quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Uma certa rádio e a homofobia...


Há algumas semanas um colega de classe, de Campinas, me chamou no bate-papo para me mostrar um áudio gravado de uma rádio limeirense que circula pela internet. No começo ele já se mostrou indignado com o conteúdo da conversa e perguntou se eu conhecia as pessoas que estavam se manifestando naquele áudio. Se trata de um diálogo entre donos de uma rádio local que opinavam de forma preconceituosa sobre a aprovação do primeiro casamento homossexual em Limeira. O assunto é polêmico para algumas pessoas e ao mesmo tempo um bom tema de debate.

Pela segunda vez estou tendo aulas de Ciências Sociais. A primeira foi na graduação de Jornalismo e agora na graduação de Ciências Econômicas com um foco mais voltado para a economia. A estrutura dessa aula na Unicamp é analisar o pensamento dos sociólogos considerados, como um professor definiu, a tríade da sociologia: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

Finalizamos as discussões sobre os estudos do primeiro autor e, para ter base para isto, estudamos en passant trechos de Bauman e Rosanvallon. O que interessa disso tudo para esse assunto são os conceitos de grupos sociais, valores e a estrutura da sociedade. Estruturo meu texto na minha opinião como jornalista tentando tatear o conhecimento adquirido nesse primeiro bimestre de aula.

Qual seu grupo?

Quando alguém pergunta minha religião, respondo “católico não praticante”. Como fui educado nesta religião, passei a apreciar e a ter fé em alguns elementos dela, porém há alguns anos não frequento as missas dominicais. Sou contra um padre - ou pastor, estendendo a crítica a outras religiões - dar sua opinião ferrenha sobre o que os fiéis devem considerar para suas vidas pessoais, mas como é provado, isso é inerte na nossa sociedade.

Se me perguntar onde eu moro, onde trabalho, o que estudo, com quem eu ando... muitas pessoas já me dirão quem sou. Estamos, como é defendido por Bauman, sempre inseridos em grupos sociais. O grupo dos católicos, dos estudantes de economia, dos jornalistas e etc. Isso é fruto da socialização do indivíduo e, mais ainda, produto de valores sociais que praticamente regem nossa vida.

A religião, por exemplo, é considerada por Durkheim como um fator de coesão social, ou seja, ela garante o equilíbrio e a paz na sociedade por pregar valores que são seguidos pelos integrantes deste grupo. Outros grupos menores também têm seus valores, regras e normas baseados na identificação de qualidade e defeitos que se complementam ou se repelem em relação a outros grupos. Cada grupo controla seus indivíduos por meio da coerção social estabelecendo penas aos transgressores, aos chamados “outsiders” como definiu Durkheim.

Portanto, com a revisão de alguns conceitos básicos dos primeiros meses de ciências sociais é possível questionar o leitor: qual o seu grupo social? Você nasceu e foi criado com quais valores? Frequentou quais ambientes e fez amizades com quais tipos de pessoas? Refletindo sobre isso, cada um consegue encontrar, de maneira clara e direta ou indiretamente, quais são suas raízes e o que a sociedade na qual está inserido reza como certo ou errado.

Eu avaliaria o grupo social onde nasci, Limeira, como uma união de pessoas um tanto quanto tradicionalistas e conservadoras (com raras exceções inteligentes). Eu ainda acrescentaria que são pessoas pouco otimistas, afinal quem nunca ouviu a seguinte frase: “Abriu um Mac Donalds na cidade? Vamos ver quanto tempo vai durar...” Além dessa baixa autoestima, os limeirenses com os quais convivi me pareceram extremamente bairristas e com uma forte tendência a se manterem fechados para as novidades da sociedade. Para esse ponto eu vou usar uma citação de Durkheim, do livro “Da divisão social do trabalho”: “quanto mais obscura uma consciência, mais refratária à mudança, porque não vê depressa o bastante que é necessário mudar, nem em que sentido é preciso mudar” (página 17)

Por obscura eu desenharia um limeirense que não se preocupa com o debate social, que se abstém de avaliar quais são os melhores investimentos para a educação em sua cidade e que é facilmente ludibriado pelos políticos carismáticos que usam de obras populares para mostrar serviço e garantir votos e mais votos e, claro, um belo salário por quatro anos.

Opinião? Claro, pode opinar...

Não tiro o direito de ninguém expor sua opinião, mas algumas pessoas deveriam pensar melhor em como expõem essa opinião. O áudio que está circulando a internet começa com a discussão sobre a liberação do primeiro casamento homossexual de Limeira e que, se eu não estou enganado foi de uma pessoa que eu adimiro muito, uma psicóloga conhecida na cidade (a aeromoça de Santos Dumond, como a apelidei). O problema na opinião dessas duas pessoas é a forma como se referem a um “conhecido” da equipe chamando-o de todos os termos pejorativos possíveis que se pode usar para conversar com um homossexual e o uso de um veículo de comunicação para a disseminação de uma opinião sem nenhum embasamento e preconceituosa.

Se não bastasse essa lista de xingamentos, os radialistas ainda usam argumentos ridículos e arcaicos para justificar seu posicionamento contrário ao casamento homossexual. Um deles disse que Deus fez o homem e a mulher com o encaixe perfeito, isso não deveria ser contrariado. Claro que, na minha posição de comunicador, estou melhorando a frase pífia usado por um deles, mas a argumentação seguiu mais ou menos neste sentido, além de dizerem, claro, que não deveria ser dado voz à minoria e deixar os costumes da forma como estavam. A meu ver isso é um claro e explicito reflexo de como tradicionalista e conservador os limeirenses são.

