnologia se dá tanto por educação no exterior, investimento externo, assistência técnica, entre outros. Para tanto o Banco Mundial aponta necessária a redução das barreiras não-tarifárias. “Os governos dos países industrializados têm a responsabilidade – senão em relação ao mundo em desenvolvimento, pelo menos em relação a seus próprios povos – de permitir que os exportadores dos países em desenvolvimento tenham acesso aos seus mercados” (BIRD: 1991, p. 9)
Política macroeconômica: no tocante a este ponto o relatório discrimina gastos demasiados no Estado em função de um cenário macroeconômico mais favorável ao mercado. Gastos públicos geram dívidas interna e externa e empréstimos. Neste sentido, a confiança dos empresários deve ser conquistada a fim de garantir investimentos no país.

O governo pode manter uma política fiscal prudente se examinar cuidadosamente a divisão de tarefas entre o Estado e o setor privado. Isso, como afirma o Relatório, é desejável em qualquer caso. Reavaliando suas prioridades de gastos, implementando reformas fiscais, reformando o setor financeiro, privatizando as empresas estatais e lançando mão de tarifas para reaver o custo de certos serviços prestados pelo Estado, os governos podem alcançar, ao mesmo tempo, os objetivos de eficiência microeconômica e estabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. 10)


Reconsiderando o Estado
A importância de atenção às políticas ambientais e também a não-discricionariedade do governo na economia são apontados pelo relatório como responsabilidades numa revisão do papel do Estado.

Entre os enfoques do desenvolvimento, aquele que parece mais confiável e promissor sugere uma reavaliação dos respectivos papéis do mercado e do estado. Em poucas palavras, os governos precisam fazer menos naquelas áreas em que os mercados funcionam ou podem funcionar razoavelmente bem. Em muitos países, seria útil privatizar grande número de empresas estatais. Os governos devem permitir o florescimento da concorrência interna e internacional. Ao mesmo tempo, devem fazer mais naquelas áreas nas quais não se pode depender apenas dos mercados. Isso significa, acima de tudo, investir em educação, saúde, nutrição, planejamento familiar e alívio da pobreza; construir uma infra-estrutura social, física, administrativa, normativa e jurídica de melhor qualidade; mobilizar os recursos para financiar as despesas públicas; e estabelecer uma base macroeconômica estável, sem a qual pouco se consegue realizar. (BIRD: 1991, p. 10)

Referente à discricionariedade do Estado, o relatório aborda a diferença entre a economias em sistemas políticos democráticos e autoritários. Além disso, o documento aborda um “círculo vicioso de intervenções nocivas que favorecem interesses particulares e levam à busca de lucros financeiros e à ‘captura’ do Estado” (BIRD: 1991, p. 11).

A reforma deve visar as instituições. O estabelecimento de um sistema jurídico e judiciário eficaz e um firme sistema de direitos de propriedade é um complemento essencial às reformas econômicas. A reforma do setor público é uma prioridade em muitos países – inclusive a reforma do serviço público, a racionalização dos gastos governamentais, a reforma de empresas estatais e a privatização. Entre outras reformas econômicas correlatas estão um melhor fornecimento de bens públicos, supervisão bancária e normas jurídicas para o desenvolvimento financeiro. O reforço dessas instituições melhora a qualidade do governo, torna o Estado mais capaz de implementar a política do desenvolvimento e permite à sociedade estabelecer controles e contramedidas. (BIRD: 1991, p. 11).

O relatório afirma que a adoção das medidas propostas ali, se adotadas, contribuiria para uma melhor distribuição de renda a favor dos mais pobres. Aos países em desenvolvimento, é indicado uma reforma tributária para tornar o sistema progressivo, reforma agrária na China, Japão e República da Coreia.

Prioridades de ação
Os países industrializados devem: eliminar as restrições comerciais e reformar a política macroeconômica.
Em conjunto, países industrializados e as agências multilaterais devem: aumentar a ajuda financeira, apoiar reformar econômicas e estimular o crescimento sustentável.

Já aos países em desenvolvimento: investir nos recursos humanos, melhorar o clima para o empreendimento, abrir as economias ao comércio e ao investimento internacionais e corrigir a política macroeconômica.




Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006. Washington, DC: Banco Mundial, 2006. Visão geral.

O Relatório para o Desenvolvimento Humano de 2006, de forma geral, foca na equidade e as formas como os governos devem atuar para alcança-la de maneira plena. A definição do relatório para equidade é ter oportunidades iguais para as pessoas conseguirem a vida que buscam e serem poupadas da extrema privação dos resultados.
Para ilustrar de forma mais clara o conceito, o relatório lança mão de uma narrativa comparando duas crianças nascidas na África do Sul: uma negra de família pobre e outra branca, rica. O recurso estilístico do texto, embora usado apenas no começo do documento de forma narrativa, percorre todo o discurso do BIRD ao fazer inúmeras comparações e ilustrações das condições de desenvolvimento de pessoas por todo o mundo. Exemplo disso é o acesso à educação e saúde na África e no sul da Ásia, ou as diferenças de acesso aos serviços básicos baseados no sexo e nas castas, respectivamente na China e na Índia. Esses diferentes casos mostra quantas dimensões podem ter as inequidades nos e entre os países.
Outro conceito que se liga à equidade é o das “armadilhas da desigualdade”. Estes fenômenos são definidos como “efeitos adversos de oportunidades e forças políticas desiguais sobre o desenvolvimento são os mais prejudiciais, pois as desigualdades econômicas, políticas e sociais tendem a reproduzir-se ao longo do tempo e de geração a geração” (BIRD: 2006, p. 2).
Estas armadilhas são também abordadas ao longo de todo o documento, principalmente a parte da transmissão das condições e oportunidades de geração para geração. Por exemplo, neste trecho:

