domingo, 7 de dezembro de 2014

Nem sempre os conselhos funcionam... BIRD e seus relatórios

Os dois textos abaixo são resenhas feitas para a disciplina de Desenvolvimento Econômico Contemporâneo do Instituto de Economia da Unicamp. A proposta em uma parte do curso foi comparar como o discurso de algumas instituições mudaram ao longo do tempo. Começo publicando dois textos que fiz com base nos Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Banco Mundial.

A comparação dos dois textos fica clara como nem todo conselho é o melhor quando não se considera que existe uma realidade além do "ceteris paribus" (expressão usada em economia para manter "tudo o mais constante"). Com isso quero tentar mostrar que, como concluímos em algumas aulas da disciplina mencionada acima, é preciso considerar muitos outros fatores além do estrito crescimento econômico. Um desses fatores é a realidade política e a integração de cada país na geopolítica internacional.

Essa questão do "conselho" fica clara quando os dois relatórios falam das privatizações. Em uma era amplamente recomendado tanto quanto aspirina. No segundo há o reconhecimento de que essa parte do receituário pode não ter sido um bom conselho como se acreditava.

Seguem as resenhas:

Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1991: o desafio do desenvolvimento. RJ: FGV; Banco Mundial, 1991. Visão geral.

Este relatório do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Banco Mundial, é o segundo de uma série de três que tratam da pobreza e do meio ambiente publicados entre 1990 e 1992. Também é o 14º documento do Banco Mundial e se compromete a dar uma “ampla visão geral da agenda desenvolvimentista” (BIRD: 1991 p. iii). No prefácio da publicação, o então presidente da instituição, Barber B. Conable diz que a década de 1990 se inicia com drásticas mudanças, se referindo a “ambiciosas reformas nos sistemas econômicos e políticos” (ibid.) Tendo em vista essa transição, Conable diz que o relatório busca fazer debates históricos que levaram os formuladores de políticas a tomarem suas decisões no passado.

Uma das lições mais valiosas refere-se à interação do Estado e do mercado no estímulo ao desenvolvimento. A experiência mostra haver mais probabilidade de êxito na promoção do desenvolvimento econômico e na redução da pobreza quando os governos complementam os mercados; conflitos entre uns e outros geram fracassos dramáticos. O Relatório descreve uma abordagem favorável aos mercados, cujo bom funcionamento é permitido pelos governos, que por sua vez concentram suas intervenções em áreas onde os mercados se mostram inadequados. (Ibid.)

Quatro aspectos principais do relacionamento entre governo e mercado são listados por Conable (In: BIRD: 1991) e discutidos ao longo do relatório:

Primeiro, o investimento na população requer atuação pública eficiente. Em geral, os mercados não são capazes, por si sós, de garantir que as pessoas, especialmente as mais pobres, disponham adequadamente de educação, atendimento médico, nutrição e acesso ao planejamento familiar. Segundo, é essencial ao êxito das empresas um contexto que lhes seja favorável – no qual se incluam concorrência, boa infra-estrutura e instituições. Concorrência estimula inovação, difusão de tecnologia e uso eficiente de recursos. Terceiro, para o desenvolvimento econômico ter sucesso, os países precisam estar integrados à economia global. A abertura aos intercâmbios internacionais de bens, serviços , capital, mão-de-obra, tecnologia e ideias estimula o crescimento econômico. Quarto, uma base macroeconômica estável é essencial ao progresso sustentado. Restaurar a confiança do setor privado é hoje um grande desafio para vários países com um longo histórico de instabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. iii) (grifos nossos)

A perspectiva para um desenvolvimento rápido nos primeiros anos da década de 1990 se fundamentava em um cenário internacional favorável a todas as economias. Como explica Conable (In: BIRD: 1991), as políticas desenvolvimentistas de países desenvolvidos se beneficia amplamente com a abertura de países em desenvolvimento tornando o mundo “cada vez mais interdependente” (p. iii). Contudo,

(...) o Relatório acentua, principalmente, que o futuro dos países em desenvolvimento a eles próprios compete. Está nas políticas e instituições nacionais a possibilidade de um desenvolvimento bem-sucedido. Se houver reformas firmes e sustentadas no nível nacional, conclui o Relatório, o ritmo do desenvolvimento pode ser bem mais acelerado – e no fim da década milhões de pessoas não viverão em condições de pobreza. (BIRD: 1991, p. iii)

Nas “Definições e notas sobre os dados” o relatório faz algumas observações sobre as classificações adotadas aos grupos de países:

·         Economias de baixa renda são aquelas com PNB per capta igual ou inferior a US$580 em 1989.
·         Economias de renda média são aquelas com PNB per capta superior a U$580, mas inferior a US$6,000 em 1989. Este grupo divide-se ainda em economias de renda média baixa e economias de renda média alta, a um PNB per capta de US$2,335 em 1989.
·         Economias de alta renda são aquelas com PNB per capta igual ou superior a US$6,00 em 1989. (BIRD: 1991, p. x)

Os dois primeiros grupos são considerados as “economias em desenvolvimento”. Contudo, o relatório ressalta que “a classificação por renda não reflete necessariamente o nível de desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. x). Além destas classificações o relatório também trabalha com grupos analíticos. São eles: Exportadores de petróleo (como Argélia, Angola, Catar, Iraque, Nigéria, entre outros); membros da Organização Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e o terceiro grupo são os

Países de renda média muito endividados (abreviado para “muito endividados” anos Indicadores do Desenvolvimento Mundial) são os 20 países que tiveram sérias dificuldades com o serviço da dívida. São países em que três dos quatro coeficientes-chave estão acima de níveis críticos: dívida/PNB (50%), dívida/exportações de bem e serviços (275%), serviço acumulado da dívida/exportações (30%) e juros acumulados/exportações (20%). (BIRD: 1991, p. xi)

É neste grupo no qual o Brasil pertencia naquele momento junto da Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Uruguai, Venezuela e outros países africanos, europeus e asiáticos. Ou seja, dos mais de 100 países que entraram nas análises do relatório do BIRD, quase todos os países latino-americanos e poucos países dos demais continentes estão neste grupo.
A “Visão geral” do relatório aponta que mais de 1 bilhão de pessoas ainda não vivia com a renda diária de um dólar naquela época. Embora alguns países já haviam melhorados seus indicadores, a pobreza continuava a ser o problema. Contudo, o desenvolvimento é acreditado pelo relatório uma vez que “mais de 95% do aumento do contingente mundial de mão-de-obra nos próximos 25 anos ocorrerão no mundo em desenvolvimento” (BIRD: 1991, p. 1).
Experiências anteriores são a base para compreender o desenvolvimento econômico. Além disso,  a equipe do relatório afirma que

(...) a história nos mostra que as políticas econômicas e as instituições são de importância crucial – o que é animador, pois implica que os países que não prosperaram podem vir a ter melhor desempenho. Mas é também um desafio, pois obriga os governos de todo o mundo (e não somente dos países em desenvolvimento), bem como as agências multilaterais, a levarem em conta os fatores que têm promovido o desenvolvimento e coloca-los em ação. (BIRD: 1991, p. 1)

Neste trecho já fica evidente a importância que o Banco Mundial dá para as instituições além da ênfase para a necessidade de outras economias compartilharem de experiências de sucesso na história.
Estado x laissez-faire
Mercados competitivos garantem organização da produção e a distribuição de bens e serviços. Além disso, a competitividade incentiva o espírito empresarial e o progresso tecnológico. Contudo, o relatório afirma que mercados devem coexistir com o Estado. “E, em muitas outras tarefas, os mercados às vezes resultam inadequados ou fracassem completamente. É por isso que os governos devem, por exemplo, investir em infra-estrutura e oferecer serviços essenciais à população pobre” (BIRD: 1991, p. 1).

