A comparação dos dois textos fica clara como nem todo conselho é o melhor quando não se considera que existe uma realidade além do "ceteris paribus" (expressão usada em economia para manter "tudo o mais constante"). Com isso quero tentar mostrar que, como concluímos em algumas aulas da disciplina mencionada acima, é preciso considerar muitos outros fatores além do estrito crescimento econômico. Um desses fatores é a realidade política e a integração de cada país na geopolítica internacional.
Essa questão do "conselho" fica clara quando os dois relatórios falam das privatizações. Em uma era amplamente recomendado tanto quanto aspirina. No segundo há o reconhecimento de que essa parte do receituário pode não ter sido um bom conselho como se acreditava.
Seguem as resenhas:
Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial
1991: o desafio do desenvolvimento. RJ: FGV; Banco Mundial, 1991. Visão
geral.
Este relatório do Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), do Banco Mundial, é o segundo de uma série de três que
tratam da pobreza e do meio ambiente publicados entre 1990 e 1992. Também é o
14º documento do Banco Mundial e se compromete a dar uma “ampla visão geral da
agenda desenvolvimentista” (BIRD: 1991 p. iii). No prefácio da publicação, o
então presidente da instituição, Barber B. Conable diz que a década de 1990 se
inicia com drásticas mudanças, se referindo a “ambiciosas reformas nos sistemas
econômicos e políticos” (ibid.) Tendo em vista essa transição, Conable diz que
o relatório busca fazer debates históricos que levaram os formuladores de
políticas a tomarem suas decisões no passado.
Uma das lições mais valiosas refere-se à interação do
Estado e do mercado no estímulo ao desenvolvimento. A experiência mostra haver
mais probabilidade de êxito na promoção do desenvolvimento econômico e na
redução da pobreza quando os governos complementam os mercados; conflitos entre
uns e outros geram fracassos dramáticos. O Relatório descreve uma abordagem
favorável aos mercados, cujo bom funcionamento é permitido pelos governos, que
por sua vez concentram suas intervenções em áreas onde os mercados se mostram
inadequados. (Ibid.)
Quatro aspectos principais do relacionamento entre governo e
mercado são listados por Conable (In: BIRD: 1991) e discutidos ao longo do
relatório:
Primeiro, o
investimento na população requer atuação pública eficiente. Em geral, os
mercados não são capazes, por si sós, de garantir que as pessoas, especialmente
as mais pobres, disponham adequadamente de educação, atendimento médico,
nutrição e acesso ao planejamento familiar. Segundo, é essencial ao êxito das empresas um contexto que lhes seja favorável
– no qual se incluam concorrência, boa infra-estrutura e instituições.
Concorrência estimula inovação, difusão de tecnologia e uso eficiente de
recursos. Terceiro, para o desenvolvimento econômico ter sucesso, os países precisam estar integrados à
economia global. A abertura aos intercâmbios internacionais de bens,
serviços , capital, mão-de-obra, tecnologia e ideias estimula o crescimento
econômico. Quarto, uma base
macroeconômica estável é essencial ao progresso sustentado. Restaurar a
confiança do setor privado é hoje um grande desafio para vários países com um
longo histórico de instabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. iii) (grifos
nossos)
A perspectiva para um desenvolvimento rápido nos primeiros
anos da década de 1990 se fundamentava em um cenário internacional favorável a
todas as economias. Como explica Conable (In: BIRD: 1991), as políticas
desenvolvimentistas de países desenvolvidos se beneficia amplamente com a
abertura de países em desenvolvimento tornando o mundo “cada vez mais
interdependente” (p. iii). Contudo,
(...) o Relatório acentua, principalmente, que o futuro
dos países em desenvolvimento a eles próprios compete. Está nas políticas e
instituições nacionais a possibilidade de um desenvolvimento bem-sucedido. Se
houver reformas firmes e sustentadas no nível nacional, conclui o Relatório, o
ritmo do desenvolvimento pode ser bem mais acelerado – e no fim da década
milhões de pessoas não viverão em condições de pobreza. (BIRD: 1991, p. iii)
Nas “Definições e notas sobre os dados” o relatório faz algumas
observações sobre as classificações adotadas aos grupos de países:
·
Economias
de baixa renda são aquelas com PNB per
capta igual ou inferior a US$580 em 1989.
