terça-feira, 17 de abril de 2012

Manipulação e poder: Orwell e Reed


Tumulto, manipulação, mais tumulto, calúnias e discussões... são essas palavras, com maior ênfase para a segunda da lista, que mais ressaltam nas leituras de "A Revolução dos bichos" de George Orwell e "Os dez dias que abalaram o mundo", de John Reed.

Nesta "maratona de leituras" pessoal, fiz questão de sequenciar dois livros com temas parecidos para ver abordagens diferentes de uma (quase) mesma realidade. "A revolução dos bichos" dispensa maiores comentários, mas ficou na minha estante de livros por alguns anos. Havia começado a ler quando comprei a obra, em 2009 (eu acho), mas logo parei. Retomei Orwell logo depois de ler "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago, semanas atrás. O outro livro, de Reed, ficou no escanteio da minha lista por um tempo maior. No primeiro ano da graduação de jornalismo, em 2005, foi apresentado à sala uma lista de livros-reportagens e "Os dez dias" estava entre as indicações. Me lembro que o assunto chamou a atenção, mas a leitura não me agradou muito e a troquei por "Por quem os sinos dobram" de Ernest Hemingway (que também indico).


De forma geral os dois livros falam sobre o mundo socialista da União Soviética: as revoluções socialistas feitas em novembro de 1917 (retratada por Reed) e uma crítica à política e aos desdobramentos dessas revoluções (Orwell). Na obra de Reed, os nomes dos políticos e personagens Russos e a falta de maiores apresentações deles no texto, na minha opinião, são o ponto fraco da obra de Reed para quem não estudou com profundidade essas passagens da história. Particularmente ficava um pouco perdido no começo da leitura por não saber o nome de todos os atuantes da revolução de novembro de 1917 (o próprio Reed escreve um resumo, praticamente um guia, mostrando os partidos políticos e outros grupos atuantes na Rússia. Além disso há ambientações no primeiro capítulo e também no prefácio). Porém, o objetivo do livro é narrar os acontecimentos de dez dias que mostram o antes, durante e depois da revolução e esse objetivo é cumprido com perfeição - não é sem motivo que John Reed foi considerado um dos melhores jornalistas dos Estados Unidos.


Já o livro de Orwell é sensacional. Uma revolução dos bichos com um caráter socialista facilmente perceptível é feita pelos animais da Granja Solar. Depois da tomada do poder, da divisão dos trabalhos por todos os animais e a divisão justa dos alimentos entre os trabalhadores, agora sem nenhum patrão, mostra o ideal das primeiras revoluções socialistas da Europa oriental. Os personagens foram muito bem elaborados e só ressaltaram ainda mais a crítica feita pelo autor aos desdobramentos da história socialista. Trótski, Stalin e o proletariado estão ali bem representados pelos bichos e as relações entre eles ao longo da história mostra bem como foi se desenvolvendo a política daquele país da revolução de 1917 até os anos posteriores a tomada do poder por Stalin. É até visível um pouco da ideologia econômica de Trótski, que tive contato na matéria de Desenvolvimento Econômico na Unicamp e foi o que me motivou a ler Orwell.

Obras (espero que minimamente bem) resumidas, volto ao tema principal e as palavras que escolhi: tumulto, manipulação, mais tumulto, calúnias e discussões... Percebi uma clara semelhança entre as obras de Orwell e Reed principalmente quando comecei a ler o livro do segundo autor. Reed mostra os debates políticos feitos na Rússia no decorrer da revolução de novembro; Orwell mostra o relacionamento entre os pensadores da revolução e o "proletariado", ou restante da bicharada. Mas o que é mais interessante é a forma como essas discussões eram feitas na URSS daquela época e a forma como essas ideias eram passadas para população.

A manipulação da classe mais baixa e com pouca educação é uma das maiores críticas de Orwell. Os animais da granja, ainda dotados de um mínimo de memória, são manipulados por um dos porcos do poder. "Mas não havia uma lei que dizia que animais não usariam moedas?", chegam a se perguntar os animais quando as leis do chamado animalismo começam a ser quebradas. Então logo surge Garganta, um dos porcos, para convencer que os animais devem ter simplesmente "sonhando" com isso, "nunca houve tal lei" (este é só um exemplo e não é extremamente fiel à história).

Já Reed, fiel aos fatos da revolução que presenciou, traz citações dos panfletos e artigos publicados nos jornais em circulação e a tentativa de influenciar a população é tão clara - aí com maior compreensão visto que é a direita criticando e atacando a esquerda que sobe ao poder.

Qualquer semelhança com a nossa realidade é mera coincidência, não? Ainda temos uma imprensa que se diz imparcial e justa, mas vale sempre ficar atento às reais intenções de cada reportagem e cada capa de revista porque, em alguns casos, a manipulação não é nenhum pouco velada pelos porcos do "poder da imprensa".

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