segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Reportagem especial: Fazendo arte na adolescência, o fomento do tradicional ao contemporâneo

Publicada no Caderno de Domingo, páginas 6 e 7, de 16 de agosto


Ali não é preciso nenhum tipo de palco, iluminação especial ou cortinas para separar o público dos artistas. O assoalho de madeira e as paredes rosadas do Palacete Levy, no Largo da Boa Morte, centro de Limeira, servem de coxias, camarim, estúdio de arte ou ateliê. A Oficina Carlos Gomes, que movimenta a cultura e fomenta a arte em Limeira completou, na última sexta-feira, 12 anos. No local que homenageia um dos mais importantes operistas brasileiros, cursos de teatro, dança, artes visuais e uma infinidade de linguagens modernas e tradicionais são trabalhadas com um público variado, de iniciantes a profissionais formados que buscam nas oficinas gratuitas do local uma forma de estarem atualizados com o que está em voga em cada uma das áreas artísticas. De tempos em tempos o interior do prédio rosado da esquina das ruas Boa Morte e Alferes Franco e de janelas brancas se transforma em um difusor da arte contemporânea ou em precursor da contemporaneidade da dança, do teatro e das formas e se ver o mundo.

Entrando na adolescência, a Oficina Cultural já mostra os sintomas dessa fase há algum tempo. Provocar uma visão diferente de arte nos limeirenses e aguçar a criatividade e curiosidade dos artistas da cidade e da região são atividades que fazem da escola a diferença para quem quer caminhar pela estrada da arte ou usa ela para um hobby e terapia.

A escola surgiu de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura com a antiga Secretaria de Cultura, Turismo e Eventos de Limeira, em 1997. Ela faz parte da rede de oficinas gerenciada pela Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo (Assaoc). As escolas oferecem à população do Estado atividades gratuitas.

DE ALUNA A FUNCIONÁRIA

A atriz Tatiana Alvez é uma das frequentadoras do local. Desde a abertura da oficina ela participa das atividades promovidas pela escola e atribui a esses cursos a responsabilidade pela sua formação. "Eu sou autodidata, não fiz faculdade de artes cênicas, mas aprendi muita coisa nas oficinas da Carlos Gomes, que foram responsáveis por grande parte da minha formação", diz. Na opinião da atriz, os cursos oferecidos pela escola auxiliam na formação de artistas na cidade. Apesar de reconhecer a importância do curso superior, para Tatiana as oficinas auxiliam os artistas na hora da prática, no fazer a arte.

"Os cursos despertam a vontade dos alunos de buscarem mais novidades. Muitos fazem um determinado curso aqui para conhecer a área que escolheram e depois vão fazer faculdade e se especializar ou, pelo menos, têm uma noção para outra área. Algumas pessoas também vêm fazer curso de teatro, por exemplo, para perder a timidez, para ajudar na vida pessoal", diz. Tatiana além de acompanhar toda a trajetória da escola, hoje auxilia nos serviços internos do local. Ela trabalha na oficina há sete anos e atualmente é técnica de programação cultural. Ela é uma das responsáveis pela agenda do local. "As oficinas apresentam áreas e técnicas diferentes para os artistas, serve como uma atualização do conhecimento também", conclui.

DE ALUNO A PROFESSOR

Outro profissional que passou pelas salas do Palacete Levy, prédio onde as oficinas são realizadas, é o ator e professor de teatro Daniel Martins, 28 anos. Aos 17, ele e um amigo foram se inscrever para um curso de música no local, mas acabaram fazendo um de artes cênicas. Até aquela idade Martins confessa que pensava em fazer algum curso relacionado à Comunicação Social, como Jornalismo ou Publicidade e Propaganda, no Ensino Superior e seguir carreira em uma das áreas. "Eu já tinha uma tendência para o teatro, mas a Oficina Carlos Gomes teve um papel decisivo na minha carreira", diz. Dos cursos de teatro iniciante, para os intermediários e de lá para a graduação de Artes Cênicas na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. Além desse diploma, Martins também fez outra faculdade de Letras em outra instituição e voltou para a universidade paranaense para fazer mestrado em Literatura.

Cerca de dez anos depois de sua primeira oficina em Limeira, Martins voltou para a cidade e para as paredes chapiscadas do palacete, agora como professor. Por volta de 2006, o ator ministrou uma oficina de literatura no local. O curso, que não tinha uma expectativa tão grande de público, teve todas as vagas preenchidas. Daquele ano até hoje, Martins continua a oferecer os cursos de literatura e teatro na oficina. "Eu olho para os alunos e lembro de muita coisa da minha época", conta em tom saudosista.

Para ele, que também atribui às oficinas do local um papel fundamental para a formação, a programação de cursos para Limeira e para os artistas da cidade são um centro de formação e fomento da arte. Martins conta que, na sua trajetória no local, teve oportunidade de entrar em contato com profissionais gabaritados no mercado. "Logo no começo, pouco tempo depois de ter entrado na oficina, tive contato com profissionais consagrados, cada um em sua área. Dessa forma, a oficina não só oferece uma variedade grande de cursos para a população, como também coloca os alunos em contato com essas peças renomadas".

Martins, além de estar na grade da oficina como um dos coordenadores dos cursos de teatro e literatura, desenvolve um projeto em Iracemápolis que envolve crianças de sete a 14 anos com textos de escritores clássicos como Shakespeare e Machado de Assis. O projeto chamado Núcleo de Vivência Teatral é uma proposta que trabalha um teatro inteligente com as crianças.