·
Economias
de renda média são aquelas com PNB per
capta superior a U$580, mas inferior a US$6,000 em 1989. Este grupo
divide-se ainda em economias de renda média baixa e economias de renda média
alta, a um PNB per capta de US$2,335 em 1989.
·
Economias
de alta renda são aquelas com PNB per
capta igual ou superior a US$6,00 em
1989. (BIRD: 1991, p. x)
Os dois primeiros grupos são considerados as “economias em
desenvolvimento”. Contudo, o relatório ressalta que “a classificação por renda
não reflete necessariamente o nível de desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. x).
Além destas classificações o relatório também trabalha com grupos analíticos.
São eles: Exportadores de petróleo
(como Argélia, Angola, Catar, Iraque, Nigéria, entre outros); membros da Organização Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE); e o terceiro grupo são os
Países de renda média muito endividados (abreviado para
“muito endividados” anos Indicadores do Desenvolvimento Mundial) são os 20
países que tiveram sérias dificuldades com o serviço da dívida. São países em
que três dos quatro coeficientes-chave estão acima de níveis críticos: dívida/PNB
(50%), dívida/exportações de bem e serviços (275%), serviço acumulado da
dívida/exportações (30%) e juros acumulados/exportações (20%). (BIRD: 1991, p.
xi)
É neste grupo no qual o Brasil pertencia naquele momento
junto da Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México,
Nicarágua, Peru, Uruguai, Venezuela e outros países africanos, europeus e
asiáticos. Ou seja, dos mais de 100 países que entraram nas análises do
relatório do BIRD, quase todos os países latino-americanos e poucos países dos
demais continentes estão neste grupo.
A “Visão geral” do relatório aponta que mais de 1 bilhão de
pessoas ainda não vivia com a renda diária de um dólar naquela época. Embora
alguns países já haviam melhorados seus indicadores, a pobreza continuava a ser
o problema. Contudo, o desenvolvimento é acreditado pelo relatório uma vez que
“mais de 95% do aumento do contingente mundial de mão-de-obra nos próximos 25
anos ocorrerão no mundo em desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. 1).
Experiências anteriores são a base para compreender o
desenvolvimento econômico. Além disso, a
equipe do relatório afirma que
(...) a história nos mostra que as políticas econômicas e
as instituições são de importância crucial – o que é animador, pois implica que
os países que não prosperaram podem vir a ter melhor desempenho. Mas é também
um desafio, pois obriga os governos de todo o mundo (e não somente dos países
em desenvolvimento), bem como as agências multilaterais, a levarem em conta os
fatores que têm promovido o desenvolvimento e coloca-los em ação. (BIRD: 1991,
p. 1)
Neste trecho já fica evidente a importância que o Banco
Mundial dá para as instituições além da ênfase para a necessidade de outras
economias compartilharem de experiências de sucesso na história.
Estado x laissez-faire
Mercados competitivos garantem organização da produção e a
distribuição de bens e serviços. Além disso, a competitividade incentiva o
espírito empresarial e o progresso tecnológico. Contudo, o relatório afirma que
mercados devem coexistir com o Estado. “E, em muitas outras tarefas, os
mercados às vezes resultam inadequados ou fracassem completamente. É por isso
que os governos devem, por exemplo, investir em infra-estrutura e oferecer
serviços essenciais à população pobre” (BIRD: 1991, p. 1).