Quando os mercados podem funcionar bem e têm a liberdade de fazê-lo, o progresso econômico tende a ser substancial. Quando os mercados fracassam e os governos intervêm cautelosa e judiciosamente, ocorre um progresso adicional. Mas quando os dois se unem, os fatos indicam que o todo é mais que a soma das partes. Quando o estado e o mercado funcionam de mãos dadas, os resultados têm sido espetaculares; mas, quando trabalham em oposição, os resultados têm sido desastrosos. (BIRD: 1991, p. 2)

A economia mundial em transição

Nas décadas anteriores a 1990, o progresso tecnológico melhorou o padrão de vida em alguns países como a China e outros países asiáticos. Além disso, a mortalidade infantil diminuiu e a expectativa de vida aumentou graças a tecnologia média, saneamento ambiental, melhor alimentação e educação neste período. No entanto, o desenvolvimento necessita de paz. Como ressalta o relatório: “a causa mais importante da fome em países em desenvolvimento em anos recentes foi, sem dúvida, o conflito militar, e não a pobreza ou insuficiência de produção agrícola” (BIRD: 1991, p. 3).
Quanto ao comércio mundial, o BIRD afirma que ele cresceu a uma taxa de 6% ao ano de 1950 até aquele momento. Este crescimento foi 50% mais rápido que o da produção. Por conta destes números o relatório aponta a necessidade de um aumento geral da integração econômica entre os países.
As projeções do banco Mundial para os anos 1990 era de um crescimento na renda per capta de cerca de 2,5% ao ano nos países industrializados, contando com um cenário sem grandes choques externos adversos e se as políticas adotadas forem boas. Para que isso seja possível seria necessário uma inflação entre 3% e 4% e taxas reais de juros de cerca de 3%. Caso a expansão do comércio mundial ultrapassar 5% o crescimento da renda per capta pode ser de 3%. Quanto aos países em desenvolvimento, se forem adotadas “reformas mais vigorosas e abrangentes, a renda (...) pode, a longo prazo, aumentar em outros 1,5-2 pontos percentuais – em média, cerca do dobro do aumento provocado por melhores condições internas” (BIRD: 1991, p. 3).

Os caminhos do desenvolvimento
Desenvolvimento é melhorar a qualidade de vida. “Abrange, como fins em si mesmos, a melhoria da educação, padrões mais elevados de saúde e nutrição, menos pobreza, um meio ambiente mais limpo, maior igualdade de oportunidades, maior liberdade individual e uma vida cultural mais rica” (BIRD: 1991, p. 4).
O relatório também cita as estratégias adotadas nas décadas anteriores como substituição de importações e a tributação da agricultura para financiar o investimento industrial. Contudo, o Banco Mundial faz uma ressalva sobre este assunto:

Essas ideias não resistiram à prova do tempo. Hoje, há indícios mais claros, tanto em países industrializados quanto em países em desenvolvimento, de que é melhor não se pedir aos governos que dirijam o desenvolvimento. Quase sempre, os impostor discriminatórios contra a agricultura constituem impostos sobre o crescimento econômico. O isolamento econômico por trás de barreiras comerciais tem-se mostrado oneroso. Retardar a concorrência ou interferir nos preços, deliberada ou acidentalmente, é quase sempre contraproducente. (BIRD: 1991, p. 4)

