quarta-feira, 25 de abril de 2012

"É verdade que, em um país livre, um pequeno grupo pode controlar uma cidade inteira e explorá-la?




Com três provas em duas semanas ficou difícil manter a leitura em dia, mas vou deixar os últimos textos de Desenvolvimento Econômico de lado para transcrever um trecho do livro "Dez dias que abalaram o mundo", de John Reed, que achei muito interessante... e combina um pouco também com a política brasileira e até com a votação do código florestal em pauta essa semana. Os negritos são meus.

"'Bem-vindo ao Comitê do Sexto Batalhão de Engenheiros da Reserva!', exclamou meu amigo, apresentando-me aos demais como um norte-americano socialista. Todos então se levantaram para me cumprimentar, e um soldado mais velho chegou a me abraçar e me dar um beijo caloroso. Ofereceram-me uma colher de pau e eu então sentei à mesa. Uma outra bacia, cheia de kasha, foi trazida, junto com um pão preto enorme e, é claro, as inevitáveis chaleiras. Todos começaram então a me fazer perguntas sobre os Estados Unidos: é verdade que as pessoas, em um país livre, vendem o voto por dinheiro? Se é assim, como elas fazem para conquistar o que querem? E o que é esse tal de 'Tammany'? É verdade que, em um país livre, um pequeno grupo de pessoas pode controlar uma cidade inteira e explorá-la em benefício de seus próprios interesses? Por que as pessoas aceitam isso? Mesmo sob o tsarismo, esse tipo de coisa não seria admitido na Rússia; é verdade que, aqui, sempre houve corrupção, mas comprar uma cidade inteira cheia de gente! E isso em um país livre! As pessoas não têm sentimentos revolucionários? Tentei explicar que, no meu país, as pessoas procuram mudar as coisas através das leis.


"'É claro', aquiesceu um jovem sargento, chamado Baklanov, que falava francês. 'Mas vocês não têm uma classe capitalista altamente desenvolvida? E não é essa classe que controla o Legislativo e o Judiciário? Como pode o povo, então, mudar as coisas? Quero ser convencido, pois não conheço bem seu país, mas me parece inverossímil...'" (p. 294 - 295)



Faltam poucas páginas para terminar esse livro e, apesar dos nomes russos e algumas passagens pouco explicadas pelo autor, faço questão de recomendá-lo mais uma vez. John Reed retrata de uma maneira muito "colorida e viva" toda a discussão e os impasses da tomada do poder russo pelos bolcheviques e a leitura não é apenas para aumentar os conhecimentos sobre esse acontecimento histórico, serve muito bem para se ter um pouco de contato com uma organização política diferente daquela que estamos acostumados.



Para os comunicadores é muito interessante ver como a imprensa e os cartazes eram importantes na manipulação e informação da massa. Para os economistas ajuda a entender um pouco da lógica de Trótski e, apesar de ter poucas passagens essencialmente econômicas no livro, é interessante ver como essa ideia socialista tinha seus admiradores e uma oposição muito forte.



Arte cartazista

Quando estudo história ou leio algo sobre inevitavelmente me lembro de um professor do cursinho, o Professor Wagner, e uma aula específica na qual ele falou muito sobre a arte cartazista. É muito legal sair pesquisando os cartazes feitos em grandes momentos da história... dão uma boa ideia da mensagem e da ideologia vendida ou disseminada. Sobre a revolução russa tem vários nesse mar Google, escolhi um interessante, de 1925. O site onde encontrei esse cartaz diz que na bandeira maior diz "Viva a revolução proletária internacional" (dá para confirmar a frase digitando letra a letra no google translate, mas vou deixar para outra oportunidade...). Detalhe: o cartaz não é do mesmo período do livro de Reed.

Um ditadinho vai bem...


É inevitável: um serumano não deve parar de estudar nunca - pelo menos não enquanto estiver ativo no mercado de trabalho e se importar em crescer ou se manter num emprego. O jornal do SBT mostrou uma reportagem sobre os erros abssurdos que são cometidos por estudantes universitários em provas de selessão para emprego e estájio. Neças horas pensamos que aqueles imaius que chegam na nossa caicha de entrada são mentira... como alguém pode excrever coisas tão erradas no Enem ou num vestibular concorrido? Mas a reportagem fez questão de mostrar algumas provas e é ezpantoso!