Quando os mercados podem funcionar bem e têm a liberdade
de fazê-lo, o progresso econômico tende a ser substancial. Quando os mercados
fracassam e os governos intervêm cautelosa e judiciosamente, ocorre um
progresso adicional. Mas quando os dois se unem, os fatos indicam que o todo é
mais que a soma das partes. Quando o estado e o mercado funcionam de mãos
dadas, os resultados têm sido espetaculares; mas, quando trabalham em oposição,
os resultados têm sido desastrosos. (BIRD: 1991, p. 2)
A economia mundial em
transição
Nas décadas anteriores a 1990, o progresso tecnológico
melhorou o padrão de vida em alguns países como a China e outros países
asiáticos. Além disso, a mortalidade infantil diminuiu e a expectativa de vida
aumentou graças a tecnologia média, saneamento ambiental, melhor alimentação e
educação neste período. No entanto, o desenvolvimento necessita de paz. Como
ressalta o relatório: “a causa mais importante da fome em países em
desenvolvimento em anos recentes foi, sem dúvida, o conflito militar, e não a
pobreza ou insuficiência de produção agrícola” (BIRD: 1991, p. 3).
Quanto ao comércio mundial, o BIRD afirma que ele cresceu a
uma taxa de 6% ao ano de 1950 até aquele momento. Este crescimento foi 50% mais
rápido que o da produção. Por conta destes números o relatório aponta a
necessidade de um aumento geral da integração econômica entre os países.
As projeções do banco Mundial para os anos 1990 era de um
crescimento na renda per capta de
cerca de 2,5% ao ano nos países industrializados, contando com um cenário sem
grandes choques externos adversos e se as políticas adotadas forem boas. Para
que isso seja possível seria necessário uma inflação entre 3% e 4% e taxas
reais de juros de cerca de 3%. Caso a expansão do comércio mundial ultrapassar
5% o crescimento da renda per capta
pode ser de 3%. Quanto aos países em desenvolvimento, se forem adotadas
“reformas mais vigorosas e abrangentes, a renda (...) pode, a longo prazo,
aumentar em outros 1,5-2 pontos percentuais – em média, cerca do dobro do
aumento provocado por melhores condições internas” (BIRD: 1991, p. 3).
Os caminhos do
desenvolvimento
Desenvolvimento é melhorar a qualidade de vida. “Abrange,
como fins em si mesmos, a melhoria da educação, padrões mais elevados de saúde
e nutrição, menos pobreza, um meio ambiente mais limpo, maior igualdade de
oportunidades, maior liberdade individual e uma vida cultural mais rica” (BIRD:
1991, p. 4).
O relatório também cita as estratégias adotadas nas décadas
anteriores como substituição de importações e a tributação da agricultura para
financiar o investimento industrial. Contudo, o Banco Mundial faz uma ressalva
sobre este assunto:
Essas ideias não resistiram à prova do tempo. Hoje, há
indícios mais claros, tanto em países industrializados quanto em países em
desenvolvimento, de que é melhor não se pedir aos governos que dirijam o
desenvolvimento. Quase sempre, os impostor discriminatórios contra a
agricultura constituem impostos sobre o crescimento econômico. O isolamento
econômico por trás de barreiras comerciais tem-se mostrado oneroso. Retardar a
concorrência ou interferir nos preços, deliberada ou acidentalmente, é quase
sempre contraproducente. (BIRD: 1991, p. 4)
Embora desacredite a capacidade de os Estados de conduzirem
o desenvolvimento, o relatório aponta algumas atribuições aos Estados que
constituem o cerne do desenvolvimento. São elas: definir e proteger os direitos
de propriedade; oferecer sistemas jurídicos, judiciais e normativos eficazes;
aumentar a eficiência dos serviços públicos; e proteger o meio ambiente.