Embora desacredite a capacidade de os Estados de conduzirem o desenvolvimento, o relatório aponta algumas atribuições aos Estados que constituem o cerne do desenvolvimento. São elas: definir e proteger os direitos de propriedade; oferecer sistemas jurídicos, judiciais e normativos eficazes; aumentar a eficiência dos serviços públicos; e proteger o meio ambiente.
O aumento na produção é, de acordo com o relatório, a soma de aumento de capital e mão-de-obra e das variações da produtividade destes dois insumos. Nos países em desenvolvimento essa variação foi muito lenta ao longo do tempo. Sendo assim, o Banco Mundial atribui ao aumento da produtividade, considerado como o motor do desenvolvimento, a diferença entre os crescimentos da produção nos diferentes países analisados. A produtividade, por sua vez está em função do progresso tecnológico que é influenciado pela “história, educação, instituições e políticas de abertura nos países em desenvolvimento e industrializados” (BIRD: 1991, p. 5). Além disso, a tecnologia é difundida pela investimento no capital físico e humano através do comércio. Sendo assim, um ambiente favorável a estes investimentos é necessário para o progresso e o relatório aponta que economias com sistemas de preços não-distorcidos é, em geral, mais propícia ao desenvolvimento.
Intervenções menores no mercado também é um ponto tratado pelo relatório. O documento analisa três pontos relacionado às economias que adotaram mais intervenção na década de 1980, como a China, Índia e Coreia: intervenções disciplinadas pela concorrência externa e interna; intervenções que não distorcessem indevidamente os preços relativos; intervenção mais moderada que em outros países em desenvolvimento. Além dos pontos embasados na experiência dos países citados, o relatório também cita outros três pontos com base na experiência de outros países e na teoria econômica:
1.      Intervir relutantemente: deixar que os mercados funcionem por si mesmos. “(...) geralmente é um erro o Estado engajar-se na produção física ou proteger a produção interna de um bem que pode ser importado a preço mais baixo e cuja produção local traz poucos benefícios secundários” (BIRD: 1991. p. 6);
2.      Aplicar controles e contramedidas: colocar a intervenção em função da disciplina dos mercados interno e internacional;
3.      Intervir abertamente: tornar a intervenção simples e transparente, além de sujeita a normas.

Elementos de uma abordagem favorável ao mercado
Dissipar as dúvidas quanto a inflação e educação como fundamento para disseminação e adoção de novas tecnologias são dois pontos que são promovidos pelas quatro áreas essenciais, aos olhos do Banco Mundial:
Desenvolvimento humano: este tópico engloba não só a educação e a renda da população como também o aumento populacional. Estes três pontos são inversamente proporcionais, ou seja, crescimento na educação e na renda faz declinar o aumento da população. Nesta seara o relatório aponta como alternativas: investimento maior na educação básica, no sistema de saúde básica e maior cuidado para que os programas públicos atinjam seus objetivos.
Economia interna: garantia de leis que protejam a propriedade, bens públicos de qualidade, investimentos em infra-estrutura, não impor restrições para abertura e fechamento de firmas, entre outras medidas que garantam, em essência, a liberdade do mercado são pontos a serem trabalhados pelas economias.
Economia internacional: “sempre que os fluxos internacionais de bens, serviços, capital, mão-de-obra e tecnologia aumentaram rapidamente, o ritmo do progresso econômico também foi rápido” (BIRD: 1991, p. 9). Abertura comercial implica em novas possibilidades de acesso a tecnologias. Esse fluxo de tecnologia se dá tanto por educação no exterior, investimento externo, assistência técnica, entre outros. Para tanto o Banco Mundial aponta necessária a redução das barreiras não-tarifárias. “Os governos dos países industrializados têm a responsabilidade – senão em relação ao mundo em desenvolvimento, pelo menos em relação a seus próprios povos – de permitir que os exportadores dos países em desenvolvimento tenham acesso aos seus mercados” (BIRD: 1991, p. 9)
Política macroeconômica: no tocante a este ponto o relatório discrimina gastos demasiados no Estado em função de um cenário macroeconômico mais favorável ao mercado. Gastos públicos geram dívidas interna e externa e empréstimos. Neste sentido, a confiança dos empresários deve ser conquistada a fim de garantir investimentos no país.

