terça-feira, 30 de junho de 2009

O especialista em ilusões

Resenha: um relato de não-ficção superdimencionado de alguém que tenta aprender a esperar

De todos os livros da estante, um novo título irá se sobressair entre os concorrentes da seção de auto-ajuda. “O especialista em ilusões”, não deve demorar para chegar às prateleiras com a história de um jovem administrador e escritor que nunca aprendeu a esperar. Era o que previa Angelo Ferro, que com nome de seres celestiais, era crente num poder superior que o ajudava a conquistar seus mais profundos desejos.

Para ele o tempo divino existia para ser superado, assim como os recordes de esportes olímpicos. Sem muita paciência para observar ou escutar o barulho do relógio da parede da cozinha, quando perdia o sono, Angelo tratava logo de procurar o livro que estava lendo ou as folhas de sulfite para esboçar as idéias para seus projetos artísticos.

O problema com os ponteiros do relógio não afetava só sua madrugada e o descanso diário. Para tudo na vida ele diz ter lutado contra o tempo para ver o resultado antes do que diziam ser natural ou o esperado. Apesar disso, Angelo se define como “alguém que tenta aprender a esperar”.

Nas páginas de sua obra estão relatos que ele espera ser úteis para quem também sofre do mesmo problema. Sentado numa madrugada de quarta-feira, o administrador de empresas respirou e começou a colocar numa folha branca virtual suas experiências.


Assim como todo adolescente, aos 15 anos ele esperava pelos 18. “Natural” para sua idade, afinal, na turma da escola todos sempre comentavam o mesmo desejo. Os dois principais motivos era poder dirigir e entrar no cinema em um filme pornô. Nas duas ocasiões ele queria é mesmo dar a carteirada. Mostrar que era maior, que tinha um documento que comprovava que ele era legalmente dono de seu nariz. Com 23 anos nunca precisou usar o documento com a finalidade prazerosa de desafio aos adultos censores.

Na mesma época começaram as suas ilusões, ou o que lembra delas. A data, apesar de não ser bem definida na linha cronológica de sua obra, remete aos 15 ou 16 anos. A experiência que dá o início dessa história está gravada com aspas em suas memórias: “Ainda vou me apresentar nesse teatro.” No mesmo ano foi atrás de um curso básico para atores, foi introspectivo durante todas as aulas e ensaios, mas conseguiu o que havia se predestinado em frente sua família. Não foi por honra ou orgulho, mas por prazer pelo o que estava fazendo.

Quando a cortina abriu e as luzes quase ofuscaram sua visão da platéia, Angelo se sentiu em casa. Não encontrou de imediato a irmã e os pais na plateia, esqueceu por alguns instantes o texto, mas fez daquele papel o primeiro de muitas comédias. Foi o último.

Na escola se destacou em algumas séries. Foi elogiado por professores, incentivado a continuar na carreira que escolheu, mesmo tendo uma concorrência tão afiada no mercado. Até chegou a receber prêmio em um dos concursos que colocou toda sua confiança e esforço. Antes do resultado previa a reação que teria ao receber a boa notícia. Na hora, não soube como reagir.


Todo o entusiasmo e esperança que Angelo colocou na recepção do prêmio e na apresentação de seu personagem de humor não foi especial ou única. Mesmo já se definindo em um momento da obra como “pessimista assumido” – “afinal é mais fácil ganhar uma surpresa sem sair do chão a levar um tombo grande por esperar demais alguma coisa”–, o otimismo não o deixa andar sozinho pelos planos, trabalhos e aventuras. Das relações amorosas ao acesso diário dos correios eletrônicos, Angelo diz sempre “esperar uma surpresa agradável”.

Ele já se definiu como sonhador. Em uma de suas páginas diz que sonhar alimenta seus objetivos e parece dar gás para conseguir todos os detalhes das cenas que idealiza na sua cabeça. Apesar de parecer nobre, o adjetivo foi meramente descartado para não deixar ares de um lunático que, de todos os vestidos de preto sai de branco para a direção oposta.

