segunda-feira, 8 de junho de 2009

Palavrões, depredação e o respeito perdido

Violência escolar tira perspectiva de jovens e ânimo de professores

por Alex Contin, publicada no Caderno de Domingo do dia 7 de junho

Indiferença, rebeldia, resistência, falta de interesse e de perspectiva. A violência é um dos temas que não saem mais dos noticiários e das conversas de comadres. Há anos ela também se tornou preocupação dos conselhos escolares. O limite entre violência e indisciplina dentro das escolas, no entanto, já é invisível uma vez que um palavrão se tornou "comum" nas salas de aula, segundo alguns professores. As situações envolvem várias esferas da sociedade. Família, professores, funcionários, direção, alunos, comunidade e Estado. As consequências de toda essa situação se refletem no futuro dos estudantes, dos professores e daqueles com quem convivem.

As escolas de hoje em dia são comparadas a campos de guerras e presídios. As metáforas nada animadoras e polêmicas são feitas por alguns professores que, apesar de ainda alimentarem um sentimento bom pela licenciatura, expressam revolta e indignação com a situação das salas de aula onde atuam. Os tempos já não são mais os mesmos e aqueles que passam pelas portas em direção às lousas e livros comparam o hoje com o início da carreira. "O que mais me surpreendeu em toda minha carreira foi quando entrei pela primeira vez em uma sala na escola onde dou aulas e todos os alunos da oitava série se levantaram para me receber", comentou uma professora, que deu declarações sob a condição de não se identificar.

A situação narrada por S. aconteceu há 16 anos. Ela dá aulas há 26 e hoje sua principal reclamação é sobre a falta de interesse e respeito pela figura do professor. "Daquela época para hoje mudou da água para o vinho. Hoje os pais também não dão mais educação aos filhos e delegam isso aos professores", comenta.

Com um tempo menor dentro das salas de aula, outra professora, que identificaremos por Fátima, garante que suas palavras não são de revolta, mas sim da realidade. "A sobra da sociedade foi despejada na escola de hoje. Se entrarmos em um presídio e em uma sala de aula é a mesma coisa", polemiza. Fátima, 45, começou a dar aulas em 2000 "por falta de opção", como revela. Formada em biologia, o mercado de trabalho para sua área ficou fechado, o que a forçou a procurar aulas na rede estadual de ensino.

A professora deu aula nas "escolas de periferia", como ela mesma definiu. "Nas escolas onde dei aula era comum alunos levarem bebidas alcoólicas para a escola em garrafinhas de água, tinham um vocabulário chulo e com uma indisciplina generalizada", relata. Segundo ela, a violência verbal dentro das escolas é diária. Essa é a mesma opinião dos cinco professores com os quais o Jornal de Limeira conversou.

Até hoje Fátima não passou por agressões físicas, mas diz ter presenciado. "Atearam fogo no cabelo de uma professora amiga minha", revela. "Outra amiga chamaram de macaca, puro racismo". O que poderia ser uma revolta natural da fase da adolescência, ultrapassa alguns limites entre natural e o perigoso. "Certa vez precisamos, eu e outros professores, sair da escola escoltados pela polícia. A direção deu suspensão para uma aluna de 11 anos que estava drogada dentro da sala de aula. Ela reuniu um grupo de adolescentes e esperou os professores saírem para agredi-los", relembra.

TIPOS E CLASSIFICAÇÕES

O tema violência escolar ficou tão em voga na sociedade hoje em dia que virou até tese de doutorado. A professora e pesquisadora Alice Akemi Yamasaki defendeu em 2007, na Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP), uma tese sobre a violência no contexto escolar.

Em seu trabalho ela define o que é violência. "A palavra violência é evolução do termo latino "violentia" e o seu conceito vem, etimologicamente, do latim vis, que significa força. Trata-se do ato de força contra a natureza de algum ser".
Segundo a doutora, a cinematografia, alguns programas de computadores e videogames trabalham também a violência urbana e de guerras veiculando uma cultura eletrônica que acaba tendo reflexos na convivência doméstica e social.

No cenário escolar, a violência se expressa de duas formas: com aspectos internos (na sala de aula, relação professor-aluno e aluno-aluno) e externos à escola (contexto socioeconômico das comunidades e da escola, políticas educacionais e sociais, em geral). Na prática, o que é mais presenciado pelos personagens que estão envolvidos em toda essa problemática é resumido na configuração de violência escolar apresentada na tese de Alice.

O texto da pesquisadora mostra que a violência pode ser dividida em grupos distintos. No primeiro estão os atos contra a escola, como práticas de depredação e danificação ao patrimônio escolar, além de agressões a bens materiais de funcionários e professores.

Em Limeira, prédios e salas de aula tomadas por rabiscos e pichações não são difíceis de ser encontrados. Já quanto aos danos de bens, um dos profissionais da educação entrevistados pelo Jornal relatou que há algum tempo alunos furavam os pneus dos carros dos professores, outros chegaram a murchar todos os pneus dos veículos estacionados na rua e um dos casos mais graves, um grupo de estudantes chacoalhou o carro de um professor revoltados com punições aplicadas por ele em sala.

Uma segunda classificação apresentada por Alice é o que reúne atos "decorrentes de um padrão de sociabilidade e de relações interpessoais hostis que atingem as escolas brasileiras, incluindo-se agressões físicas e verbais dirigidas a alunos, professores e funcionários", explica.