Infelizmente, as circunstâncias predeterminadas (e, portanto, moralmente irrelevantes) definem muito mais do que apenas os rendimentos futuros. Educação e saúde têm valor intrínseco e afetam a capacidade dos indivíduos de se integrarem à vida econômica, social e política. Mas as crianças defrontam-se com oportunidades substancialmente diferentes para aprender e ter vida saudável em quase todas as populações, dependendo de suas condições financeiras, localização geográfica ou educação dos pais, entre outros fatores. (BIRD: 2006, p. 4)

Buscar a equidade é também buscar a prosperidade, ou seja, estes objetivos são complementares. Além disso, o relatório aponta dois grandes grupos de motivos que são as causas dessa complementaridade: um se refere às muitas falhas de mercado nos países em desenvolvimento, principalmente nos mercados de crédito, seguro, terra e capital humano. “Quando os mercados são incompletos ou imperfeitos, a distribuição de riqueza e de poder afeta a alocação de oportunidades de investimento” (BIRD: 2006, p. 2). Sendo assim, corrigir essas falhas deve ser um dos objetivo para melhor equidade.
Outro grupo de motivos que gera equidade com prosperidade é o fato de instituições econômicas e organizações sociais serem construídas para privilegiar certos interesses específicos de grupos isolados.

A distribuição de riqueza está diretamente relacionada com as diferenças sociais que estratificam as pessoas, comunidades e nações nos grupos que dominam e os que são dominados. Esses padrões de dominação persistem, porque as diferenças econômicas e sociais são reforçadas pelo uso manifesto e sutil do poder. As elites protegem seus interesses de formas sutis, por meio de práticas excludentes em sistemas de casamento e parentesco, por exemplo, e de formas menos veladas, tais como a manipulação política agressiva ou o uso explícito da violência. (BIRD: 2006, p. 2).

O relatório faz também três considerações iniciais importantes para o desenvolvimento do resto do documento:
1)      Nem sempre equidade pode ser medida pela distribuição de renda. Mesmo com processos mais justos, espera-se ainda diferenças que provém de diferentes talentos, preferências, esforço e sorte;
2)      O foco das políticas deve ser a distribuição de ativos, oportunidades econômicas e expressão política e não na desigualdade de rendimentos;
3)      O cálculo do mérito das políticas adotadas para aumentar a equidade e seus efeitos no longo prazo nem sempre é levado em conta ou são difíceis de calcular.
Outro questionamento levantado pelo relatório se refere à importância da equidade para o crescimento. Uma primeira resposta a isso percorre o caminho das inequidades dentro dos mercados e o comando destes e dos governos por grupos pequenos, deixando à margem grande parcela da população. Mercados imperfeitos, por exemplo, geram desigualdades de riqueza e poder e por conseguinte oportunidades desiguais e alocação ineficiente dos recursos. Este tema é trabalhado no documento pelo ponto de vista tanto do mercado financeiro, quanto o de terras e capital humano. O pleno funcionamento de forma transparente e justa não geraria rendas diferenciadas e diferentes oportunidades.
Outro ponto que o relatório do BIRD volta a mencionar, assim como o de 1991 é a importância das instituições. As instituições são construções históricas, políticas e sociais. Dessa forma, imperfeições de mercado são reflexos de distribuições inequitativas de poder.

As boas instituições econômicas são equitaveis de uma maneira fundamental: para prosperar, uma sociedade deve criar incentivos para que a vasta maioria da população invista e inove. Mas tal grupo de instituições econômicas só pode surgir quando a distribuição de poder não for extremamente desigual e em situações nas quais existam restrições ao exercício de poder por parte de funcionários do governo.  (BIRD: 2006, p. 9)

Outro ponto em que as instituições é ressaltada é quando o relatório afirma que políticas que a equidade aprimora as políticas de redução da pobreza:

Afirmamos que uma lente de equidade aprimora a agenda de redução da pobreza. As pessoas de baixa renda geralmente têm menos expressão, menor renda e menos acesso a serviços do que a maioria das outras pessoas. Quando as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente, por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais flexível à medida que a maior equidade produzir melhores instituições, gestão mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas de baixa renda. Os consequentes aumentos das taxas de crescimento econômico nos países pobres, por sua vez, contribuirão para a redução das desigualdades mundiais. (BIRD: 2006, p. 10)

Essa visão de equidade acrescenta três perspectivas à formulação de políticas de desenvolvimento:
1)      As políticas de diminuição da pobreza podem envolver redistribuições de influência, vantagem ou subsídios fora dos grupos dominantes;
2)      As compensações das políticas devem ser levadas em conta. Caso altos impostos para melhorar a educação atinjam seu objetivo no futuro, esse benefício não deve ser ignorado na elaboração da política;
3)      “Em terceiro lugar, é falsa a dicotomia entre políticas para o crescimento e políticas voltadas especificamente para a equidade. A distribuição de oportunidades e o processo de crescimento são determinados em conjunto. As políticas que afetam um, afetarão o outro” (BIRD: 2006, p. 11).

