Quando a gente para e pensa que a profissão não cria mais nenhuma novidade, eis que alguém se destaca com uma nova forma de fazer jornalismo. A cena acima é do jornalista e cartunista Joe Sacco, do HQ "Notas Sobre Gaza". O quadrinho foi tema de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo do último domingo. Há uma entrevista muito legal com o autor no blog da jornlaista Raquel Cozer (vejam aqui).
Como a entrevista é um pouco grande, vou copiar dois trechos pequenos, mas vale muito a pena ler sobre o jornalista e sobre os acontecimentos da Faixa de Gaza que Sacco relata com sua arte autodidata. Ele demorou sete anos entre pesquisa e produção desses quadrinhos e, segundo as informações do blog de Cortez, o HQ deve chegar nas livrarias ainda este mês pela Quadrinhos na Cia.
Vejam dois trechos que são interessantes para ver a produção deste novo tipo de jornalismo e também para entender o que se passa no HQ:
No livro, vários palestinos dizem que o que aconteceu em 1956 não era importante. Por que tinha tanta certeza de que era?
Os massacres em si eram importantes. Na história do conflito entre palestinos e israelenses, os dois incidentes estão entre os maiores com morte de civis. O de Khan Younis teve o maior número de mortes de civis num único dia em solo palestino. Se os sobreviventes estavam vivos, por que não falar com eles em vez de apenas confiar nos poucos parágrafos do relatório da ONU, que não esclarecem o que houve? Mas ainda há outro lado. Os incidentes fazem parte de um continuum de ataques. As pessoas mais novas, especialmente, perguntavam: “Por que quer saber dessas histórias velhas com tudo o que está acontecendo?” O ponto é que, como jovem no Oriente Médio, você não digere o que aconteceu porque há sempre algo novo sendo enfiado goela abaixo. É triste alguém pensar que não vale a pena olhar para trás.
Mas, entre os mais velhos, havia interesse em falar das guerras de 1948 e 1967.
Sim, isso é verdade. Também acontecia de eles confundirem períodos. Houve tanta coisa difícil na história deles que às vezes eles não sabiam mais dizer o que aconteceu e quando.
Como foi o trabalho de filtrar depoimentos contraditórios?
Bem, você tem que olhar para as lembranças de pessoas sobre o que aconteceu há 50 anos com… não diria ceticismo, mas é preciso olhar de perto para dizer o quanto é de fato verdadeiro, o quanto do que outras pessoas disseram a elas passa a fazer parte das memórias delas também. Não é que não confiasse nelas, mas fiz questão de mostrar em Notas Sobre Gaza essas contradições nos depoimentos para que o leitor conhecesse um problema que enfrentei. O que importa é que o arco da história é real. Algumas pessoas se confundiram, outras disseram coisas que não encaixam na história, mas o arco é real.
[...]
Esse cenário conflituoso você já tinha retratado em Palestina¹. Como começou a se interessar por aquela região?
Quando estava no colégio, eu associava palestinos com terrorismo porque toda vez que ouvia falar neles tinha a ver com bombas ou ameaças. Então fui estudar jornalismo, e, quando comecei a entender o que acontecia no Oriente Médio, me dei conta: os americanos sempre se colocaram como os grandes expoentes do jornalismo, mas nunca me contaram direito o que está acontecendo. Eu me senti traído pela minha profissão. Então, nos anos 80, quis tirar essa história a limpo. Não estava certo do que veria, mas achei que podia retratar minhas experiências na Palestina.
E foi daí que veio a ideia de fazer jornalismo em quadrinhos?
Bem, Palestina foi o primeiro exemplo disso. Não estava pensando em criar uma nova… forma de arte ou seja o que for. Não foi uma decisão consciente, foi meio orgânico. Pensei: vou viver essas experiências, falar com as pessoas, anotar e colocar isso junto. É claro, eu tinha o background jornalístico e isso teve impacto no formato que a coisa tomou, mas só depois comecei a pensar mais claramente no que estava fazendo. Foi na história sobre a Bósnia (Gorazde) que comecei a pensar conscientemente em jornalismo em quadrinhos.
¹ "Palestina" é o nome do primeiro quadrinho que une jornalismo e desenho e que ganhou o prêmio American Book Award em 1996
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