É na dificuldade em se identificar o que são agressões verbais e o que são brincadeiras que mora a normalidade à qual atingiu os palavrões dentro da sala de aula. "Um dos alunos certa vez chegou a ofender minha mãe. Eu mandei que ele saísse, foi então que o estudante ameaçou me agredir com seus amigos. Registrei um boletim de ocorrência e sai pelos fundos da escola", conta uma professora de português de 53 anos, há 15 na profissão. Ela também não quis se identificar com medo de ainda encontrar o aluno na rua e sofrer represálias.

ORIENTAÇÕES

A prática adotada pela professora, de registrar o fato para a polícia, é orientada pela Secretaria Estadual da Educação, segundo a Assessoria de Comunicações do órgão. O governo do Estado de São Paulo prepara dois manuais para serem distribuídos em todas as escolas da rede. Apesar de não informar quais procedimentos seriam orientados para os professores no texto, a assessoria informou que o objetivo do documento é coibir a violência escolar. Ainda segundo o departamento, os registros de agressões contra alunos e professores nas escolas estaduais caíram cerca de 51% entre 2004 e 2007 de acordo com uma pesquisa feita com 210 mil professores e 5 milhões de alunos. Os casos contra professores passaram de 2.471 contra alunos e 179 contra os docentes no primeiro ano do levantamento para 1.257 e 91, respectivamente, dois anos atrás.

Apesar das orientações e das estatísticas apresentadas pelo órgão estadual, na prática o que ocorre parece ser diferente. Segundo o secretário geral do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Fábio Moraes, a violência tem aumentado ao invés de diminuir. Pesquisa divulgada pelo sindicato mostrou que, de um universo de 684 professores, 96% apontaram as agressões verbais como sendo as mais comuns dentro das escolas. A pesquisa, segundo a entidade, foi feita durante um congresso do sindicato no final de 2006. O levantamento ainda mostrou que 74% dos entrevistados conhecem professores ameaçados dentro das escolas e 70% afirmaram saber de casos de tráfico dentro das unidades da rede.

Uma segunda pesquisa apresentada pela Apeoesp - esta de 2007 e feita com 540 alunos e 17 professores de escolas municipais e estaduais de Limeira -, mostrou que 123 pessoas que responderam a pesquisa presenciaram atos de violência contra professores e 170 já viram atos de violência contra a escola, a maioria destruição dos móveis.
No município, casos registrados são xingamentos e brigas típicas da faixa etária do público da rede, de 0 a 9 anos. "Nestes casos, as professores interferem e resolvem o problema junto ao aluno", informou em nota a Assessoria de Comunicações. Já quanto a atos de vandalismo, as ações partem do exterior das unidades, por pessoas de fora das escolas.

Moraes ainda afirma que, apesar de o Estado orientar os servidores estaduais a registrarem boletins de ocorrência em casos de violência, "há uma coibição velada das denúncias". "O Estado faz pressão para não aparecerem denúncias nem os problemas da escola pública", denuncia.

HISTÓRICO

Moraes conta que os problemas de violência escolar têm um contexto desde a metade da década de 1990 quando o as escolas passaram por um processo de reorganização e estabeleceu-se a aprovação automática. "Com a reorganização das escolas o aluno passou a estudar longe de sua casa, isso fez com que eles perdessem a referência, a identificação e aproximação com a escola", explica. Além deste ponto, a aprovação automática estabelecida em 1996, na avaliação da Apeoesp, acabou com a escola. "O estado reduziu o número de funcionários efetivos que trabalham nas escolas, os professores também não ficam mais na mesma escola por muito tempo e as salas de aula estão superlotadas", aponta Moraes.

As críticas ainda vão em direção à administração do Estado. "Há uma centralização, os pais não conseguem participar da ida escolar dos filhos na forma como ela está estruturada hoje", diz.

O principal problema apontado pelos professores de toda essa violência acaba afetando o futuro dos alunos. Uma das docentes comentou que os alunos hoje em dia não têm mais interesse em estudar. Outra professora vai além: "os jovens não têm diversão nem o que comer em casa, acabam indo para a escola para brincar e comer, só".


VÍTIMAS OU CULPADOS?

Apesar de serem apontados como principais culpados por trazer a violência para dentro das escolas, os estudantes também acabam se tornando vítimas de todo o sistema. Presente em uma sala de 24 alunos, o Jornal de Limeira ouviu situações que mostram uma outra face de toda a problemática. "Um inspetor de escola uma vez xingou meu irmão de vagabundo, acusando-o de fazer algo que ele nem estava envolvido", relata uma das alunas da turma. Era noite e durante a primeira aula muitos dos alunos de 15 a 17 anos estavam cansados do longo dia na aula acompanhada pelo Jornal de Limeira. O período acaba atrapalhando o aproveitamento deles.

"Alguns professores dão aulas o dia inteiro e à noite nos tratam nervosos, descontam o estresse em nós e têm pouco interesse em dar aula", reclama outra aluna. As denúncias feitas, na maioria pelas garotas da sala, mostram até segundas intenções e falta de respeito por elas. "Um dos substitutos que veio dar aula para nós era tarado, ficava olhando e queria nos levar para a casa dele". Apesar de virar piada entre os garotos, a fala é apoiada pelas amigas.

"Droga rola solta", fala uma aluna. "As vezes sinto até a brisa aqui da sala (localizada no andar superior) quando estou dando aula", complementa a professora. Os alunos aproveitam o espaço para reclamarem por melhoras: "Muitos alunos da sala faltam de sexta e os professores não passam conteúdos mais elaborados", diz uma das alunas. "As matérias que temos não são nada interessantes", reclama o garoto que estava no grupo.

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