A partir destas considerações, a Visão Geral do relatório resume os quatro pontos principais para a ação pública e a formação de política.

A. Capacidades Humanas
1) Desenvolvimento na primeira infância: a visão essencial aqui é reduzir a armadilha da desigualdade, ou seja, fazer com que as condições do nascimento não sejam fatores decisivos no desenvolvimento cognitivo da criança. Desta forma as políticas devem atuar para garantir esse desenvolvimento de forma que a equidade seja garantida desde cedo;
2) Escolaridade: garantia de pelo menos um nível básico a todas as crianças de forma igual;
3) Saúde: este ponto engloba não só tratamento médico, como imunização, mas também saneamento básico e água potável.
4) Gestão de risco: garantia de que choques e crises econômicas não atinjam as classes mais pobres de maneira tão drástica como usualmente ocorre;
5) Impostos para equidade: “Como os impostos impõem perdas de eficiência, alterando as escolhas individuais entre trabalho e lazer, consumo e poupança, a maioria dos países em desenvolvimento tem possibilidade de ser mais bem servido evitando elevados impostos marginais sobre a renda e fundamentando-se em uma base mais ampla, especialmente para impostos sobre o consumo” (BIRD: 2006, p. 13);

B. Justiça, terra e infraestrutura
1) Criação de sistemas de justiça equitativos: “As instituições legais podem sustentar os direitos políticos dos cidadãos e restringir o aprisionamento do Estado pela elite” (BIRD: 2006, p. 14 );
2) Para uma maior equidade no acesso à terra: essa equidade não precisa necessariamente passar pela questão da propriedade, segundo o relatório, mas sim por políticas agrícolas e maior segurança de posse aos grupos de menor renda;
3) Fornecimento equitativo de infraestrutura:

Embora o setor público continue a ser, em muitos casos, a principal fonte de fundos de investimento em infraestrutura destinados a ampliar as oportunidades dos menos favorecidos, a eficiência do setor privado também pode ser aproveitada. Embora as privatizações de empresas de serviços públicos costumem ser atacadas por seus efeitos desiguais, a evidência indica uma realidade mais complexa. As privatizações na América Latina geralmente resultaram em acesso a serviços, especialmente em eletricidade e telecomunicações. Em outros casos, contudo, no período pós-privatização os preços aumentam mais do que os ganhos em qualidade e cobertura, levando ao descontentamento geral da população.
As privatizações são, portanto, um caso clássico de política que pode ou não dar certo, dependendo do contexto local. Se o sistema público for altamente corrupto ou ineficaz e estiver prevista uma capacidade normativa adequada na pós-privatização, a privatização pode ser considerada um bom recurso. Em outros casos, há privatizações mal programadas que transferem ativos públicos a preços excessivamente baixos para mãos privadas. (BIRD: 2006, p. 15)

C. Os mercados e a macroeconomia
1) Mercados financeiros: a questão perpassa o maior acesso de firmas que geralmente não têm acesso ao mercado financeiro e a empréstimos;
2) Mercados globais: aplicação universal das leis do trabalho e segurança para os trabalhadores como seguro desemprego e proteção/incentivo de minorias como mulheres e jovens inexperientes;
3) Mercado de produtos:

Geralmente há também fortes interações com qualificações no mercado de trabalho. Em muitos países, a abertura ao comércio (geralmente coincidindo com a abertura ao investimento estrangeiro direto) tem sido associada a um aumento da desigualdade salarial nas duas últimas décadas. Isso ocorre especialmente nos países de renda média, notavelmente na América Latina. A abertura ao comércio geralmente incentiva o prêmio por aptidões à medida que as firmas modernizam seus processos de produção (mudança técnica com base em aptidões, no jargão dos economistas). Isso pode ser prejudicial para a equidade se o contexto institucional restringir a capacidade dos trabalhadores de mudarem para um novo trabalho – ou limitar o acesso da população à educação. (BIRD: 2006, p. 17)

4) Estabilidade macroeconômica: o relatório defende que á relação entre instituições injustas e crises macroeconômicas que, geralmente, acabam por penalizar as classes com menor renda. Os governos devem, portanto, criar políticas fiscais anticíclicas e criar redes de segurança antes de crises;

D. A arena global
O documento reconhece que há inequidades no mercado mundial. Contudo, propõe algumas medidas que visem melhorar este cenário como: migrações para países membros da OCDE; aumentar substancialmente a liberalização comercial; permitir que os países pobres usem medicamentos genéricos; e desenvolver normas financeiras mais apropriadas aos países em desenvolvimento.