Mas o pior não é o fato de escreverem errado, mas sim o público que está errando: alunos de arte e design, pedadogia e jornalismo!!! Um erro ou outro vai lá, mas uma prova praticamente vermelha de tantos erros que ultrapassam o ridículo é demais... O problema deve ser o fato que as pessoas, ao saírem do ensino médio, simplesmente se esquecem ou se negam a continuar estudando ou pelo menos treinando nem que seja digitando textos no word para ver quais palavras aparecem com aquela cobrinha vermelha na parte de baixo!! É tão simples, mas muitos preferem confiar no corretor ortográfico e se perdem na hora de escrever com um lápis ou caneta. (Quem já não se sentiu até estranho ao ter que escrever depois de um dia inteiro no computador, ou depois de uma férias inteira sem nem tocar em um caderno e em uma caneta?

Com o inglês ou qualquer outro idioma é a mesma coisa. Percebi há algum tempo que sete anos de aulas de inglês ficaram guardadas numa gaveta do meu cérebro que simplesmente requer um pouco mais de esforço para ser acessada que o normal. Solução: exercícios!

As vezes temos um tempo ocioso, nada para fazer, sem vontade de ler e sem nada de útil para fazer na internet... não custa nada caçar exercícios de ditado ou de gramática no Google. Os resultados vêm fácil e encontrar bons sites não é tão difícil quanto parece. Em uma pesquisa rápida encontrei três sites, dois de ditados em português e um em inglês, para indicar. Testei os três e gostei. Segue a lista...

Uol Educação - Ditados para Ensino Fundamental (esse requer assinatura do Uol)

Escol@24horas - Ditado Virtual (esse é de graça e foi bolado num sistema muito bom. Tem inclusive ditado sobre a nova ortografia do português. Muito bom!)

EnglishClub.com - Dictation (esse também é de graça e oferece níveis diferentes. O sistema é um pouco trabalhoso, mas eficiente: ele oferece duas velocidades de ditado para cada sentença, você digita e depois corrige com a frase original - ele não tem autocorreção. O site parece ser bem útil, mas vai ficar nos meus favoritos para as horas de ócio futuras)


Última observação: por incrível que pareça esses erros comuns (ou pegadinhas da ortografia) são ensinados no Ensino Fundamental e reforçado no Médio e em alguns casos na universidade (lembro de ter aulas de português nos dois primeiros semestres na graduação de jornalismo) e mesmo assim dá-se tão pouco valor ao português.

[Bom esclarecer antes que eu veja uma pedreira vindo na minha direção: não sou exemplo para ninguém, se procurar aqui irão achar erros, mas uns ou outros acabam passando por descuido]

domingo, 22 de abril de 2012

Dica para o dia do livro

A dica não é de livro, mas de um marcador de páginas para quem gosta de artesanato, quem sabe para servir de incentivo à leitura no dia 25 de abril ou acompanhar um livro e deixar o presente mais personalizado.

É bem simples de fazer e o efeito até me surpreendeu. Basta um plástico daqueles de encapar livros escolares, mas tem que ser um plástico mais grosso; o guardanapo para fazer decoupage no motivo escolhido e a termolina ou cola que achar melhor. Eu ainda ia escrever algumas frases com caneta permanente, mas ainda não testei para ver se dá certo, mas acho que ficaria ainda mais interessante - só não pode encher com muitos detalhes, principalmente aqueles que ficam em alto relevo senão estraga o livro.

Outro material que pode ser usado é aquelas caixinhas de plástico transparente. Ganhamos uma com ovos de páscoa esse ano e eu quase recortei ela, preferi fazer os primeiros no plástico mais maleável para ver o resultado.




terça-feira, 17 de abril de 2012

Smith e a atualidade

Apesar de várias contradições e ambiguidades na obra de Adam Smith "A Riqueza das Nações: uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações", de 1.776, há passagens e citações que, incrivelmente, são extremamente atuais:

"O homem que passa a vida inteira executando algumas operações simples e cujos efeitos talvez sejam sempre os mesmos ou bastante parecidos não tem oportunidade alguma de usar sua mente ou aproveitar sua capacidade inventiva para descobrir expedientes para vencer dificuldades que nunca ocorrem. Portanto, ele perde, naturalmente, o hábito deste esforço e, geralmente, fica tão "burro" e ignorante quanto uma criatura humana se pode tornar. O torpor de sua mente o torna não só incapaz de apreciar ou de manter qualquer conversa racional, como também de conceber qualquer sentimento generoso, nobre ou terno e, consequentemente, ter qualquer opinião até sobre muitos deveres rotineiros da vida cotidiana." (SMITH In HUNT, p. 59)