O governo pode manter uma política fiscal prudente se examinar cuidadosamente a divisão de tarefas entre o Estado e o setor privado. Isso, como afirma o Relatório, é desejável em qualquer caso. Reavaliando suas prioridades de gastos, implementando reformas fiscais, reformando o setor financeiro, privatizando as empresas estatais e lançando mão de tarifas para reaver o custo de certos serviços prestados pelo Estado, os governos podem alcançar, ao mesmo tempo, os objetivos de eficiência microeconômica e estabilidade macroeconômica. (BIRD: 1991, p. 10)


Reconsiderando o Estado
A importância de atenção às políticas ambientais e também a não-discricionariedade do governo na economia são apontados pelo relatório como responsabilidades numa revisão do papel do Estado.

Entre os enfoques do desenvolvimento, aquele que parece mais confiável e promissor sugere uma reavaliação dos respectivos papéis do mercado e do estado. Em poucas palavras, os governos precisam fazer menos naquelas áreas em que os mercados funcionam ou podem funcionar razoavelmente bem. Em muitos países, seria útil privatizar grande número de empresas estatais. Os governos devem permitir o florescimento da concorrência interna e internacional. Ao mesmo tempo, devem fazer mais naquelas áreas nas quais não se pode depender apenas dos mercados. Isso significa, acima de tudo, investir em educação, saúde, nutrição, planejamento familiar e alívio da pobreza; construir uma infra-estrutura social, física, administrativa, normativa e jurídica de melhor qualidade; mobilizar os recursos para financiar as despesas públicas; e estabelecer uma base macroeconômica estável, sem a qual pouco se consegue realizar. (BIRD: 1991, p. 10)

Referente à discricionariedade do Estado, o relatório aborda a diferença entre a economias em sistemas políticos democráticos e autoritários. Além disso, o documento aborda um “círculo vicioso de intervenções nocivas que favorecem interesses particulares e levam à busca de lucros financeiros e à ‘captura’ do Estado” (BIRD: 1991, p. 11).

A reforma deve visar as instituições. O estabelecimento de um sistema jurídico e judiciário eficaz e um firme sistema de direitos de propriedade é um complemento essencial às reformas econômicas. A reforma do setor público é uma prioridade em muitos países – inclusive a reforma do serviço público, a racionalização dos gastos governamentais, a reforma de empresas estatais e a privatização. Entre outras reformas econômicas correlatas estão um melhor fornecimento de bens públicos, supervisão bancária e normas jurídicas para o desenvolvimento financeiro. O reforço dessas instituições melhora a qualidade do governo, torna o Estado mais capaz de implementar a política do desenvolvimento e permite à sociedade estabelecer controles e contramedidas. (BIRD: 1991, p. 11).

O relatório afirma que a adoção das medidas propostas ali, se adotadas, contribuiria para uma melhor distribuição de renda a favor dos mais pobres. Aos países em desenvolvimento, é indicado uma reforma tributária para tornar o sistema progressivo, reforma agrária na China, Japão e República da Coreia.

Prioridades de ação
Os países industrializados devem: eliminar as restrições comerciais e reformar a política macroeconômica.
Em conjunto, países industrializados e as agências multilaterais devem: aumentar a ajuda financeira, apoiar reformar econômicas e estimular o crescimento sustentável.

Já aos países em desenvolvimento: investir nos recursos humanos, melhorar o clima para o empreendimento, abrir as economias ao comércio e ao investimento internacionais e corrigir a política macroeconômica.




Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006. Washington, DC: Banco Mundial, 2006. Visão geral.

