Pude perceber hoje, por meio do Jornal da Cultura, a imagem que uma certa elite tem de discursos comunistas ou socialistas. Toda e qualquer afirmação que vá contra o livre mercado e todas as consequências que esse liberalismo excessivo tem para a economia e, principalmente, para a sociedade não é visto como bons olhos.
As notícias do Jornal estavam sendo comentadas por dois professores da USP: um de filosofia, Vladimir Safatle, e uma de Direito Internacional, Maristela Basso. Infelizmente assisti só os dois últimos blocos do jornal, mas pareceu que os debates estavam acalorados durante todo o telejornal.
Foi após uma reportagem sobre os problemas que o Brasil está enfrentando com o apagão devido à crise no setor de energia que minha afirmação do primeiro parágrafo ficou evidente. A reportagem mostrou alguns empresários de São Paulo que enfrentaram prejuízos por conta da falta de energia nos últimos meses, seguida por uma outra matéria sobre uma reunião com representantes das concessionárias de energia e as medidas tomadas pelas empresas para remediar os transtornos.
O comentário
Comentando que há um descompasso entre a visão dos usuários e do governo, o professor Safatle, entrou na discussão sobre o problema dos lucros exorbitantes das concessionárias, que enviam grande parcela do dinheiro para as matrizes e deixam de investir no Brasil. A professora de Direito Internacional até fez um certo coro com ele na crítica de falta de investimentos na rede nacional, mas defendeu o lucro das empresas como um 'direito adquirido'.
O problema do lucro
O debate se aqueceu mesmo quando o professor começou a aprofundar a discussão sobre o lucro comentando uma pesquisa feita (provavelmente pela USP) sobre o preço do automóvel brasileiro e os lucros exorbitantes desse setor enviados para o exterior o que daria um caráter até de "exploração". Foi ai que a professora proferiu a máxima liberal ao dizer que a fala do professor de filosofia era "um discurso comunista do passado".
Vendas e mordaça
A afirmação da professora Maristela - que posteriormente até se colocou conta o novo sistema de cotas para as universidades públicas paulistas por não se basear na meritocracia à lá Estados Unidos -, mostra o quanto o liberalismo parece cegar uma elite e uma pseudo-elite preocupada em sempre manter sua renda a qualquer custo.
Estamos numa sociedade totalmente baseada no consumo, quando cada indivíduo é tudo o que possui, mesmo sem conhecimento útil algum e pouco valor para uma educação de qualidade (como comentei em posts passados). Um consumismo exacerbado abre todas as oportunidades favoráveis para aumentar cada vez mais os lucros dessas empresas que fazem do parque industrial brasileiro um parque de diversão de renda fácil e exploração velada para todos.
Negar que há rendimentos excessivos e classificar um discurso que se preocupa com o grau de exploração da sociedade como "antigo", a meu ver, é negar totalmente o bem-estar e a qualidade de vida da grande massa da população e privilegiar aqueles poucos pertencentes à classe dominante que decide onde, como e quando o dinheiro deve ser aplicado. Decisões, inclusive, que têm até o poder de deixar uma economia na condição totalmente dependente não permitindo um desenvolvimento mais eficaz que depende de uma infraestrutura forte e confiável.
De todas as aulas de economia política e desenvolvimento econômico o que mais ficou de importante sobre esse "discurso comunista antigo" é que ele não serve apenas para defender um modelo de economia comunista ou socialista, ele serve também para mostrar aos capitalistas cegos e fanáticos que há um lado que é preciso ser pensado e este lado é a sociedade, os trabalhadores, a classe média baixa, os pobres, aqueles que passam fome, que não desfrutam de saneamento básico, saúde e educação com qualidade. Infelizmente estes temas são apenas políticos e entram nas agendas de debates apenas eleitorais. Quando não estão por detrás de votos e conquista de eleitores se tornam um empecilho "antigo comunista" soando como um mosquito irritante numa noite tranquila.
Em tempo: vale dizer que uma parte da crítica da professora Maristela foi extremamente justa quando ela falou que o governo não faz todos os investimentos com os tributos que arrecada. Mas o conjunto de suas palavras pareceu muito mais que se ela continuasse a falar defenderia a privatização até da administração pública para garantir a eficiência dos recursos.
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