Essa foi uma citação escolhida por E. K. Hunt para explicar os efeitos do capitalismo, da acumulação de capital e de sua consequente divisão do trabalho sobre a maioria dos trabalhadores. A citação está no livro "História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica" (2005). Não é facilmente adaptável à realidade de grandes, médias ou até pequenas empresas, multinacionais ou nacionais, espalhadas por essa selva capitalista?

 Agora um detalhe curioso do livro de Hunt. Na página onde tem a ficha catalográfica da obra está escrito o seguinte: "Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação" (aí sim é pra rir!!!)

Manipulação e poder: Orwell e Reed


Tumulto, manipulação, mais tumulto, calúnias e discussões... são essas palavras, com maior ênfase para a segunda da lista, que mais ressaltam nas leituras de "A Revolução dos bichos" de George Orwell e "Os dez dias que abalaram o mundo", de John Reed.

Nesta "maratona de leituras" pessoal, fiz questão de sequenciar dois livros com temas parecidos para ver abordagens diferentes de uma (quase) mesma realidade. "A revolução dos bichos" dispensa maiores comentários, mas ficou na minha estante de livros por alguns anos. Havia começado a ler quando comprei a obra, em 2009 (eu acho), mas logo parei. Retomei Orwell logo depois de ler "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago, semanas atrás. O outro livro, de Reed, ficou no escanteio da minha lista por um tempo maior. No primeiro ano da graduação de jornalismo, em 2005, foi apresentado à sala uma lista de livros-reportagens e "Os dez dias" estava entre as indicações. Me lembro que o assunto chamou a atenção, mas a leitura não me agradou muito e a troquei por "Por quem os sinos dobram" de Ernest Hemingway (que também indico).


De forma geral os dois livros falam sobre o mundo socialista da União Soviética: as revoluções socialistas feitas em novembro de 1917 (retratada por Reed) e uma crítica à política e aos desdobramentos dessas revoluções (Orwell). Na obra de Reed, os nomes dos políticos e personagens Russos e a falta de maiores apresentações deles no texto, na minha opinião, são o ponto fraco da obra de Reed para quem não estudou com profundidade essas passagens da história. Particularmente ficava um pouco perdido no começo da leitura por não saber o nome de todos os atuantes da revolução de novembro de 1917 (o próprio Reed escreve um resumo, praticamente um guia, mostrando os partidos políticos e outros grupos atuantes na Rússia. Além disso há ambientações no primeiro capítulo e também no prefácio). Porém, o objetivo do livro é narrar os acontecimentos de dez dias que mostram o antes, durante e depois da revolução e esse objetivo é cumprido com perfeição - não é sem motivo que John Reed foi considerado um dos melhores jornalistas dos Estados Unidos.


Já o livro de Orwell é sensacional. Uma revolução dos bichos com um caráter socialista facilmente perceptível é feita pelos animais da Granja Solar. Depois da tomada do poder, da divisão dos trabalhos por todos os animais e a divisão justa dos alimentos entre os trabalhadores, agora sem nenhum patrão, mostra o ideal das primeiras revoluções socialistas da Europa oriental. Os personagens foram muito bem elaborados e só ressaltaram ainda mais a crítica feita pelo autor aos desdobramentos da história socialista. Trótski, Stalin e o proletariado estão ali bem representados pelos bichos e as relações entre eles ao longo da história mostra bem como foi se desenvolvendo a política daquele país da revolução de 1917 até os anos posteriores a tomada do poder por Stalin. É até visível um pouco da ideologia econômica de Trótski, que tive contato na matéria de Desenvolvimento Econômico na Unicamp e foi o que me motivou a ler Orwell.

Obras (espero que minimamente bem) resumidas, volto ao tema principal e as palavras que escolhi: tumulto, manipulação, mais tumulto, calúnias e discussões... Percebi uma clara semelhança entre as obras de Orwell e Reed principalmente quando comecei a ler o livro do segundo autor. Reed mostra os debates políticos feitos na Rússia no decorrer da revolução de novembro; Orwell mostra o relacionamento entre os pensadores da revolução e o "proletariado", ou restante da bicharada. Mas o que é mais interessante é a forma como essas discussões eram feitas na URSS daquela época e a forma como essas ideias eram passadas para população.