O aumento na produção é, de acordo com o relatório, a soma
de aumento de capital e mão-de-obra e das variações da produtividade destes
dois insumos. Nos países em desenvolvimento essa variação foi muito lenta ao
longo do tempo. Sendo assim, o Banco Mundial atribui ao aumento da
produtividade, considerado como o motor do desenvolvimento, a diferença entre
os crescimentos da produção nos diferentes países analisados. A produtividade,
por sua vez está em função do progresso tecnológico que é influenciado pela
“história, educação, instituições e políticas de abertura nos países em
desenvolvimento e industrializados” (BIRD: 1991, p. 5). Além disso, a
tecnologia é difundida pela investimento no capital físico e humano através do
comércio. Sendo assim, um ambiente favorável a estes investimentos é necessário
para o progresso e o relatório aponta que economias com sistemas de preços
não-distorcidos é, em geral, mais propícia ao desenvolvimento.
Intervenções menores no mercado também é um ponto tratado
pelo relatório. O documento analisa três pontos relacionado às economias que
adotaram mais intervenção na década de 1980, como a China, Índia e Coreia:
intervenções disciplinadas pela concorrência externa e interna; intervenções
que não distorcessem indevidamente os preços relativos; intervenção mais
moderada que em outros países em desenvolvimento. Além dos pontos embasados na experiência
dos países citados, o relatório também cita outros três pontos com base na
experiência de outros países e na teoria econômica:
1. Intervir relutantemente: deixar que os
mercados funcionem por si mesmos. “(...) geralmente é um erro o Estado engajar-se
na produção física ou proteger a produção interna de um bem que pode ser
importado a preço mais baixo e cuja produção local traz poucos benefícios
secundários” (BIRD: 1991. p. 6);
2. Aplicar controles e contramedidas:
colocar a intervenção em função da disciplina dos mercados interno e
internacional;
3. Intervir abertamente: tornar a
intervenção simples e transparente, além de sujeita a normas.
Elementos de uma
abordagem favorável ao mercado
Dissipar as dúvidas quanto a inflação e educação como
fundamento para disseminação e adoção de novas tecnologias são dois pontos que
são promovidos pelas quatro áreas essenciais, aos olhos do Banco Mundial:
Desenvolvimento humano: este tópico engloba não só a educação e
a renda da população como também o aumento populacional. Estes três pontos são inversamente
proporcionais, ou seja, crescimento na educação e na renda faz declinar o
aumento da população. Nesta seara o relatório aponta como alternativas:
investimento maior na educação básica, no sistema de saúde básica e maior
cuidado para que os programas públicos atinjam seus objetivos.
Economia interna: garantia de leis que protejam a propriedade,
bens públicos de qualidade, investimentos em infra-estrutura, não impor
restrições para abertura e fechamento de firmas, entre outras medidas que
garantam, em essência, a liberdade do mercado são pontos a serem trabalhados
pelas economias.
Economia internacional: “sempre que os fluxos internacionais de
bens, serviços, capital, mão-de-obra e tecnologia aumentaram rapidamente, o
ritmo do progresso econômico também foi rápido” (BIRD: 1991, p. 9). Abertura
comercial implica em novas possibilidades de acesso a tecnologias. Esse fluxo
de tecnologia se dá tanto por educação no exterior, investimento externo,
assistência técnica, entre outros. Para tanto o Banco Mundial aponta necessária
a redução das barreiras não-tarifárias. “Os governos dos países industrializados têm a responsabilidade – senão em relação
ao mundo em desenvolvimento, pelo menos em relação a seus próprios povos – de
permitir que os exportadores dos países em desenvolvimento tenham acesso aos
seus mercados” (BIRD: 1991, p. 9)
Política macroeconômica: no tocante a este ponto o relatório
discrimina gastos demasiados no Estado em função de um cenário macroeconômico
mais favorável ao mercado. Gastos públicos geram dívidas interna e externa e
empréstimos. Neste sentido, a confiança dos empresários deve ser conquistada a
fim de garantir investimentos no país.
O governo pode manter uma política fiscal prudente se
examinar cuidadosamente a divisão de tarefas entre o Estado e o setor privado.
Isso, como afirma o Relatório, é desejável em qualquer caso. Reavaliando suas
prioridades de gastos, implementando reformas fiscais, reformando o setor
financeiro, privatizando as empresas estatais e lançando mão de tarifas para
reaver o custo de certos serviços prestados pelo Estado, os governos podem
alcançar, ao mesmo tempo, os objetivos de eficiência microeconômica e
estabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. 10)
Reconsiderando o
Estado
A importância de atenção às políticas ambientais e também a
não-discricionariedade do governo na economia são apontados pelo relatório como
responsabilidades numa revisão do papel do Estado.
Entre os enfoques do desenvolvimento, aquele que parece
mais confiável e promissor sugere uma reavaliação dos respectivos papéis do
mercado e do estado. Em poucas palavras, os governos precisam fazer menos
naquelas áreas em que os mercados funcionam ou podem funcionar razoavelmente
bem. Em muitos países, seria útil privatizar grande número de empresas
estatais. Os governos devem permitir o florescimento da concorrência interna e
internacional. Ao mesmo tempo, devem fazer mais naquelas áreas nas quais não se
pode depender apenas dos mercados. Isso significa, acima de tudo, investir em
educação, saúde, nutrição, planejamento familiar e alívio da pobreza; construir
uma infra-estrutura social, física, administrativa, normativa e jurídica de
melhor qualidade; mobilizar os recursos para financiar as despesas públicas; e
estabelecer uma base macroeconômica estável, sem a qual pouco se consegue
realizar. (BIRD: 1991, p. 10)
Referente à discricionariedade do Estado, o relatório aborda
a diferença entre a economias em sistemas políticos democráticos e
autoritários. Além disso, o documento aborda um “círculo vicioso de
intervenções nocivas que favorecem interesses particulares e levam à busca de
lucros financeiros e à ‘captura’ do Estado” (BIRD: 1991, p. 11).
A reforma deve visar as instituições. O estabelecimento
de um sistema jurídico e judiciário eficaz e um firme sistema de direitos de
propriedade é um complemento essencial às reformas econômicas. A reforma do
setor público é uma prioridade em muitos países – inclusive a reforma do
serviço público, a racionalização dos gastos governamentais, a reforma de
empresas estatais e a privatização. Entre outras reformas econômicas correlatas
estão um melhor fornecimento de bens públicos, supervisão bancária e normas
jurídicas para o desenvolvimento financeiro. O reforço dessas instituições
melhora a qualidade do governo, torna o Estado mais capaz de implementar a
política do desenvolvimento e permite à sociedade estabelecer controles e
contramedidas. (BIRD: 1991, p. 11).
O relatório afirma que a adoção das medidas propostas ali,
se adotadas, contribuiria para uma melhor distribuição de renda a favor dos
mais pobres. Aos países em desenvolvimento, é indicado uma reforma tributária
para tornar o sistema progressivo, reforma agrária na China, Japão e República
da Coreia.
Prioridades de ação
Os países
industrializados devem: eliminar as restrições comerciais e reformar a
política macroeconômica.
Em conjunto, países industrializados e as agências multilaterais
devem: aumentar a ajuda financeira, apoiar reformar econômicas e estimular o
crescimento sustentável.
Já aos países em desenvolvimento: investir nos recursos
humanos, melhorar o clima para o empreendimento, abrir as economias ao comércio
e ao investimento internacionais e corrigir a política macroeconômica.
Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial
2006. Washington, DC: Banco Mundial, 2006. Visão geral.
O Relatório para o Desenvolvimento Humano de 2006, de forma
geral, foca na equidade e as formas como os governos devem atuar para
alcança-la de maneira plena. A definição do relatório para equidade é ter
oportunidades iguais para as pessoas conseguirem a vida que buscam e serem
poupadas da extrema privação dos resultados.