O Relatório para o Desenvolvimento Humano de 2006, de forma geral, foca na equidade e as formas como os governos devem atuar para alcança-la de maneira plena. A definição do relatório para equidade é ter oportunidades iguais para as pessoas conseguirem a vida que buscam e serem poupadas da extrema privação dos resultados.
Para ilustrar de forma mais clara o conceito, o relatório lança mão de uma narrativa comparando duas crianças nascidas na África do Sul: uma negra de família pobre e outra branca, rica. O recurso estilístico do texto, embora usado apenas no começo do documento de forma narrativa, percorre todo o discurso do BIRD ao fazer inúmeras comparações e ilustrações das condições de desenvolvimento de pessoas por todo o mundo. Exemplo disso é o acesso à educação e saúde na África e no sul da Ásia, ou as diferenças de acesso aos serviços básicos baseados no sexo e nas castas, respectivamente na China e na Índia. Esses diferentes casos mostra quantas dimensões podem ter as inequidades nos e entre os países.
Outro conceito que se liga à equidade é o das “armadilhas da desigualdade”. Estes fenômenos são definidos como “efeitos adversos de oportunidades e forças políticas desiguais sobre o desenvolvimento são os mais prejudiciais, pois as desigualdades econômicas, políticas e sociais tendem a reproduzir-se ao longo do tempo e de geração a geração” (BIRD: 2006, p. 2).
Estas armadilhas são também abordadas ao longo de todo o documento, principalmente a parte da transmissão das condições e oportunidades de geração para geração. Por exemplo, neste trecho:

Infelizmente, as circunstâncias predeterminadas (e, portanto, moralmente irrelevantes) definem muito mais do que apenas os rendimentos futuros. Educação e saúde têm valor intrínseco e afetam a capacidade dos indivíduos de se integrarem à vida econômica, social e política. Mas as crianças defrontam-se com oportunidades substancialmente diferentes para aprender e ter vida saudável em quase todas as populações, dependendo de suas condições financeiras, localização geográfica ou educação dos pais, entre outros fatores. (BIRD: 2006, p. 4)

Buscar a equidade é também buscar a prosperidade, ou seja, estes objetivos são complementares. Além disso, o relatório aponta dois grandes grupos de motivos que são as causas dessa complementaridade: um se refere às muitas falhas de mercado nos países em desenvolvimento, principalmente nos mercados de crédito, seguro, terra e capital humano. “Quando os mercados são incompletos ou imperfeitos, a distribuição de riqueza e de poder afeta a alocação de oportunidades de investimento” (BIRD: 2006, p. 2). Sendo assim, corrigir essas falhas deve ser um dos objetivo para melhor equidade.
Outro grupo de motivos que gera equidade com prosperidade é o fato de instituições econômicas e organizações sociais serem construídas para privilegiar certos interesses específicos de grupos isolados.

A distribuição de riqueza está diretamente relacionada com as diferenças sociais que estratificam as pessoas, comunidades e nações nos grupos que dominam e os que são dominados. Esses padrões de dominação persistem, porque as diferenças econômicas e sociais são reforçadas pelo uso manifesto e sutil do poder. As elites protegem seus interesses de formas sutis, por meio de práticas excludentes em sistemas de casamento e parentesco, por exemplo, e de formas menos veladas, tais como a manipulação política agressiva ou o uso explícito da violência. (BIRD: 2006, p. 2).

O relatório faz também três considerações iniciais importantes para o desenvolvimento do resto do documento:
1)      Nem sempre equidade pode ser medida pela distribuição de renda. Mesmo com processos mais justos, espera-se ainda diferenças que provém de diferentes talentos, preferências, esforço e sorte;
2)      O foco das políticas deve ser a distribuição de ativos, oportunidades econômicas e expressão política e não na desigualdade de rendimentos;
3)      O cálculo do mérito das políticas adotadas para aumentar a equidade e seus efeitos no longo prazo nem sempre é levado em conta ou são difíceis de calcular.
Outro questionamento levantado pelo relatório se refere à importância da equidade para o crescimento. Uma primeira resposta a isso percorre o caminho das inequidades dentro dos mercados e o comando destes e dos governos por grupos pequenos, deixando à margem grande parcela da população. Mercados imperfeitos, por exemplo, geram desigualdades de riqueza e poder e por conseguinte oportunidades desiguais e alocação ineficiente dos recursos. Este tema é trabalhado no documento pelo ponto de vista tanto do mercado financeiro, quanto o de terras e capital humano. O pleno funcionamento de forma transparente e justa não geraria rendas diferenciadas e diferentes oportunidades.
Outro ponto que o relatório do BIRD volta a mencionar, assim como o de 1991 é a importância das instituições. As instituições são construções históricas, políticas e sociais. Dessa forma, imperfeições de mercado são reflexos de distribuições inequitativas de poder.