A conclusão desta visão geral do relatório traz a ideia de que equidade, além de gerar melhores oportunidades, também atrai investimentos

Ao assegurar que instituições reforcem direitos pessoais, políticos e de propriedade para todos, incluindo os atualmente excluídos, os países poderão contar com um número maior de investidores e inovadores e ser muito mais eficazes na prestação de serviços para todos os cidadãos. Uma maior equidade pode, no longo prazo, sustentar um crescimento mais rápido. Esse crescimento pode ser incentivado por uma maior imparcialidade na arena global, pelo menos por meio das promessas feitas na reunião da comunidade internacional realizada em Monterrey. O crescimento rápido e o desenvolvimento humano nos países mais pobres são fundamentais para a redução da desigualdade global e para o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio. (BIRD: 2006, p. 19)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Desigualdade de renda, condições e vida. Alguns trechos do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2006 do Banco Mundial

Certa vez, num grupo de economia no Facebook, entre em uma discussão sobre os benefícios do livre mercado e a não intervenção do governo. A maior parte daqueles que estavam discutindo, acho que posso dizer, eram conservadores ou liberais. A conversa foi feita em um post sobre a transformação da Argentina em uma economia socialista (por conta de regulações colocadas por Christina Kirchner às empresas nacionais).

Em certo ponto da discussão surgiu o tema da liberdade de escolha e as oportunidades iguais a todos. Este assunto veio à tona principalmente depois que comentamos sobre as propostas da candidata à presidência Luciana Genro ter como projeto a taxação de grandes riquezas no Brasil. Como estava no meio de vários liberais, a proposta foi vista como ruim e alguns dos economistas que lá debatiam não viam lógica em distribuir renda mesmo que o dono de uma grande riqueza fosse alguém que, embora pobre, tivesse uma grande ideia e enriquecesse com base em seu esforço. Meritocracia pura.

Dada essa primeira historinha, vou colocar abaixo uma outra que li no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2006 do Banco Mundial. Confesso que fiquei surpreso de ler uma narrativa tão instigante num documento de uma das instituições máximas da economia mundial, acho que posso definir assim.  Segue, portanto, o texto (a imagem é meramente ilustrativa e não faz parte do relatório):



Imaginemos duas crianças sul-africanas nascidas no mesmo dia do ano de 2000. Nthabiseng é negra, filha de família pobre da zona rural da província de Eastern Cape, a cerca de 700 quilômetros da Cidade do Cabo. Sua mãe não recebeu educação formal. Pieter é branco, filho de família próspera da Cidade do Cabo. Sua mãe completou o terceiro grau na respeitada Stellenbosch University, próxima de casa.

No dia de seu nascimento, Nthabiseng e Pieter não podiam, a rigor, ser responsabilizados pelas condições de suas famílias: suas etnias, nível de renda e de educação de seus pais, sua localização urbana ou rural ou até mesmo seu sexo. Mas as estatísticas sugerem que essas variáveis históricas pré-determinadas farão grande diferença em sua vida. Nthabiseng tem 7,2% de possibilidade de morrer no primeiro ano de vida, mais do dobro dos 3% de Pieter. Pieter pode esperar viver até os 68 anos. Nthabiseng, até os 50. Pieter pode esperar completar 12 anos de educação formal. Nthabiseng, menos de 1 ano. Nthabiseng provavelmente será significativamente mais pobre do que Pieter durante toda a vida. Quando crescer, ela provavelmente terá menos acesso à água limpa e saneamento ou a boas escolas. Portanto as oportunidades com que essas duas crianças se deparam para alcançar todo o seu potencial humano são extremamente diferentes desde o início, sem que elas próprias tenham culpa disto.

Essas disparidades de oportunidades refletem-se em diferentes capacidades de contribuir para o desenvolvimento da África do Sul. Talvez as condições de saúde de Nthabiseng ao nascer fossem piores, devido à pior nutrição de sua mãe durante a gravidez. Devido à socialização de seus gêneros, localização geográfica e acesso a escolas, Pieter tem muito mais possibilidade de adquirir uma educação que o permita utilizar integralmente seus talentos naturais. Mesmo que aos 25 anos, e apesar das dificuldades, Nthabiseng consiga ter uma excelente idéia acerca de negócios (como uma inovação para aumentar a produção agrícola), ela terá muito mais dificuldade em convencer um banco a emprestar-lhe dinheiro a uma taxa de juros razoável. Se Pieter tiver uma idéia igualmente interessante (como o projeto de uma versão avançada de um software promissor) terá mais facilidade em obter crédito tendo tanto um diploma universitário, quanto muito provavelmente algum colateral. Com a transição para a democracia na África do Sul, Nthabiseng pode votar e, dessa forma, indiretamente moldar a política de seu governo, algo que era negado aos negros durante o apartheid. Mas o legado da desigualdade de oportunidades e da força política do apartheid ainda permanecerão por alguns anos. Há um longo caminho a percorrer entre essa (fundamental) mudança política e as mudanças de condições econômicas e sociais.

Por mais surpreendentes que sejam as diferenças de oportunidades durante a vida entre Pieter e Nthabiseng na África do Sul, elas são minimizadas pelas disparidades entre os sul-africanos médios e os cidadãos de países mais desenvolvidos. Consideremos as chances de Sven – nascido no mesmo dia em uma família típica da Suécia. Sua possibilidade de morrer no primeiro ano de vida é muito pequena (0,3%) e ele pode esperar viver até os 80 anos, 12 anos mais do que Pieter e 30 mais que Nthabiseng. Ele provavelmente completará 11,4 anos de educação – 5 anos mais do que o sul-africano médio. Essas diferenças de tempo de escolaridade são agravadas pelas diferenças de qualidade: na oitava série, Sven terá expectativa de marcar 500 pontos em um teste comparativo internacional em matemática, enquanto o estudante sul-africano médio obterá uma pontuação de apenas 264 – mais de dois desvios padrão abaixo da média da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD). Nthabiseng muito provavelmente nunca chegará à oitava série e, portanto, não fará o teste. Essas diferenças de oportunidades de vida entre nacionalidades, etnias, gêneros e grupos sociais chocarão muitos leitores como fundamentalmente injustas. Elas podem também levar à perda de potencial humano e, portanto, à perda de oportunidades de desenvolvimento. É por isso que o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006 analisa a relação entre eqüidade e desenvolvimento.