A manipulação da classe mais baixa e com pouca educação é uma das maiores críticas de Orwell. Os animais da granja, ainda dotados de um mínimo de memória, são manipulados por um dos porcos do poder. "Mas não havia uma lei que dizia que animais não usariam moedas?", chegam a se perguntar os animais quando as leis do chamado animalismo começam a ser quebradas. Então logo surge Garganta, um dos porcos, para convencer que os animais devem ter simplesmente "sonhando" com isso, "nunca houve tal lei" (este é só um exemplo e não é extremamente fiel à história).

Já Reed, fiel aos fatos da revolução que presenciou, traz citações dos panfletos e artigos publicados nos jornais em circulação e a tentativa de influenciar a população é tão clara - aí com maior compreensão visto que é a direita criticando e atacando a esquerda que sobe ao poder.

Qualquer semelhança com a nossa realidade é mera coincidência, não? Ainda temos uma imprensa que se diz imparcial e justa, mas vale sempre ficar atento às reais intenções de cada reportagem e cada capa de revista porque, em alguns casos, a manipulação não é nenhum pouco velada pelos porcos do "poder da imprensa".

terça-feira, 3 de abril de 2012

Quatro Rodas de 1.960: "A cada buraco o automobilista sofre com as suas vértebras e com as suspensões"

Começando minhas pesquisas para um projeto de iniciação científica sobre a indústria brasileira e a imprensa, encontrei minha primeira curiosidade que não poderia deixar de compartilhar aqui no blog. A revista Quatro Rodas disponibiliza todas as suas edições desde a primeira, publicada em agosto de 1960. Nas primeiras páginas a revista diz a que veio: cobrir o avanço da indústria automobilística no país, auxiliar o 'automobilista' com os cuidados do carro e dicas de turismo.

Depois do editorial a primeira reportagem traça o cenário daquela época é destes parágrafos que retirei o trecho abaixo. Acho que dispensa qualquer tipo de comentário e o leitor consegue facilmente tirar as suas próprias conclusões (ou revoltas):

1.000.000 DE CARROS + LEIS CADUCAS = CONFUSÃO

As preocupações do automobilista não param por aqui. Existem os problemas do trânsito. Faltam guardas capacitados. Falta sinalização adequada. Falta um sistema suscetível de permitir o rápido escoamento dos veículos do centro das cidades em direção dos bairros residenciais. Faltam multas e leis atualizadas para impor disciplina.

E o problema dos estacionamentos, tão intimamente ligado ao da circulação? A luta por um lugarzinho junto ao meio-fio está cada vez mais acirrada. Sem falarmos nas ruas mal calçadas ou nas que ainda aguardam pelo calçamento. A cada buraco o automobilista sofre com as suas vértebras e com as suspensões.


Seguem alguns gráficos feitos pela revista naquela época que também valem a pena serem reproduzidos junto com algumas estatísticas atuais.



De acordo com informações do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), só em janeiro deste ano foram emplacados 46.261 veículos no Brasil. Em 2011 foram 5,2 milhões, e em 2001 30,2 milhões. Informações disponíveis no site do Denatran.


Informações do Detran da frota por tipo de veículo em janeiro de 2012:
AUTOMÓVEL: 40.029.320
CAMINHÃO: 2.284.143
CAMINHÃO TRATOR: 462.006
CAMINHONETE: 4.796.184
CAMIONETA: 2.082.179
ÔNIBUS: 489.284
MOTOCICLETA: 15.697.883

No total são 70.965.139 divididos entre 20 categorias diferentes.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Um pouco de distração


Para não enlouquecer esse semestre resolvi adicionar algumas leituras nos meus horários vagos. Ler apenas textos específicos de economia pode acabar com qualquer um e levar à loucura facilmente, como ainda não cheguei neste nível altíssimo de inteligência, estou tentando ler algumas obras que nada tenham haver com economia...