As boas instituições econômicas são equitaveis de uma maneira fundamental: para prosperar, uma sociedade deve criar incentivos para que a vasta maioria da população invista e inove. Mas tal grupo de instituições econômicas só pode surgir quando a distribuição de poder não for extremamente desigual e em situações nas quais existam restrições ao exercício de poder por parte de funcionários do governo.  (BIRD: 2006, p. 9)

Outro ponto em que as instituições é ressaltada é quando o relatório afirma que políticas que a equidade aprimora as políticas de redução da pobreza:

Afirmamos que uma lente de equidade aprimora a agenda de redução da pobreza. As pessoas de baixa renda geralmente têm menos expressão, menor renda e menos acesso a serviços do que a maioria das outras pessoas. Quando as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente, por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais flexível à medida que a maior equidade produzir melhores instituições, gestão mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas de baixa renda. Os consequentes aumentos das taxas de crescimento econômico nos países pobres, por sua vez, contribuirão para a redução das desigualdades mundiais. (BIRD: 2006, p. 10)

Essa visão de equidade acrescenta três perspectivas à formulação de políticas de desenvolvimento:
1)      As políticas de diminuição da pobreza podem envolver redistribuições de influência, vantagem ou subsídios fora dos grupos dominantes;
2)      As compensações das políticas devem ser levadas em conta. Caso altos impostos para melhorar a educação atinjam seu objetivo no futuro, esse benefício não deve ser ignorado na elaboração da política;
3)      “Em terceiro lugar, é falsa a dicotomia entre políticas para o crescimento e políticas voltadas especificamente para a equidade. A distribuição de oportunidades e o processo de crescimento são determinados em conjunto. As políticas que afetam um, afetarão o outro” (BIRD: 2006, p. 11).

A partir destas considerações, a Visão Geral do relatório resume os quatro pontos principais para a ação pública e a formação de política.

A. Capacidades Humanas
1) Desenvolvimento na primeira infância: a visão essencial aqui é reduzir a armadilha da desigualdade, ou seja, fazer com que as condições do nascimento não sejam fatores decisivos no desenvolvimento cognitivo da criança. Desta forma as políticas devem atuar para garantir esse desenvolvimento de forma que a equidade seja garantida desde cedo;
2) Escolaridade: garantia de pelo menos um nível básico a todas as crianças de forma igual;
3) Saúde: este ponto engloba não só tratamento médico, como imunização, mas também saneamento básico e água potável.
4) Gestão de risco: garantia de que choques e crises econômicas não atinjam as classes mais pobres de maneira tão drástica como usualmente ocorre;
5) Impostos para equidade: “Como os impostos impõem perdas de eficiência, alterando as escolhas individuais entre trabalho e lazer, consumo e poupança, a maioria dos países em desenvolvimento tem possibilidade de ser mais bem servido evitando elevados impostos marginais sobre a renda e fundamentando-se em uma base mais ampla, especialmente para impostos sobre o consumo” (BIRD: 2006, p. 13);