Como encontrei mais algumas citações interessantes no mesmo documento, resolvi coloca-las logo abaixo. Os números em parênteses correspondem à página de onde copiei o trecho. Os grifos em negrito foram feitos por mim.


A quantificação direta da desigualdade de oportunidades é difícil, mas uma análise do Brasil serve de exemplo. A desigualdade de renda em 1996 foi dividida no seguinte: uma parcela atribuída a quatro circunstâncias predeterminadas que fogem ao controle das pessoas – etnia, região de nascimento, nível de escolaridade dos pais e ocupação dos pais no nascimento – e uma parcela residual. Essas quatro circunstâncias são responsáveis por cerca de um quarto de todas as diferenças de renda entre os trabalhadores. Pode-se argumentar que outros determinantes das oportunidades também são predeterminados ao nascimento, mas não foram incluídos neste conjunto – por exemplo, gênero, condição financeira da família ou a qualidade da educação básica. Como essas variáveis não estão incluídas na “decomposição” da desigualdade, esses resultados podem ser considerados como estimativas de um limite inferior da desigualdade de oportunidade no Brasil. (p. 4)

Infelizmente, as circunstâncias predeterminadas (e, portanto, moralmente irrelevantes) definem muito mais do que apenas os rendimentos futuros. Educação e saúde têm valor intrínseco e afetam a capacidade dos indivíduos de se integrarem à vida econômica, social e política. Mas as crianças defrontam-se com oportunidades substancialmente diferentes para aprender e ter vida saudável em quase todas as populações, dependendo de suas condições financeiras, localização geográfica ou educação dos pais, entre outros fatores. (p. 4-5)

Significativas diferenças de gênero também persistem em muitas regiões do mundo. Em partes do Leste e Sul da Ásia, especialmente em áreas rurais da China e noroeste da Índia, a oportunidade de simplesmente viver pode depender de uma única característica predeterminada: sexo. Essas regiões têm um número consideravelmente maior de meninos do que meninas devido, em parte, ao aborto seletivo e à diferença de cuidados após o nascimento. E em muitas (nem todas) partes do mundo, mais meninos do que meninas frequentam a escola. (p. 5)

Um cidadão comum nascido entre 1975 e 1979 na África subsaariana tem apenas 5,4 anos de escolaridade. No Sul da Ásia, esse número sobe para 6,3 anos; nos países da OEDC é de 13,4 anos. (p. 6)

A média dos gastos anuais com consumo varia desde US$279 em Paridade do Poder de Compra (PPP) na Nigéria até US$17,232 em PPP em Luxemburgo. Isso significa que o cidadão médio em Luxemburgo dispõe de recursos monetários 62 vezes superior do que o nigeriano médio. (p. 6-7)

A surpreendente evidência do impacto da criação de estereótipos no desempenho vem de um recente experimento na Índia. Pediu-se a crianças de diferentes castas que fizessem exercícios simples, tais como resolver labirintos, com incentivos em dinheiro condicionados ao desempenho. O resultado mais importante do experimento é que as crianças de castas inferiores têm desempenho igual às das castas superiores quando sua casta não é anunciada publicamente pelo condutor do experimento, mas desempenho significativamente inferior quando a casta é divulgada. (p. 9)

 Fonte: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006. Washington, DC: Banco Mundial, 2006. Visão geral. 


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Wake Up Call: End the Nightmare of Consumption

Fonte: Films for Action







Hidden beneath sleek, space-age screens and shining metal, the true cost of our gadgets lurks unseen… Have you ever felt like we're living through a nightmare of consumption? That you wish you could un-hook yourself and reconnect with a life that is somehow more real and vivid? Then perhaps you're ready to heed Earth's Wake Up Call.

Today we live in a time when there is little to no understanding of how the goods we consume and take for granted came into being. Without this we lack the knowledge to understand the true costs of our consumption, and the power to take action. As a result we have become disconnected from Earth - the origin of our health, wealth and all of the 'things' we depend on.

Wake Up Call takes us on a fast-paced, animated glimpse of the true costs behind some of our most prized possessions - our electronic gadgets. Joining the dots between the stages of extraction, production, consumption and disposal, it reveals that, although our gadgets appear sleek and shiny, their appearance is misleading.
This new short film for the Gaia Foundation was made by Steve Cutts, the animator who produced this great film.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Qual a diferença entre a esmola e a manipulação?





Este vídeo é belíssimo sobre a questão da divisão do Brasil para separar os estados do Nordeste e os do Sul e Sudeste. Este tema ridículo está muito em voga depois das eleições de 2014 com a reeleição da Dilma Roussef (PT). Compartilho o vídeo e o comentário que deixei nele aqui.