A primeira leitura foi "A Resposta" de Kathryn Stockett, livro que deu origem ao filme "Histórias Cruzadas" (The Help) e que já elogiei aqui no blog. Como sempre, preferiria ter lido o livro antes de assistir ao filme, mas a ordem dos fatores foi diferente e não alterou por completo o resultado. O livro é tão ou mais sensacional quanto o filme. Claro que é impossível transpor todo o conteúdo das 500 páginas para imagens, porém o filme cumpriu com a missão de mostrar o que Stockett quis passar na sua obra best seller. O livro é realmente uma leitura transformadora e nos faz pensar sobre nossas atitudes e sobre como a sociedade realmente foi (e ainda é, com certeza). Cada situação que a autora narra ali traz sorrisos ou revoltas verdadeiras sobre o racismo e sobre quão mesquinhas e ignorantes conseguem ser algumas culturas espalhadas pelo mundo (pelo menos no mundo ocidental).

Tentei ler, logo em seguida, o livro "Guia politicamente incorreto da América Latina", mas sem sucesso. O primeiro capítulo é sobre Che Guevara e, apesar de levar em consideração os argumentos dos autores baseados nos escritos diários do próprio Che, achei a leitura tendenciosa demais. Não me surpreende que os dois autores tenham passado pela Veja! E explico o porquê dessa minha afirmação: eles se limitam demais à opiniões próprias apesar de trazer relatos de outras obras, porém com uma abordagem de extrema direita totalmente escancarada.

Enfim... depois de ler o primeiro capítulo, guardei o livro para tentar ler num futuro provavelmente distante e passei para uma obra que há muito tempo queria ler e a coloquei com prioridade nesta minha lista de descanso da economia: "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago. Há alguns anos li "A viagem do elefante" que, apesar de parecer um tema completamente tonto, prendeu minha atenção pela forma como Saramago escreve e principalmente pela genialidade do autor de fazer de um simples tema algo incrível.

Com Ensaio sobre a cegueira não é nada diferente - e acho que até melhor que a primeira obra que li. Da madrugada de sexta para sábado, no dia que peguei o livro na mão para começar a leitura, passei rapidamente pelas 70 primeiras páginas. Realmente não dá vontade de parar de ler! Apesar dos parágrafos gigantes e do português lusitano, a história nos prende de uma tal forma que se não fosse o passei em família que eu fiz no sábado pela manhã eu teria virado a madrugada lendo, sem dúvida alguma.

E realmente é mais que genial a forma como Saramago escreve! Ele não cita nenhum nome de personagem, se limita a chamá-los de "o primeiro cedo", "a mulher do médico", "o médico", "a mulher dos óculos escuros" e etc. Além disso, a forma como ele descreve os diálogo é extremamente rica. As vezes ele sequer usa a voz do segundo locutor de um diálogo ao telefone, por exemplo, se limitando apenas ao que se ouve de um dos lados da linha e você consegue entender perfeitamente o diálogo completo. Estou falando especificamente da cena em que o médico oftalmologista está conversando (quase escrevi está a conversar) com o ministério da saúdo ou com qualquer amigo médico dele e a mulher está na mesma sala ouvindo o marido ao telefone. Você se sente sentado no sofá apenas vendo e ouvindo o personagem com o telefone no ouvido conversando e respondendo as perguntas feitas. E como já disse, você sabe exatamente o que está sendo perguntado intuitivamente!

E assim como o livro A resposta, guardadas as (lógicas) devidas proporções, a história nos faz pensar e nos revoltar com o espírito humano. Como o homem consegue ser egoísta, como ele se organiza em estados parecidos com o primitivo, também como pode ser bom e organizado, entre tantos outros sentimentos, qualidades e defeitos que Saramago consegue colocar todos juntos dentro de um manicômio. "O mundo todo está aqui dentro", como pensa a mulher do médico em um determinado momento, e realmente está.

Se não fossem os textos de David Ricardo que ainda tenho que ler hoje para a aula de Economia Política, eu me deitaria no colchão para ler o máximo que eu puder, porém as próximas cenas me aguardam para a hora que eu for pegar o ônibus para ir até à Unicamp.

Vou colocar algumas citações que selecionei do livro para tentar convencer quem está lendo esse post a se encorajar na leitura da obra do Saramago:

"... se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade que tanto se fala" (p. 84)

"É desta massa que somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade" (p. 40)

A imagem que abre esse post é do filme Blindness, dirigido por Fernando Meirelles baseado na obra de Saramago. Prometi a mim mesmo que só vou assistir quando terminar a leitura!