Morar em uma cidade diferente daquela que você nasceu e
longe de toda sua família é, sem dúvida, uma experiência interessante. Claro
que há alguns pontos negativos, como as saudades da casa da mãe ou pelo menos de
uma proximidade dela que dispense uma viagem de 2h ou mais. Também tem a
questão da vida adulta e a necessidade de administrar a geladeira de forma
consistente para não faltar nada nos últimos dias do mês. Ô saudades da
geladeira mágica que as coisas brotavam sem precisar fazer muito esforço!
Apesar de os poucos pontos negativos serem bem convincentes
do porquê não voltar para a casa dos pais, a vida com asas e em locais
distintos e distantes tem suas vantagens que fazem as saudades e as
necessidades compensarem. Há oito anos sai da casa de minha mãe. Morei lá até
2010, quando tinha 24 anos. Naquele ano fiz cursinho e consegui ser aprovado na
Unicamp. O primeiro destino, portanto, foi Campinas, interior de São Paulo. Lá
morei por seis anos em três diferentes locais da cidade. Em 2016, desempregado
e sem muitas perspectivas de algo promissor nas minhas áreas de formação
naquela cidade, resolvi voltar a estudar para o vestibular e coloquei como meta
o curso de Letras da USP, aqui na capital do estado.
De forma geral, acredito que temos duas experiências
distintas ao morar sozinho e distante da família, em outra cidade: uma delas é
a autodescoberta e a outra a descoberta da cidade. As duas poderiam dar uma
terceira experiência que seria a descoberta de um ser em um espaço urbano, em
uma sociedade – essa terceira questão, no entanto, está presente na primeira. A
segunda, será tratada em outros textos.
Um mapa para si mesmo
A autodescoberta é, em resumo, conhecer suas limitações,
habilidades e capacidade de adaptação à rotina ou aos imprevistos dessa rotina.
É ter a capacidade de se virar nos 30, literalmente. Sem mãe, sem irmã, sem
primos e, durante algum tempo, sem amigos. As habilidades sociais precisam se
desenvolver e a dependência do próximo parece diminuir pouco há pouco. Um pai
que troca a resistência do chuveiro; o amigo que topa ficar sem fazer nada na
calçada de sua casa; uma loja, pequena como uma papelaria ou tão grande quanto
um hipermercado, na qual você sabe que pode confiar no produto e,
principalmente, sabe que vai encontrar o que precisa e o local onde ele está na
prateleira.
É necessário dar alguns pulos, corridas ou cliques no
YouTube para aprender a fazer alguma coisa que você nunca precisou até aquele
momento. Ninguém te ensina a desentupir uma privada; a como evitar mosquitos de
fruta na cozinha; as vezes há pessoas que sequer sabem trocar uma lâmpada e
minimamente conhece a diferença entre água sanitária e limpa-vidros.
Sentimental e psicologicamente, o autoconhecer-se pode ser
ainda mais complicado. Sem ter com quem conversar pessoalmente, os diálogos no
WhatsApp vão perdendo o calor e o tom das palavras “palpáveis”. Seu amigo ou
amiga, irmã, mãe ou qualquer pessoa não está ali para ver sua expressão de
falsa alegria e perguntar o que está acontecendo; se pode ajudar. Obviamente
não dá para deixar de considerar que algumas amizades parecem não precisar de
rostos e presenças 100% do tempo, o sexto sentido e o conhecimento sobre a
pessoa ditam o ângulo da interpretação de palavras na tela do celular. Essa
falta gera, sim, um sentimento de vazio e sempre levanta a dúvida sobre a real
necessidade de estar tão longe de um “Boa noite!” todos os dias.
É triste, mas esta tristeza é controlável. Contudo, ela só
te dá as rédeas desse controle após algumas rasteiras da vida ou de algumas
viagens recheadas de nostalgia. Quando isso acontece é como se a borboleta
realmente saísse de um casulo – não consigo ver de outra forma. Ali, protegido
e em desenvolvimento, o mundo real parece distante e isolado. É confortável,
uma bolha. Voar, acaba sendo um trauma ou literalmente uma libertação. Se ver
capaz de ter uma vida longe das asas dos pais te obriga a se enxergar como
autossuficiente e, num estágio mais adiante, um membro de uma sociedade capaz
de usar o espaço, real ou virtual, para socializar, idealizar e talvez
transformar.
O ambiente de trabalho acaba suprindo algumas dessas
necessidades, principalmente a relacionada às amizades. Além de permitir conhecer
novas pessoas, é no ambiente de trabalho que, no fim das contas, você se
ambienta melhor. Ali temos contato com as pessoas que realmente moram na nova
cidade. Ouvimos histórias e dicas de lugares para ir; problemas nos transportes
e deficiências da cidade, especialmente uma tão grande quanto São Paulo; vemos
que as realidades em alguns lugares são realmente incomparáveis com a bolha na
qual vivemos durante muito tempo. Histórias de pais que abusavam de filhas, e
essa filha nunca perde o sorriso do rosto e o rebolado do samba apesar de as
pedras do caminho dela terem sido e serem muito mais pesadas que qualquer uma
que você já viu. É no ambiente de trabalho que ouvimos o sotaque local, apesar
de repararem mais no seu no que no deles mesmos.
Ainda sobre trabalho, ilusões podem ocorrer. Achar, por
exemplo, que São Paulo é a terra do trabalho é um mero engano. Pensar que
talvez seja a cidade na qual será possível trabalhar na própria área, como
jornalismo ou economia (no meu caso), é, talvez, ter pouco conhecimento sobre a
própria área ou parece ser um caso de “acreditar demais na própria capacidade” -
ou se deixar levar por pessoas que fazem você não acreditar nisso. Não pode
haver engano. Nesta hora, em uma cidade movida pela meritocracia e pelas
indicações, ou você mantém o foco em trabalhar no que quer e gosta,
independente da quantidade de negativas ou empresas que sequer respondem sua
candidatura, ou então você se adapta à realidade e aceita o primeiro emprego
que aparece depois de meses de procura. Os boletos são reais e não aparecem só
no final do filme, desculpe o spoiler.
A insistência neste objetivo pode cansar, pode entristecer,
pode te fazer perder a crença na sua própria capacidade. Esses efeitos
negativos, no entanto, também são controláveis. Se adaptar não é ruim e pode,
na verdade, ser uma ótima estratégia para conseguir os tão necessários
contatos. Talvez um emprego de atendente em um callcenter pode te dar aquelas
amizades já comentadas e, em um futuro não muito distante, elas serem as
indicações que você precisava. Um emprego fora da área, além disso, pode ser
uma oportunidade para começar mais uma vez e não entrar pela porta da frente, mas
pela entrada de serviço. As experiências até o momento, me fizeram crer que
talvez essa questão não seja tão factível. Tenho a atual impressão que uma
experiência em um callcenter, especialmente se for em uma empresa pouco
reconhecida por sua capacidade de gerir pessoas, pode, na verdade, manchar
oportunidades mais ambiciosas. Se não mancham, acabam por estender o caminho,
ao invés de encurta-lo.
Essa questão do trabalho, no entanto, vai ficar para um dos
próximos textos sobre as reflexões acerca de morar em São Paulo. Até lá... =)
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