B. Justiça, terra e infraestrutura
1) Criação de sistemas de justiça equitativos: “As instituições legais podem sustentar os direitos políticos dos cidadãos e restringir o aprisionamento do Estado pela elite” (BIRD: 2006, p. 14 );
2) Para uma maior equidade no acesso à terra: essa equidade não precisa necessariamente passar pela questão da propriedade, segundo o relatório, mas sim por políticas agrícolas e maior segurança de posse aos grupos de menor renda;
3) Fornecimento equitativo de infraestrutura:

Embora o setor público continue a ser, em muitos casos, a principal fonte de fundos de investimento em infraestrutura destinados a ampliar as oportunidades dos menos favorecidos, a eficiência do setor privado também pode ser aproveitada. Embora as privatizações de empresas de serviços públicos costumem ser atacadas por seus efeitos desiguais, a evidência indica uma realidade mais complexa. As privatizações na América Latina geralmente resultaram em acesso a serviços, especialmente em eletricidade e telecomunicações. Em outros casos, contudo, no período pós-privatização os preços aumentam mais do que os ganhos em qualidade e cobertura, levando ao descontentamento geral da população.
As privatizações são, portanto, um caso clássico de política que pode ou não dar certo, dependendo do contexto local. Se o sistema público for altamente corrupto ou ineficaz e estiver prevista uma capacidade normativa adequada na pós-privatização, a privatização pode ser considerada um bom recurso. Em outros casos, há privatizações mal programadas que transferem ativos públicos a preços excessivamente baixos para mãos privadas. (BIRD: 2006, p. 15)

C. Os mercados e a macroeconomia
1) Mercados financeiros: a questão perpassa o maior acesso de firmas que geralmente não têm acesso ao mercado financeiro e a empréstimos;
2) Mercados globais: aplicação universal das leis do trabalho e segurança para os trabalhadores como seguro desemprego e proteção/incentivo de minorias como mulheres e jovens inexperientes;
3) Mercado de produtos:

Geralmente há também fortes interações com qualificações no mercado de trabalho. Em muitos países, a abertura ao comércio (geralmente coincidindo com a abertura ao investimento estrangeiro direto) tem sido associada a um aumento da desigualdade salarial nas duas últimas décadas. Isso ocorre especialmente nos países de renda média, notavelmente na América Latina. A abertura ao comércio geralmente incentiva o prêmio por aptidões à medida que as firmas modernizam seus processos de produção (mudança técnica com base em aptidões, no jargão dos economistas). Isso pode ser prejudicial para a equidade se o contexto institucional restringir a capacidade dos trabalhadores de mudarem para um novo trabalho – ou limitar o acesso da população à educação. (BIRD: 2006, p. 17)

4) Estabilidade macroeconômica: o relatório defende que á relação entre instituições injustas e crises macroeconômicas que, geralmente, acabam por penalizar as classes com menor renda. Os governos devem, portanto, criar políticas fiscais anticíclicas e criar redes de segurança antes de crises;

D. A arena global
O documento reconhece que há inequidades no mercado mundial. Contudo, propõe algumas medidas que visem melhorar este cenário como: migrações para países membros da OCDE; aumentar substancialmente a liberalização comercial; permitir que os países pobres usem medicamentos genéricos; e desenvolver normas financeiras mais apropriadas aos países em desenvolvimento.

A conclusão desta visão geral do relatório traz a ideia de que equidade, além de gerar melhores oportunidades, também atrai investimentos

Ao assegurar que instituições reforcem direitos pessoais, políticos e de propriedade para todos, incluindo os atualmente excluídos, os países poderão contar com um número maior de investidores e inovadores e ser muito mais eficazes na prestação de serviços para todos os cidadãos. Uma maior equidade pode, no longo prazo, sustentar um crescimento mais rápido. Esse crescimento pode ser incentivado por uma maior imparcialidade na arena global, pelo menos por meio das promessas feitas na reunião da comunidade internacional realizada em Monterrey. O crescimento rápido e o desenvolvimento humano nos países mais pobres são fundamentais para a redução da desigualdade global e para o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio. (BIRD: 2006, p. 19)

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