domingo, 13 de julho de 2008

O corpo em ópera

Tudo começa nos olhos, e para eles voltará em segundos. Uma fotografia é captada pelo olhar. Aquele sorriso eternizado pelas lentes de alguém, dá vida às lembranças do adimirador. O formato do sorriso, os dentes. A maneira como os músculos da face se contraem fazendo com que os olhos se tornem dois risquinhos de tão fechados. A sobrancelha. Uma covinha e as linhas do lado da boca. Os dedos. Separados uns dos outros, próximos ao pescoço. Dedão e indicador, um de cada lado do queixo.

Os momentos são diferentes. A foto não tem data, não tem nome, só um fotografado. Foi feita há tempo, tempo desconhecido. Épocas de caminhos separados, da inexistência de um para o outro. Mas a lembrança tem ponto certo. Tudo está mais vivo que nunca na memória, na cabeça. São fatos que voltam e passam como filme. Os sorrisos, as risadas, as palavras sussuradas, as caretas e expressões de carinho, de cuidado, de prazer, de afeto. De amor. No ônibus, no quarto, na beira da praia, na calçada. Andando, parado, comendo, descansando. Amando.

O coração domina a situação. Seu poder se mostra mais forte que qualquer outra intenção do corpo. Se aperta, bate mais forte, quase com dificuldade. O gelado dos dedos é quase imperceptícel. A sensação de estar vestido é desprezada. O coração é agora diretor da cena. Como um metrônomo dita o tempo exato do movimento suave da música. Suave e marcado. Notas fortes, interpretadas pelo músico em prantos.

Os olhos tocam a melodia que o coração rege. Fios de lágrima cortam a pele seca do rosto. Se acumulam no globo ocular, atrás dos cílios inferiores. O volume se torna pesado, e uma nota é tocada. Duas, uma de cada lado, em sintonia. Seguida de outras, e outras. Andantes em conjunto com os pulmões, que sopram o ar pela boca de forma descontínua, pausada, como se tremendo. Apesar do frio que rodeia, quem interfere no fluxo de ar é o maestro do corpo, que acelera as lágrimas, impulsiona a inspiração profunda e dá vóz a garganta que é impossibilitada de gritar o nome da fotografia como se pudesse aliviar o ponto máximo da ópera do amor.

Os olhos se fecham e a foto não é mais vista. Escuro. Mas a lembrança não se apaga.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um conto bem escrito e com alma. Gostei.