Para ilustrar de forma mais clara o conceito, o relatório
lança mão de uma narrativa comparando duas crianças nascidas na África do Sul:
uma negra de família pobre e outra branca, rica. O recurso estilístico do
texto, embora usado apenas no começo do documento de forma narrativa, percorre
todo o discurso do BIRD ao fazer inúmeras comparações e ilustrações das
condições de desenvolvimento de pessoas por todo o mundo. Exemplo disso é o
acesso à educação e saúde na África e no sul da Ásia, ou as diferenças de
acesso aos serviços básicos baseados no sexo e nas castas, respectivamente na
China e na Índia. Esses diferentes casos mostra quantas dimensões podem ter as
inequidades nos e entre os países.
Outro conceito que se liga à equidade é o das “armadilhas da
desigualdade”. Estes fenômenos são definidos como “efeitos adversos de
oportunidades e forças políticas desiguais sobre o desenvolvimento são os mais
prejudiciais, pois as desigualdades econômicas, políticas e sociais tendem a
reproduzir-se ao longo do tempo e de geração a geração” (BIRD: 2006, p. 2).
Estas armadilhas são também abordadas ao longo de todo o
documento, principalmente a parte da transmissão das condições e oportunidades
de geração para geração. Por exemplo, neste trecho:
Infelizmente, as circunstâncias predeterminadas (e,
portanto, moralmente irrelevantes) definem muito mais do que apenas os
rendimentos futuros. Educação e saúde têm valor intrínseco e afetam a
capacidade dos indivíduos de se integrarem à vida econômica, social e política.
Mas as crianças defrontam-se com oportunidades substancialmente diferentes para
aprender e ter vida saudável em quase todas as populações, dependendo de suas
condições financeiras, localização geográfica ou educação dos pais, entre
outros fatores. (BIRD: 2006, p. 4)
Buscar a equidade é também buscar a prosperidade, ou seja,
estes objetivos são complementares. Além disso, o relatório aponta dois grandes
grupos de motivos que são as causas dessa complementaridade: um se refere às muitas
falhas de mercado nos países em desenvolvimento, principalmente nos mercados de
crédito, seguro, terra e capital humano. “Quando os mercados são incompletos ou
imperfeitos, a distribuição de riqueza e de poder afeta a alocação de
oportunidades de investimento” (BIRD: 2006, p. 2). Sendo assim, corrigir essas
falhas deve ser um dos objetivo para melhor equidade.
Outro grupo de motivos que gera equidade com prosperidade é
o fato de instituições econômicas e organizações sociais serem construídas para
privilegiar certos interesses específicos de grupos isolados.
A distribuição de riqueza está diretamente relacionada
com as diferenças sociais que estratificam as pessoas, comunidades e nações nos
grupos que dominam e os que são dominados. Esses padrões de dominação
persistem, porque as diferenças econômicas e sociais são reforçadas pelo uso
manifesto e sutil do poder. As elites protegem seus interesses de formas sutis,
por meio de práticas excludentes em sistemas de casamento e parentesco, por
exemplo, e de formas menos veladas, tais como a manipulação política agressiva
ou o uso explícito da violência. (BIRD: 2006, p. 2).
O relatório faz também três considerações iniciais
importantes para o desenvolvimento do resto do documento:
1) Nem
sempre equidade pode ser medida pela distribuição de renda. Mesmo com processos
mais justos, espera-se ainda diferenças que provém de diferentes talentos,
preferências, esforço e sorte;
2) O
foco das políticas deve ser a distribuição de ativos, oportunidades econômicas
e expressão política e não na desigualdade de rendimentos;
3) O
cálculo do mérito das políticas adotadas para aumentar a equidade e seus
efeitos no longo prazo nem sempre é levado em conta ou são difíceis de
calcular.
Outro questionamento levantado pelo relatório se refere à
importância da equidade para o crescimento. Uma primeira resposta a isso
percorre o caminho das inequidades dentro dos mercados e o comando destes e dos
governos por grupos pequenos, deixando à margem grande parcela da população.