Comentário:



Admitamos que os beneficiados com o Bolsa Família sejam mesmo vagabundos, reprodutores e sem capacidade nenhuma para discernir uma política de compra de votos da situação econômica do Brasil. Eles só votam porque recebem esmola e estão com a barriga cheia. Certo? Vamos partir então dessa crítica que foi tão veiculada por parte da população descontente com o governo PT para analisar o outro lado.



De um lado esse povo vota de barriga cheia e do outro? Votam os conscientes, os inteligentes, aqueles que planejam sua família e só fazem dois filhos na vida. Estes são mesmo os inteligentes? Será? Na minha visão não. Se partirmos do pressuposto no parágrafo anterior temos que admitir os defeitos do outro lado também, certo? Afinal, sejamos justos, somos inteligentes aqui. Afinal, quem é o outro lado e como ele vota?



Esse outro lado, além de disseminar um preconceito fora de moda, são tão burros quanto aqueles que votam de barriga cheia. Por que burros? Por que votam com base naquilo que veem na televisão, leem no jornal ou na gloriosa revista Veja. São burros porque não têm a inteligencia suficiente para ler mais de uma fonte de informação e não são capazes de pensar fora da caixinha. Esse povo é tão burro que não consegue identificar, nas entrelinhas ou nas manchetes, a posição ideológica daqueles veículos de comunicação que usam como fonte primária de informação. O que quer a Veja, o Estadão e a Globo? Quem são estes veículos e quais suas histórias? Da teoria organizacional para a prática: o que eles defendem hoje? Que tipo de informação eles propagam? São informações "imparciais, objetivas e confiáveis"? Quem responde sim é muito burro!



Não é possível confiar sua inteligência a nenhum veículo de comunicação, nem na Veja e nem na Carta Capital. Ai perguntam: então em quem vou confiar? Vão confiar na sua capacidade de formação de opinião. Alguém que não contrapõe informações (de esquerda e de direita) e não vai pesquisar na fonte a realidade dos fatos não consegue formar uma opinião própria. Sendo assim, reforço: esse povo que critica o Bolsa Família e atacam o governo petista com argumentos furados são sim BURROS. Sequer se dedicaram ao estudo da história econômica do Brasil e/ou algum estudo sobre a origem da pobreza e da realidade nordestina para começar a propagar as asneiras que vêm falando aos sete ventos.



E aí? Quem vota com a burrice? Aqueles que estão recebendo esmolas do governo ou aqueles que votam com base em informações manipuladas da imprensa? Fica a questão...

sábado, 18 de outubro de 2014

As privatizações da década de 1990

Este texto é uma parte da minha dissertação "Mídia e economia: o processo de privatização do governo FHC (1995-2002)", em desenvolvimento no curso de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Labjor/Unicamp, com apoio da Fapesp.

Resolvi publicar este trecho tanto por conta do período eleitoral quanto pelo lançamento do documentário "Privatizações: a distopia do capital", de Silvio Tendler. Este texto foi qualificado, junto com o restante da dissertação, em agosto de 2014. A pesquisa continua em andamento e ainda não foram incorporados as informações tanto do documentário quanto de outras referências teóricas, mas já pode ser uma contribuição ao debate sobre o tema.


Programa Nacional de Desestatização
Em 1991, é criado o Programa Nacional de Desestatização (PND). As justificativas para a desestatização durante o governo Collor era o uso dos recursos arrecadados nas áreas sociais, modernização da indústria brasileira e resgate da dívida pública. Apesar de no final da década de 1980 já ter acontecido privatizações de 39 empresas de diversos setores, sendo a principal delas a Aracruz Celulose, e uma arrecadação de 735 milhões de dólares, foi no governo de FHC que este processo foi mais voraz para a economia e para a crítica brasileira.  
A justificativa no governo de FHC “também foi o atendimento das áreas sociais, inicialmente, mas aos poucos a redução da dívida pública passou a ser apresentada como questão central” (Filgueiras: 2007, p. 113). Além da dívida, Filgueiras cita Haddad (1998) para mostrar a ligação entre o processo de desestatização com o Plano Real:

(...) a verdadeira âncora do Plano Real tem sido o patrimônio público acumulado nos últimos 50 anos, os famosos Sauros... Esse é o lastro que mantém a credibilidade do programa de estabilização. As reservas cambiais suportariam pouco mais do que alguns meses de déficit em transações correntes, isso na hipótese de inexistência de uma onda especulativa contra a moeda nacional’ (HADDAD: 1998 apud Filgueiras: 2007, p. 114)

O governo privatizou empresas do setor de serviços, principalmente da área de telecomunicações e energia, além da Vale do Rio Doce. Esses setores são considerados estratégicos para a soberania nacional. Desde o começo do PND, em 1991, até 1999, foram privatizadas 64 empresas estatais, sendo 18 no governo Collor, 15 no governo de Itamar Franco e o restante (31 empresas) durante a era FHC (Filgueiras: 2007). Considerando o período entre 1995 a novembro de 2000 foram privatizadas 40 empresas, sendo sete concessionárias de serviços públicos.

