A imprensa conquistou a liberdade de expressão a duras penas
depois do Ato Institucional nº 5. Hoje nenhum veículo precisa recorrer às
receitas de bolo ou aos versos de Camões para preencher um espaço que ficaria
em branco depois do crivo do governo. Isso é fato. Contudo, enquanto a
liberdade aflorava a parcialidade e o subjetivismo extremo a acompanhava. O que
se pode esperar de uma cobertura das eleições 2014 de veículos que apoiam
incondicionalmente um ou outro partido político, uma ideologia neoliberalista e
se esquece daqueles preceitos básicos do jornalismo ou das outras ideologias
que ainda têm espaço da economia, na política e na sociedade?
Gramsci identifica a imprensa como um partido político.
Perseu Abramo defende que ela manipula seu público devido aos interesses
financeiros que a empresa possui. É possível até liga-la a um aparelho de
dominação do Estado de Althusser. Independente destas características,
definições e acusações, a imprensa é e deve ser livre. Contudo, até que ponto
podem ser tão livres assim a coberturas jornalísticas que cada veículo faz?
Não parece ser errado que aquele jornal ou esta televisão
apoiem a candidatura deste ou daquele partido ou candidato à Presidência. O
Estadão foi claro, no último domingo (5/10) que apoiava a eleição de Aécio
Neves (PSDB). Com a bandeira da “hora da razão”, o jornal deu as justificativas
para se votar neste candidato e acabar com o “lulopetismo” que sua redação
tanto combate. Aceitável? Sim, são livres e não há nada que os impeça de se
transformarem em um meio de divulgação da ideologia daquele partido.
Porém, como é possível confiar na credibilidade do jornal
sendo que: (1) eles só deram espaço durante as coberturas aos três primeiros
colocados nas pesquisas de intenções de voto? (2) como podemos nos assegurar
que o tratamento dos escândalos do PT têm o mesmo peso que os do PSDB? (3) e na
parte econômica, como podemos acreditar no tal “pessimismo dos empresários”,
que o jornal tanto divulga, quando o conjunto das edições do jornal são uma
campanha de desmoralização do governo petista?
Há, sem dúvida, problemas na estrutura tributária brasileira
que desestimula os investimentos privados. Os impostos que incidem em cascata
são o exemplo mais claro disso. Contudo, após a edição do Estadão deste último
domingo fica a dúvida: este pessimismo é realmente justificável? E quem
instaura o pessimismo nos empresários: a situação econômica ou a imprensa? Há
algumas informações que podem colocar a cobertura do jornal sob suspeita.
A primeira é demográfica: São Paulo é o centro dinâmico do
país. Aqui estão as principais empresas do Brasil ou então as sedes destas grandes
empresas. Portanto, é neste estado que está a “nata do capitalismo brasileiro”.
Essa nata do capitalismo, defensores tanto da indústria quanto, principalmente,
do agronegócio, são neoliberais. Acreditam fortemente que a participação do
Estado na economia deve ser mínima. Sem subsídios, sem incentivos, sem o Estado
de bem-estar social – como disse Marilena Chauí em uma de suas palestras, o
neoliberalismo foi uma desconstrução de todo aparato social que o Estado
construiu ao longo de décadas para amparar a classe pobre e os trabalhadores.
Outra informação vem do resultado deste primeiro turno das
eleições a presidente. Em São Paulo foi reeleito Geraldo Alckimin (PSDB) com
57,31% dos votos. Por mais que grande parte dos professores reclamem da
situação da Educação; que a mídia saiba que há ainda a aprovação automática que
leva vários alunos a mal saberem interpretar um texto no Ensino Médio. Aécio
Neves (PSDB) teve 44,22% dos votos no estado. Não que esses números
representem que esta é a parcela da
população ligada ao capital, mas representam, como muito sabem, que São Paulo é
um reduto deste partido.
Há entre veículos de comunicação e seus leitores um “contrato
de leitura”, defendido por Maia (2002). Se estes veículos se antecipam aos seus
leitores, conceito de Orlandi (2006), e entregam ao público o que eles querem
ler nas páginas dos jornais, fica evidente a relação entre os resultados das
urnas e a cobertura que faz a grande mídia, especialmente o Estadão. Contudo,
até que ponto há esta antecipação e este contrato? Não estariam os jornais
negando ser um espelho da sociedade, por mais que esta teoria seja controversa,
e, no lugar disso, estariam pautando esta sociedade, inserindo nela a ideologia
que acreditam ser a melhor para a sociedade brasileira?
Se a resposta é sim ou talvez, o problema deste fato é que
falta, e muito, a pluralidade de vozes. Acima disso: falta o comprometimento do
jornalismo com a cobertura imparcial. Não é possível ler o jornal e acreditar
que haverá denúncias de corrupção do PSDB com a mesma cara, peso e tom
concedidos aos casos do PT. Uma evidência disso também é a capa do Estadão do
último domingo: foram publicadas fotos dos três principais candidatos à
Presidência da República e a chamada de cada um deles mostra o tom que cada
partido recebe. Na foto de Aécio “Fôlego no final”; na de Marina, “Do sonho à
realidade”; já na de Dilma “Tática de desconstrução”. Só por estas chamadas é
visível os tons positivos e negativo que o jornal dá a cada um dos candidatos.
Isso tudo sem insistir na velha crítica: foram só três candidatos. O caderno
especial sobre as eleições de 2014 sequer faz um perfil dos demais candidatos
no mesmo tamanho e destaque que fez para os “três principais”.
Agora ficam os questionamentos: como é possível dar a devida
credibilidade a um jornal tão grande sabendo que são “cinco pesos e uma medida”,
porém quem estabelece essa medida (o jornal) não a faz de maneira justa e
igual? Não há problema em um jornal querer apoiar o PSDB, como fez o Estadão, e
uma revista o PT, como a Carta Capital. O problema está em como cada um deles
induz seus leitores a acreditarem que sua visão é a melhor dentre todas sem
propor um debate amplo e dar espaço a todas as vozes dissonantes em relação a
sua ideologia. Quem perde com isso é o público e a democracia brasileira.
Somos livres para ler qualquer veículo de comunicação, mas
como é possível usar essa justificativa em um país onde o número de leitores
decresce a cada ano? Isso sem contar com o número de analfabetos funcionais em
São Paulo. Sendo assim, em quem confiar?
Um comentário:
Será que também não haveria parcialidade caso a imprensa promovesse candidatos sem qualquer representatividade perante o eleitorado? São candidatos cujas pesquisas de intenção de voto não passam de 2% somados, e cuja campanha se restringe ao horário eleitoral. Acho que não há interesse, nem relevância nesse tipo de notícia - a não ser, como dito, que o veículo de comunicação tenha a deliberada intenção de somar votos a tais candidatos. Acho correto que a cobertura foque aqueles com reais chances de alcançar o cargo. Observe, por exemplo, o critério utilizado para participação nos debates televisivos - partido com representatividade no Congresso: mesmo com essa restrição, ainda assim há inúmeros aventureiros, que em nada acrescentam em termos de propostas concretas para o futuro do país.
Postar um comentário