Mercados imperfeitos, por exemplo, geram desigualdades de riqueza e poder e por
conseguinte oportunidades desiguais e alocação ineficiente dos recursos. Este
tema é trabalhado no documento pelo ponto de vista tanto do mercado financeiro,
quanto o de terras e capital humano. O pleno funcionamento de forma
transparente e justa não geraria rendas diferenciadas e diferentes
oportunidades.
Outro ponto que o relatório do BIRD volta a mencionar, assim
como o de 1991 é a importância das instituições. As instituições são
construções históricas, políticas e sociais. Dessa forma, imperfeições de
mercado são reflexos de distribuições inequitativas de poder.
As boas instituições econômicas são equitaveis de uma
maneira fundamental: para prosperar, uma sociedade deve criar incentivos para
que a vasta maioria da população invista e inove. Mas tal grupo de instituições
econômicas só pode surgir quando a distribuição de poder não for extremamente
desigual e em situações nas quais existam restrições ao exercício de poder por
parte de funcionários do governo. (BIRD:
2006, p. 9)
Outro ponto em que as instituições é ressaltada é quando o
relatório afirma que políticas que a equidade aprimora as políticas de redução
da pobreza:
Afirmamos que uma lente de equidade aprimora a agenda de
redução da pobreza. As pessoas de baixa renda geralmente têm menos expressão,
menor renda e menos acesso a serviços do que a maioria das outras pessoas. Quando
as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades
para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo
dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente,
por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo
de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais
flexível à medida que a maior equidade produzir melhores instituições, gestão
mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade,
inclusive os recursos das pessoas de baixa renda. Os consequentes aumentos das taxas
de crescimento econômico nos países pobres, por sua vez, contribuirão para a
redução das desigualdades mundiais. (BIRD: 2006, p. 10)
Essa visão de equidade acrescenta três perspectivas à
formulação de políticas de desenvolvimento:
1) As
políticas de diminuição da pobreza podem envolver redistribuições de
influência, vantagem ou subsídios fora dos grupos dominantes;
2) As
compensações das políticas devem ser levadas em conta. Caso altos impostos para
melhorar a educação atinjam seu objetivo no futuro, esse benefício não deve ser
ignorado na elaboração da política;
3) “Em
terceiro lugar, é falsa a dicotomia entre políticas para o crescimento e
políticas voltadas especificamente para a equidade. A distribuição de
oportunidades e o processo de crescimento são determinados em conjunto. As
políticas que afetam um, afetarão o outro” (BIRD: 2006, p. 11).
A partir destas considerações, a Visão Geral do relatório
resume os quatro pontos principais para a ação pública e a formação de
política.
A. Capacidades
Humanas
1) Desenvolvimento na primeira infância: a visão essencial
aqui é reduzir a armadilha da desigualdade, ou seja, fazer com que as condições
do nascimento não sejam fatores decisivos no desenvolvimento cognitivo da
criança. Desta forma as políticas devem atuar para garantir esse
desenvolvimento de forma que a equidade seja garantida desde cedo;
2) Escolaridade: garantia de pelo menos um nível básico a
todas as crianças de forma igual;
3) Saúde: este ponto engloba não só tratamento médico, como
imunização, mas também saneamento básico e água potável.
4) Gestão de risco: garantia de que choques e crises
econômicas não atinjam as classes mais pobres de maneira tão drástica como
usualmente ocorre;
5) Impostos para equidade: “Como os impostos impõem perdas
de eficiência, alterando as escolhas individuais entre trabalho e lazer,
consumo e poupança, a maioria dos países em desenvolvimento tem possibilidade
de ser mais bem servido evitando elevados impostos marginais sobre a renda e
fundamentando-se em uma base mais ampla, especialmente para impostos sobre o
consumo” (BIRD: 2006, p. 13);
B. Justiça, terra e
infraestrutura
1) Criação de sistemas de justiça equitativos: “As instituições
legais podem sustentar os direitos políticos dos cidadãos e restringir o
aprisionamento do Estado pela elite” (BIRD: 2006, p. 14 );
2) Para uma maior equidade no acesso à terra: essa equidade
não precisa necessariamente passar pela questão da propriedade, segundo o
relatório, mas sim por políticas agrícolas e maior segurança de posse aos
grupos de menor renda;
3) Fornecimento equitativo de infraestrutura:
Embora o setor público continue a ser, em muitos casos, a
principal fonte de fundos de investimento em infraestrutura destinados a
ampliar as oportunidades dos menos favorecidos, a eficiência do setor privado
também pode ser aproveitada. Embora as privatizações de empresas de serviços
públicos costumem ser atacadas por seus efeitos desiguais, a evidência indica
uma realidade mais complexa. As privatizações na América Latina geralmente
resultaram em acesso a serviços, especialmente em eletricidade e
telecomunicações. Em outros casos, contudo, no período pós-privatização os
preços aumentam mais do que os ganhos em qualidade e cobertura, levando ao
descontentamento geral da população.