Tabela 1: Resultados do Programa Nacional de Desestatização
1991-jul./99 – US$ milhões
Período
Nº de empresas
Receita de vendas
Dívidas transferidas
Total
1991
4
1.614
374
1.988
1992
14
2.401
982
3.383
1993
6
2.627
1.561
4.188
1994
9
1.966
349
2.315
1995
8
1.003
625
1.628
1996
11
4.080
669
4.749
1997
4
4.265
3.559
7.824
1998
7
1.574
1.082
2.737
até jul./99
1
49
-
49
Total
64
19.579
9.201
28.861
Fonte: BNDES apud Filgueiras (2007, p. 114)

A crítica favorável ao governo aponta o processo como benéfico para o Brasil:

Primeiro, a dívida pública foi favoravelmente afetada, no sentido de que sem a privatização ela seria maior ainda. Segundo, na maioria dos casos, as empresas ficaram em melhor situação e se tornaram mais eficientes depois de vendidas do que antes. Terceiro, no caso das telecomunicações, em particular, houve claros benefícios sociais, medidos, por exemplo, pela queda do preço das linhas de telefonia fixa, pela redução do tempo de espera para obtenção das linhas, e, principalmente, pela proporção de telefones fixos por habitante, que, conforme a Anatel, em 1998 – ano da privatização – era de apenas 17 por 100 habitantes e, quatro anos depois, tinha passado para mais do dobro, fenômeno concentrado nas classes C e D. E, quarto, no caso dos estados, a venda das empresas em situação financeira mais crítica melhorou substancialmente o resultado fiscal das empresas estatais estaduais, que sofreu uma evolução positiva praticamente contínua, passando de um déficit primário de 0,5% do PIB em 1995 e, ainda, de 0,1% do PIB em 1998, para um superávit nesse conceito de 0,3% do PIB em 2002, sendo parte importante do ajustamento do setor público. (GIAMBIAGI, 2005, p. 187)

Já os poucos que se opunham à privatização, entre eles o jornalista Aloysio Biondi, da Gazeta Mercantil,  apontavam os riscos para o país ao beneficiarem o capital estrangeiro, em detrimento dos empresários brasileiros.  Este processo de privatização contou com a conivência da grande imprensa com a política do PND continuada e reforçada por FHC.
Segundo Biondi (2003), os favorecimentos a empresários se deram tanto na venda das empresas de telecomunicações, como dos bancos e da siderurgia. O primeiro setor recebeu investimentos do governo federal no valor de 21 bilhões de reais dois anos e meio antes que as estatais fossem vendidas por 8,8 bilhões de reais; no segundo setor, o Banco do Estado do Rio de Janeiro empréstimo de 3,3 bilhões de reais para pagamento de direitos trabalhistas antes da venda por 330 milhões de reais.
Por fim, só a título de ilustração, na compra da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foram usados 1,01 bilhões de reais em moedas podres, de um total da venda de 1,05 bilhão de reais, e essas moedas ainda foram financiadas em 12 anos pelo governo brasileiro, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
De acordo com Biondi, nem todas as informações relacionadas ao processo de venda das estatais brasileiras foram levadas ao conhecimento da população, além disso, o autor critica a conivência da imprensa com o governo:

Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e a ladainha do “esgotamento dos recursos do Estado”. Mais ainda: a sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que a tinha – de que as estatais não são empresas de propriedade do “governo”, que pode dispor delas a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, repita-se, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular, nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou o povão aceitariam. (BIONDI, 2003, p. 21)

Apesar de não estar mais preso às amarras de um regime autoritário e que marcou a história do jornalismo com sua censura, o jornalismo brasileiro de uma década após o fim da ditadura, em 1985, não se desvencilhou completamente de poder político e seguiu com o oficialismo manipulador de um governo que modificou a economia nacional em prol de uma política internacional neoliberal. O mais grave, para o jornalismo, foram os cerceamentos velado às opiniões da oposição e a adesão da maioria dos jornalistas da grande imprensa à privatização, limitando o debate público apenas à ala favorável à venda do Brasil.
A crítica ao processo também considera a concentração de renda como um efeito negativo das desestatizações. Segundo Paulani (1998 apud Filgueiras: 2007, p. 116), um resultado evidente é “o fortalecimento de determinados grupos, a desnacionalização e o aumento do grau de concentração e, portanto, do poder de monopólio em quase todos os setores”. Além disso,

De outro lado, com relação ao seu papel no interior da política de estabilização, podemos constatar que, do ponto de vista da solução para o problema da dívida interna, as privatizações não conseguiram, nem de longe, impedir o seu impressionante crescimento. Mesmo no que concerne ao plano externo da economia, onde o objetivo com as privatizações era permitir a entrada de capitais estrangeiros na forma de investimentos diretos, dando um tempo maior para a política de estabilização substitui a “âncora cambial”, o Governo não obteve sucesso. A situação se deteriorou rapidamente e a crise cambial se abateu sobre o país, apesar do enorme programa de privatizações executado pelo Governo Cardoso. (FILGUEIRAS: 2007, p. 116)

Outra versão sobre o processo de privatização promovido durante o governo de FHC é dada por Ribeiro Jr. (2011). O autor usa documentos, de cartórios, bancos nacionais e estrangeiros e de empresas de consultorias, para mostrar como foram feitos desvios de verbas das privatizações para contas bancárias em paraísos fiscais.