DE CIRCO A FOTOGRAFIA



Apesar de oferecer cursos de inúmeras linguagens, o público da Oficina Carlos Gomes tem suas preferências. Segundo o coordenador do local, Robson Trento, as áreas de maior procura são as relacionadas com artes visuais, cinema de animação, fotografia e teatro. Além destas, frequentemente a oficina traz novidades para Limeira. "Nós procuramos fomentar todos os tipos de arte e inovamos também nessas oficinas. Quando trouxemos a primeira exposição de arte contemporânea, o público não sabia direito o que estava vendo, não estava acostumado", conta. Circo, dança contemporânea, produção de máscaras, formação de público, contação de história, entre outras categorias fazem parte desse leque de opções que caminha entre a arte tradicional e a moderna.

Além dessas inovações nas linguagens, a oficina também trouxe para Limeira profissionais reconhecidos no mercado. Passaram pelo prédio a atriz Rose Campos, o cineasta Carlos Reichenbach, a dançarina contemporânea italiana Cristina Salmistraro, o diretor de teatro Antunes Filho e o grupo teatral "Os Parlapatões" - que participou da abertura da oficina, em 1997, quando ainda não era famoso, segundo Trento. "Além de pessoas 'famosas' e de renome, a Carlos Gomes também conta com profissionais que começaram seus estudos e a vida artística aqui, foram estudar fora e voltaram para ministrar alguma oficina ou nos ajudar no planejamento, como Daniel Martins e Tatiana Alves", diz.

Os resultados das oficinas também fazem história. "Um dos filmes de animação que fizemos na oficina desta área foi exibida no AnimaMundi, um evento reconhecido internacionalmente", relata Trento. Responsável pela oficina - pois levou Limeira ao mais importante festival de animação do mundo - o animador Maurício Squarisi, 50, considera Limeira um polo de produção na área.

O profissional atua na oficina desde 2000, quando ministrou seu primeiro curso na cidade. Ele é um dos fundadores do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas, entidade também reconhecida na produção de vídeos do gênero. Na oficina de estreia, o resultado das aulas contou com o vídeo "Ao Pé de Limeira", que conta a história da cidade por meio dos desenhos animados. Este e outras sete animações fazem parte do acervo da oficina. "Poucas cidades têm um acervo como esse, por isso consideramos a cidade um polo de animação", comenta.

Na visão de Squarisi, Limeira já poderia ter um estúdio de produção de animações. "Nós não conseguimos que o mesmo grupo de alunos continuasse nas oficinas ano a ano. Se o grupo de 2000 ainda estivesse participando dos cursos no local, nós teríamos um estúdio formado. Os participantes dessas oficinas são interessados no assunto, assumem o compromisso da produção e vão até o fim", conta. Empenho esse que é reconhecido nos festivais dos quais as animações participam. "Todo filme tem sido aceito em festivais com seleção rigorosa como o AnimaMundi, no qual cerca de 1,3 mil animações são inscritas e somente 300 são selecionados para a mostra". Este ano, o animador coordenou mais uma oficina que teve como resultado a animação "Sossega Leão", um clipe animado da música "Camisa Listrada", interpretada por Carmen Miranda. O vídeo ainda será lançado pela oficina e faz parte do acervo do local.

Além dos desenhos, documentários e curta-metragem também se destacam na produção da oficina. Um curta produzido pela Oficina Incurta, da produtora Nada Audiovisual, de Paulínia, ganhou espaço no 37º Festival de Gramado. O vídeo "Simplesmente, Hilda" fala sobre a escritora brasileira Hilda Hilst e instiga quem o assiste a conhecer a autora de cerca de 40 obras, conforme conta o cineasta limeirense e sócio da produtora, Ricardo Dias Picchi. O curta produzido no final de 2007 faz parte de um projeto homônimo da oficina surgiu a partir da ideia de oferecer aos alunos um suporte técnico para a produção dos vídeos. "Simplesmente, Hilda", que foi produzido pelas alunas da oficina Jéssica Zuzi e Camila Oliveira, já participou de dez festivais da área.

COMEMORAÇÃO

As comemorações dos 12 anos começaram na sexta-feira. Durante o mês de agosto, a casa exibe a 2ª Mostra de Arte Contemporânea (Mosca). Além de expor obras de artistas de Limeira, Campinas , Piraciaba, Rio Claro, Santa Gertrudes e Piraciaba, a oficina cultural também irá promover dois workshops. Os responsáveis pela palestra são os artistas Marcelo Salum e Cláudio Cretti, os dois de São Paulo (confira na programação). Cretti, segundo Trento, é um artista plástico de renome na capital. "Os dois artistas são muito bem conceituados no meio artístico de São Paulo, mas Cretti tem peças expostas em vários museus de São Paulo", conta o coordenador. Assim como em outras oficinas da casa com artistas de renome, relacionados anteriormente, a participação de Cretti é encarada por Trento como uma possibilidade de os limeirenses trocarem experiências com um profissional conceituado no mercado. "Esse intercâmbio é muito importante para a arte da cidade. No workshop o artista deixa de ser alguém que está simplesmente expondo
uma obra, ele se aproxima dos alunos, do seu público que tem a chance de tirar todas suas dúvidas e descobrir como é o processo de criação desse artista".

Além da mostra de artes, a escola adolescente se prepara para receber novos alunos, de jovens como ela a adultos e idosos, nos próximos meses em novos cursos. Na grade da escola estão cursos de moda, fotografia, pintura, teatro, entre outras. Ainda crescendo, a oficina continua ali, formando artistas no prédio centenário no centro de Limeira, com seu trabalho inovador e instigante.

Um comentário:

eduardo disse...

Alex,
obrigado por ser um jornalista que consegue olhar para a "cultura" de nossa cidade em todos seus aspectos: artístico, político, administrativo.

Principalmente, parabéns por mostrar que tem autonomia o suficiente para apontar "possíveis" falhas dos nossos gestores públicos.

Nada como não ter o "rabo preso", não é?