Ser contra o casamento homossexual é um posicionamento pessoal, cabe a cada um, dentro de seu círculo de amizades e dentro de sua família discutir esse assunto. Assim como ser preconceituoso ou nazista... você pode ser, desde que não manifeste, ofenda ou mate ninguém. Agora tornar essa discussão pública de um jeito que denigre ainda mais a imagem aqueles que acreditam que essa conquista é um direito justo e tardio, é no mínimo irresponsável e imaturo.

Cabe aqui um questionamento da responsabilidade dos veículos de comunicação. Não tenho conhecimento de pesquisas quantitativas de ouvintes de rádio em Limeira, mas acredito que esse número seja expressivo simplesmente avaliando a aparente estrutura financeira das empresas de comunicação da cidade. Portanto, com tal importância vêm certas responsabilidades. O comunicador, especialmente o jornalista, deve ser um mediador de opiniões. Quando se fala em isenção jornalística, independência e credibilidade está em discussão (quase que de forma utópica) a capacidade de o jornalista avaliar os fatos e expor ao seu público as versões da verdade e da opinião para que o público consiga, sozinho, formular sua própria opinião e se posicionar.

Com certeza o programa daquela rádio não deve ter uma base jornalística (até porque se tivesse estariam só lendo notícia dos jornais impressos e recolhendo reclamações de ouvintes por telefone e fazendo críticas às autoridades públicas, como é de praxe na cidade). Porém, esse fato não deveria ser usado como justificativa para a liberdade de usar palavras tão grosseiras e emitir opiniões tão preconceituosas e sem nenhuma argumentação convincente. Se quisessem discutir o tema, deveriam ter convidado o casal que recebeu o aval para firmar a relação conjugal e algum profissional que pudesse confrontar a opinião deles (ou delas) de forma civilizada e inteligente.

Vale aqui mais uma frase de Durkheim para reflexão: “As vias de comunicação determinam de maneira imperiosa o sentido em que se fazem as migrações interiores e as trocas, e mesmo até a intensidade de tais migrações, etc”. Este é um trecho de um livro no qual o sociólogo francês explica o que é fato social. Aí ele explica que as vias de comunicação têm um forte poder sobre como os valores são trocados dentro da sociedade.

Este debate chega a um fim óbivio: os meios de comunicação têm sim uma responsabilidade muito grande para com o público, afinal que adolescente ou jovem não foi influenciado por alguma moda lançada pela Globo? Ou que dona de casa não procurou aquele copo que aparece na novela para decorar sua mesa de jantar?

A responsabilidade dos meios de comunicação, quer sejam eles gigantescos, imperiais, ou minúsculos, locais e do interior do estado, deveria ser repensada. Qual é o objetivo da sua rádio? Pra quê ela serve além de tocar música o dia inteiro? Se você abrir um espaço para algum comunicador conversar com seus ouvintes, qual a responsabilidade dele? O que ele tem a acrescentar para a vida dessas pessoas que fazem questão de ligar o rádio para ouvir nem que seja de forma desatenciosa?

E seu jornal e seu programa de televisão? Têm algum objetivo ético e moral? Tem alguma filosofia que ultrapasse a simples crítica política do partido da situação? Sua coluna semanal é só para ficar criticando a roupa da primeira dama, o choro da vereadora ou você tem realmente algo a acrescentar para seus leitores? As notícias que são publicadas nas suas páginas impressas e eletrônicas trazem discussões atuais que mostram todos os lados do fato ou você é incapaz de pensar o jornalismo como uma ferramenta que forma opinião do seu leitor e tenta levar a ele o esclarecimento necessário para ele ter uma qualidade de vida melhor? Você escreve textos curtos pressupondo que seu leitor nunca vai ler um texto bem elaborado independente do tamanho que ele ocupe nas páginas ou prefere cortar todo o conteúdo que valorize o debate em detrimento do anunciante que leva dinheiro para a empresa?

As vezes é preciso parar e refletir sobre qual o seu papel no mundo e se você está aqui para olhar diretamente para o seu umbigo com uma consciência totalmente obscura ou se você consegue levantar a cabeça e olhar que a sociedade evolui e precisa de pessoas inteligentes e pensantes para ajudar a população a enxergar que alguns valores estão ultrapassados e que mantê-los pode até ser considerado um crime (vide o preconceito)...

Um comentário:

Júlio disse...

Bauman queria, com esse livro, propor um olhar mais crítico sobre a sociedade e, portanto, mais tolerante quanto à sua diversidade e distinções. E parece que isso passou ao largo das opiniões jornalísticas dos radialistas limeirenses.
Cabe sim, com toda propriedade que você colocou em seu texto Alex, repensar as responsabilidades da impressa. Uma notícia de 3 anos atrás mostra, por exemplo, como políticos contrariando a constituição são proprietários de muitos meios de comunicação (http://www.sindijornalistases.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=95&Itemid=34).
Não creio na imparcialidade ou independência jornalística, simplesmente porque todo meio de comunicação possui proprietários que possuem interesses próprios (afinal nossa sociedade está organizada de forma que cada qual defende o seu, ou a seu grupo, não?!).
Há, na minha opinião, meios de comunicação mais dignos do que outros, simplesmente porque explicitam sua posição. Não querem disfarçar o lobo de cordeiro, mostrando ao leitor, ouvinte ou telespectador uma imparcialidade da qual definitivamente não compartilham.
Em alguns países, inclusive da América Latina, quando políticos tenderam a enfrentar os meios de comunicação de frente, como se fossem partidos de oposição, foram inundados de críticas. Aqui no Brasil quando se toca, ao longe que seja, no assunto da regulamentação da imprensa, erguem-se potentes vozes defendendo uma suposta democracia (e muitos se deixam levar por seus argumentos amedrontados pela não distante sombra do período ditatorial). Mas que democracia é essa onde a opinião da massa é controlada e movida ao bel prazer de pequenos grupos?