As privatizações são, portanto, um caso clássico de
política que pode ou não dar certo, dependendo do contexto local. Se o sistema
público for altamente corrupto ou ineficaz e estiver prevista uma capacidade
normativa adequada na pós-privatização, a privatização pode ser considerada um
bom recurso. Em outros casos, há privatizações mal programadas que transferem
ativos públicos a preços excessivamente baixos para mãos privadas. (BIRD: 2006,
p. 15)
C. Os mercados e a
macroeconomia
1) Mercados financeiros: a questão perpassa o maior acesso
de firmas que geralmente não têm acesso ao mercado financeiro e a empréstimos;
2) Mercados globais: aplicação universal das leis do trabalho
e segurança para os trabalhadores como seguro desemprego e proteção/incentivo
de minorias como mulheres e jovens inexperientes;
3) Mercado de produtos:
Geralmente há também fortes interações com qualificações
no mercado de trabalho. Em muitos países, a abertura ao comércio (geralmente
coincidindo com a abertura ao investimento estrangeiro direto) tem sido
associada a um aumento da desigualdade salarial nas duas últimas décadas. Isso
ocorre especialmente nos países de renda média, notavelmente na América Latina.
A abertura ao comércio geralmente incentiva o prêmio por aptidões à medida que
as firmas modernizam seus processos de produção (mudança técnica com base em
aptidões, no jargão dos economistas). Isso pode ser prejudicial para a equidade
se o contexto institucional restringir a capacidade dos trabalhadores de
mudarem para um novo trabalho – ou limitar o acesso da população à educação.
(BIRD: 2006, p. 17)
4) Estabilidade macroeconômica: o relatório defende que á
relação entre instituições injustas e crises macroeconômicas que, geralmente,
acabam por penalizar as classes com menor renda. Os governos devem, portanto,
criar políticas fiscais anticíclicas e criar redes de segurança antes de
crises;
D. A arena global
O documento reconhece que há inequidades no mercado mundial.
Contudo, propõe algumas medidas que visem melhorar este cenário como: migrações
para países membros da OCDE; aumentar substancialmente a liberalização
comercial; permitir que os países pobres usem medicamentos genéricos; e desenvolver
normas financeiras mais apropriadas aos países em desenvolvimento.
A conclusão desta visão geral do relatório traz a ideia de
que equidade, além de gerar melhores oportunidades, também atrai investimentos
Ao assegurar que instituições reforcem direitos pessoais,
políticos e de propriedade para todos, incluindo os atualmente excluídos, os
países poderão contar com um número maior de investidores e inovadores e ser
muito mais eficazes na prestação de serviços para todos os cidadãos. Uma maior
equidade pode, no longo prazo, sustentar um crescimento mais rápido. Esse
crescimento pode ser incentivado por uma maior imparcialidade na arena global, pelo
menos por meio das promessas feitas na reunião da comunidade internacional
realizada em Monterrey. O crescimento rápido e o desenvolvimento humano nos
países mais pobres são fundamentais para a redução da desigualdade global e
para o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio. (BIRD: 2006, p. 19)
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