Sem querer fazer nenhum neologismo, um de seus capítulos mostra que sua definição de si mesmo é um “sonhador otimista, ou um sonhista, otinhador, ou melhor, sonhimista”, se contradizendo ao formar a palavra de quatro sílabas. Se lhe fosse dado a oportunidade de incluir sua palavra em algum dicionário indicaria o livro para “mais informações”. Mas como o popularmente conhecido “pai dos burros” não faria propaganda de graça, apenas definiria como “aquele que acredita que sonhar e ser otimista ao mesmo tempo não é um estilo de vida, uma escolha pessoal, mas uma característica intrínseca dos desajuizados a procura de um mundo melhor contra toda infelicidade que acomete seres da mesma espécie quando perdem os sentidos infantis para o novo a cada dia”.


Sua luta diária algumas vezes acaba em lágrimas. Mesmo sentindo o salgado no rosto, ele não deixa de acreditar que na próxima vez poderá ser melhor. Isso ele sente em praticamente todas as situações e relações de seu dia a dia. No namoro, Angelo espera uma decisão diferente, que saia de todo o comum de suas parceiras. “Apenas existir não é suficiente, é preciso se tornar eterno por um pequeno gesto ou um grande feito”, escreve. Em duas das histórias que conta, cenas de cinema foram roterizadas em sua cabeça antes de colocá-las em prática, um otimismo ou sonho revelado somente nas páginas que escreveu.

Uma noite especial em um hotel a beira mar, com as flores preferidas da parceira espalhadas pelo quarto, a essência preferida dela perambulando pelo quarto na fumaça fina do incenso e luzes fracas – o suficiente para conseguir fitar os olhos em um momento de estase e externar algumas palavras sem nenhuma programação, usar a arte do improviso em alguns segundos marcados. Sonha. Planos cortados próximos à raiz com simples comentários deselegantes, fora do clima para a apresentação da cena. Entraves que aparecem ao querer ver a felicidade em sua forma mais pura estampada no rosto de outra pessoa. Acorda.

Angelo espera por flores na cama ao chegar do serviço no final da tarde. De uma visita inesperada no domingo de manhã quando ainda dorme e começa a sentir a carne de seus lábios encostar nos dela de uma forma leve e angelical. Acordar com um sorriso ou um telefonema dizendo “estou chegando”. Situações que, apesar de não acontecerem como gostaria, também não são esquecidas ou deixadas de lado como prefeririam.


De passagem do capítulo romântico para a sua rotina de trabalhador, a obra de Angelo mostra que esperar um segundo dia de trabalho melhor não é o crime que vai isolar seus sonhos e objetivos – como muitos se sentem no final do expediente. “Entre as duplas estresse e depressão e ânimo e alegria, não sei distinguir mais o que é realidade e o que é ilusão momentânea.” Esta é a frase que o autor usa como epígrafe para o capítulo de sua vida de funcionário. De autoria desconhecida – afinal sua fonte, a internet, não respeita muitos direitos autorais –, a citação é definida como “tocante”, nos momentos em que sua personalidade ‘sonhista’ é atacada pela tal infelicidade alheia definida nos dicionários.

Com um dos cargos que sempre sonhou para sua carreira de administrador de empresas, sua situação na multinacional onde trabalhou foi invejada e elogiada pelos amigos. Apesar de toda pompa que o registro na carteira de trabalho ou o logo do crachá que teve que usar todos os dias para passar pela catraca eletrônica, desistir, jogar tudo para o alto e sair gritando de sua sala já foram cenas de inúmeros pensamentos ao longo das horas que tinha que cumprir. Provavelmente esse é o preço pelo suposto status que é visto pelos amigos no seu emprego.

Uma ideia roubada ou não aproveitada, a opinião ignorada ou os conselhos de que deveria tomar cuidado com quem escolheria como amigo entre os muros da empresa, eram como acupuntura mal feita no ânimo e na carreira do autor. Apesar de abordar de forma única os desgostos de momentos singulares e pares (“afinal não acontecem uma única vez”), os relatos são usados por Angelo para transmitir a mesma lição que sempre tentaram ensinar: “não desista dos seus sonhos por maiores e mais pontudas que forem as pedras que encontrar no caminho, depois da curva a estrada vai ter uma concessionária cobrando pedágio!”

Um comentário:

Alex Contin disse...

Vou comprar quando chegar em Lixeira!