São operações realizadas pelo clã Serra – sua filha Verônica Serra, seu genro Alexandre Bourgeois, seu primo político Gregório Marín Preciado, seus muitos sócios, seus amigos e seus colaboradores. E outros tucanos de altos poleiros. Em muitos casos, são transações envolvendo empresas brasileiras e empresas offshore no paraíso discal das Ilhas Virgens Britânicas, escoradas no anonimato” (RIBEIRO JR.: 2011. p. 30)

Além das denúncias de lavagem de dinheiro, Ribeiro Jr. (2011) também aponta alguns dos casos mais famosos de privatização de estatais brasileiras. Entre eles estão a Excelsa, companhia de eletricidade do Espírito Santo; a Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), Light, Copesul, Usiminas, entre outras. E também critica o processo:

Independentemente do juízo que cada um possa fazer sobre a eficácia ou ineficácia do Estado ao gerir os bens públicos, ninguém precisa ser um inimigo do mercado para perceber que o modelo de privatização que assolou o Brasil nos anos FHC não foi, para ser leniente, o mais adequado aos interesses do país e do seu povo. Nem mesmo a Nossa Senhora Aparecida do fundamentalismo neoliberal, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, teve o atrevimento de fazer o que foi feito na desestatização à brasileira. Nos anos 1980, Thatcher levou ao martelo as estatais inglesas, pulverizando suas ações e multiplicando o número de acionistas. Contrapondo-se a essa “democratização”, o jeito tucano de torrar as estatais envolveu “doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos empresariais”. (RIBEIRO JR.: 2011, p. 37)

O autor também recorre à obra de Dória (2013) para relatar informações do processo. Além disso, para criticar a imprensa o autor transcreve uma conversa interceptada por escutas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros, então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e futuro ministro das Comunicações, e FHC:

Vale lembrar um telefonema de FHC para Mendonça de Barros. Queria saber a quantas andava a preparação do leilão das teles. Recebe, como resposta, que “estamos com o quadro praticamente fechado”. À vontade, os dois comentam o tom apologético adotado pela mídia para saudar as privatizações, que catapultariam o Brasil ao concerto das grandes nações. Não era ingenuidade. Se, de um lado, os grandes conglomerados propagandeavam as benesses que a venda do patrimônio público traria ao país, de outro, sonegavam aos seus leitores, ouvintes e telespectadores a condição de integrante de consórcios que disputavam a aquisição das teles.
– A imprensa está muito favorável, com editoriais – comenta Mendonça de Barros.
– Está demais, né – diz FHC. – Estão exagerando até... – acrescenta, mordaz com seus áulicos midiáticos.

De acordo com Dória (2013), “nos oito anos de reinado de Fernando II, com o respaldo maciço da mídia – até porque diretamente interessada no butim – o Brasil foi a leilão. A privatização gravou-se de tal maneira no imaginário nacional, que se transformou na primeira e inesquecível marca da gestão de FHC” (Dória: 2013, p. 17). Este autor foca em como as privatizações e o Plano Real (implantado em 1994) foram usados em prol da reeleição de FHC em 1998, quer seja por meio do uso da opinião pública, no caso do plano econômico lançado no governo de Itamar Franco e creditado a FHC, quer seja por meio de captação de recursos vindos das privatizações. Quanto às privatizações, Dória (2013) elenca as vendas das estatais feitas durante o governo PSDB:

·         CEE Distribuição, entregue aos americanos da AES;
·         Bandeirante Energia, entregue aos portugueses;
·         Celpe, para os espanhóis do grupo Iberdrola;
·         Cemar, para os americanos da Ulem Mannagement Company;
·         Cesp Tietê, para os americanos da Duke;
·         Ceteep, arrematada pelos colombianos da estatal Colombiana SA;
·         Coelba, levada pelos espanhóis que levaram a Celpe;
·         Comgás, para os ingleses da British Gas/Shell;
·         Cosern, para os já citados espanhóis;
·         CPFL, arrematada pelo grupo brasileiro VBC;
·         Elektro, vendida para os americanos da Enron;
·         Eletropaulo para os americanos que levaram a CEEE;
·         Escelsa, para os portugueses da GTD Participações, junto com o consórcio Bancos Iven AS;
·         Gerasul, levada pelos belgas da Tractebel;
·         Light, entregue ao grupo franco-americano EDF/AES;
·         RGE, para os mesmos brasileiros do VBC;
·         Bamerindus, garfado pelos britânicos do HSBC;
·         Banespa, para os espanhóis do Santander;
·         Banco Meridional, vendido para o Banco Bozano;
·         Banco Real, par ao grupo ABN-AMRO, depois sob controle do espanhol Santander;
·         Banco do Amazonas AS, vendido ao Bradesco;
·         BEG, Benco de Goiás, arrematado pelo Itaú;
·         E entregaram a particulares os minérios da Mineração Caraíba, da Vale do Rio Doce;
·         E entregaram a Petroquímica União AS. (DORIA: 2013, p. 199)


 Referências

BIONDI, Aloísio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003b.

DÓRIA, Palmério. O príncipe da privataria. São Paulo: Geração Editorial. 2013.

FILGUEIRAS, L. A História do Plano Real. São Paulo: Editora Boitempo, 2010.

GIAMBIAGI, Fabio. Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos: os anos FHC. In: GAMBIAGI, F.; VILLELLA, A.; BARROS DE CASTRO, L; HERMMAN, J. Economia Brasileira e Contemporânea (1945-2004) Editora Elsevier/Campus, 2005.

RIBEIRO JR., Amaury. A privataria tucana. São Paulo: Geração Editorial, 2011.