segunda-feira, 2 de abril de 2012

Um pouco de distração


Para não enlouquecer esse semestre resolvi adicionar algumas leituras nos meus horários vagos. Ler apenas textos específicos de economia pode acabar com qualquer um e levar à loucura facilmente, como ainda não cheguei neste nível altíssimo de inteligência, estou tentando ler algumas obras que nada tenham haver com economia...

A primeira leitura foi "A Resposta" de Kathryn Stockett, livro que deu origem ao filme "Histórias Cruzadas" (The Help) e que já elogiei aqui no blog. Como sempre, preferiria ter lido o livro antes de assistir ao filme, mas a ordem dos fatores foi diferente e não alterou por completo o resultado. O livro é tão ou mais sensacional quanto o filme. Claro que é impossível transpor todo o conteúdo das 500 páginas para imagens, porém o filme cumpriu com a missão de mostrar o que Stockett quis passar na sua obra best seller. O livro é realmente uma leitura transformadora e nos faz pensar sobre nossas atitudes e sobre como a sociedade realmente foi (e ainda é, com certeza). Cada situação que a autora narra ali traz sorrisos ou revoltas verdadeiras sobre o racismo e sobre quão mesquinhas e ignorantes conseguem ser algumas culturas espalhadas pelo mundo (pelo menos no mundo ocidental).

Tentei ler, logo em seguida, o livro "Guia politicamente incorreto da América Latina", mas sem sucesso. O primeiro capítulo é sobre Che Guevara e, apesar de levar em consideração os argumentos dos autores baseados nos escritos diários do próprio Che, achei a leitura tendenciosa demais. Não me surpreende que os dois autores tenham passado pela Veja! E explico o porquê dessa minha afirmação: eles se limitam demais à opiniões próprias apesar de trazer relatos de outras obras, porém com uma abordagem de extrema direita totalmente escancarada.

Enfim... depois de ler o primeiro capítulo, guardei o livro para tentar ler num futuro provavelmente distante e passei para uma obra que há muito tempo queria ler e a coloquei com prioridade nesta minha lista de descanso da economia: "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago. Há alguns anos li "A viagem do elefante" que, apesar de parecer um tema completamente tonto, prendeu minha atenção pela forma como Saramago escreve e principalmente pela genialidade do autor de fazer de um simples tema algo incrível.

Com Ensaio sobre a cegueira não é nada diferente - e acho que até melhor que a primeira obra que li. Da madrugada de sexta para sábado, no dia que peguei o livro na mão para começar a leitura, passei rapidamente pelas 70 primeiras páginas. Realmente não dá vontade de parar de ler! Apesar dos parágrafos gigantes e do português lusitano, a história nos prende de uma tal forma que se não fosse o passei em família que eu fiz no sábado pela manhã eu teria virado a madrugada lendo, sem dúvida alguma.

E realmente é mais que genial a forma como Saramago escreve! Ele não cita nenhum nome de personagem, se limita a chamá-los de "o primeiro cedo", "a mulher do médico", "o médico", "a mulher dos óculos escuros" e etc. Além disso, a forma como ele descreve os diálogo é extremamente rica. As vezes ele sequer usa a voz do segundo locutor de um diálogo ao telefone, por exemplo, se limitando apenas ao que se ouve de um dos lados da linha e você consegue entender perfeitamente o diálogo completo. Estou falando especificamente da cena em que o médico oftalmologista está conversando (quase escrevi está a conversar) com o ministério da saúdo ou com qualquer amigo médico dele e a mulher está na mesma sala ouvindo o marido ao telefone. Você se sente sentado no sofá apenas vendo e ouvindo o personagem com o telefone no ouvido conversando e respondendo as perguntas feitas. E como já disse, você sabe exatamente o que está sendo perguntado intuitivamente!

E assim como o livro A resposta, guardadas as (lógicas) devidas proporções, a história nos faz pensar e nos revoltar com o espírito humano. Como o homem consegue ser egoísta, como ele se organiza em estados parecidos com o primitivo, também como pode ser bom e organizado, entre tantos outros sentimentos, qualidades e defeitos que Saramago consegue colocar todos juntos dentro de um manicômio. "O mundo todo está aqui dentro", como pensa a mulher do médico em um determinado momento, e realmente está.

Se não fossem os textos de David Ricardo que ainda tenho que ler hoje para a aula de Economia Política, eu me deitaria no colchão para ler o máximo que eu puder, porém as próximas cenas me aguardam para a hora que eu for pegar o ônibus para ir até à Unicamp.

Vou colocar algumas citações que selecionei do livro para tentar convencer quem está lendo esse post a se encorajar na leitura da obra do Saramago:

"... se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade que tanto se fala" (p. 84)

"É desta massa que somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade" (p. 40)

A imagem que abre esse post é do filme Blindness, dirigido por Fernando Meirelles baseado na obra de Saramago. Prometi a mim mesmo que só vou assistir quando terminar a leitura!

Nenhum comentário: