quarta-feira, 24 de setembro de 2014

"O enfrentamento do capital financeiro é possível se houver vontade política e mobilização social", afirma Luciana Genro

Fonte: Fanpage da candidata no Facebook

Sem visibilidade na grande mídia, especificamente na maior emissora de televisão (TV Globo) e em grandes jornais impressos (como Estadão e Folha), a candidata à presidência do PSOL, Luciana Genro, vem tentando apresentar seu programa de governo. Em entrevista feita por e-mail para o Blog Opinião Alex Contin, Luciana Genro destaca quais são os entraves ao desenvolvimento brasileiro e sua visão da cobertura da mídia das Eleições 2014.

Perfil
Luciana Genro define como o início de sua carreira política seus 14 anos. "Lambro até hoje do meu primeiro discurso, no dia 8 de março de 1985, Dia Internacional da Mulher. Eu subi numa cadeirinha em frente ao colégio e mandei ver. Não me lembro de nada do que eu disse, mas me lembro da emoção de ter feito um discurso na frente da escola" (Fonte: perfil da candidata).

Advogada e professora de inglês, foi eleita Deputada Estadual pelo Rio Grande do Sul em 1994 e reeleita em 1998, as duas candidaturas pelo PT. Em 2002, eleita Deputada Estadual pelo mesmo estado e partido. Contudo, foi expulsa do partido em 2003 por votar contra a Reforma da Previdência do governo Lula. Fora do partido, ajudou a fundar o PSOL em 2005 junto de Heloísa Helena e outros políticos.

Luta Política
Com pouco tempo na propaganda obrigatória e participações em debates e entrevistas televisionadas por outras emissoras que não a Globo, a candidata enxerga como principal oponente do desenvolvimento brasileiro o capital financeiro e sua ligação íntima com a Dívida Pública.

Em diversas entrevistas e em seu programa de governo, Luciana Genro (PSOL) destaca o problema da obscuridade da Dívida Pública brasileira.  Uma de suas propostas é realizar uma auditoria pública dessa dívida a fim de reduzir o valor pago pelo governo e destinar parte da verba a investimentos sociais, como educação e saúde. Para entender melhor do que se trata este tema, segue uma explicação breve sobre a dívida antes da entrevista.

A questão da Dívida
A Dívida Pública brasileira é "a dívida contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal, nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar operações com finalidades específicas definidas em lei", de acordo com o Tesouro Nacional (acessado em 24 set. 2014). Ou seja, de uma forma simples é possível visualizar a dívida pensando da seguinte forma: quando a quantidade de impostos arrecadados pelo governo é insuficiente para cobrir os gastos e as obrigações do governo, ele emite títulos públicos para captar dinheiro de investidores. Quando isso ocorre, o Tesouro Nacional se torna "devedor" destes atores, ou seja, ele deve pagar a estes compradores os juros que os títulos prometem.


Detentores da DPF  - Junho de 2014
Fonte: Tesouro Nacional (Acessado em 24 set. 2014)

A expressão máxima do combate de Luciana Genro são os bancos. Segundo ela, grande parte da arrecadação que o governo faz é para o pagamento da dívida, outro ponto chave em seu programa. Sendo assim, além de o governo se endividar com o Sistema Financeiro, ele também destina parte de sua verba para o pagamento dos juros da dívida a estes atores. Como representado no gráfico acima, os maiores detentores da Dívida Pública são as Instituições Financeiras (que detém 29,6% dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional) e os Fundos de Investimentos (20,7%).

O problema desta lógica está no fato de a Dívida Pública ser "ilegítima", como define Luciana Genro. Como grande parte desta dívida foi contraída durante a Ditadura Militar (1964-1985) e esse endividamento não se deu de forma clara, a candidata defende uma auditoria para averiguar qual seria o valor real devido pelo Brasil. A partir deste processo, caso seja eleita, seu governo teria condições de investir mais nas áreas sociais.

Entrevista
Alex Contin: Em várias entrevistas e também no programa de governo da candidata é citado o capital financeiro como um elemento que impede o desenvolvimento do Brasil por conta do pagamento dos juros. Como a candidata vê o Brasil se desenvolvendo sem a intermediação forte do capital financeiro como hoje?

Luciana Genro: Atualmente, o governo federal destina mais de 40% do orçamento para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que tem como principais beneficiários os grandes bancos e investidores, ou seja, o grande capital financeiro. Enquanto isso, áreas sociais fundamentais como a saúde e educação recebem cerca de 4% dos recursos federais.

É importante ressaltar que esta dívida está repleta de graves indícios de ilegalidades, razão pela qual é necessário fazer uma ampla e profunda auditoria sobre ela. A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988, porém, jamais foi realizada.

Por isso, enfrentar o problema da dívida é pré-condição para o crescimento significativo dos gastos sociais e para o desenvolvimento do país. Para maiores detalhes sobre este tema, vejam o seguinte artigo:

Outra consequência da supremacia do capital financeiro é a altíssima taxa de juros para financiamentos às pessoas e empresas. Conforme mostram os dados do Banco Central, atualmente a taxa média dos empréstimos dos bancos para pessoas físicas é de 43,2% ao ano, e para pessoas jurídicas, de 23,1% ao ano, taxas estas ainda superiores à taxa Selic, atualmente de 11% ao ano. Isto significa que os bancos apenas se interessam em emprestar a pessoas e empresas a juros altíssimos, pois possuem rendimentos garantidos emprestando ao governo.

Com a revisão da política de endividamento público, os bancos se verão na obrigação de emprestar ao setor produtivo e às pessoas a juros baixos.

A.C.: Uma das críticas à situação do Brasil hoje é o fato de o país não estar inserido na cadeia mundial de produção. A candidata enxerga esse fato como positivo ou negativo? Se estar fora da cadeia mundial é positivo, de que forma o Brasil pode melhorar sua balança comercial e depender menos do agronegócio? E se for negativo, qual seria o caminho que a candidata vê para que possamos superar esse atraso?

L.G.: Atualmente, o Brasil se insere na economia mundial basicamente como fornecedor de matéria prima, e importador de produtos industriais, o que é negativo, pois desta forma o país gera renda e empregos lá fora e corta empregos e renda aqui dentro. Isto ocorre pois o setor primário-exportador não agrega valor aos produtos, gera pouco emprego e concentra fortemente a renda, além de impactar o meio-ambiente.

Um dos fatores que contribuem para este processo é o câmbio, que se valorizou nos últimos 8 anos, barateando as importações e encarecendo as exportações. Isto ocorre devido às altas taxas de juros brasileiras, que estimulam investidores do mundo inteiro a trazerem seus dólares ao Brasil, para ganhar dinheiro fácil por meio do endividamento público “interno”. Com excesso de moeda estrangeira aqui dentro, o preço do dólar cai. Para resolver esta situação, é necessário reduzir as taxas de juros e estabelecer controles sobre o fluxo de capitais, conforme já fazem vários países, com sucesso.

É preciso também um investimento pesado em educação, além de fomentar a Ciência e Tecnologia, que hoje recebe apenas 0,38% do orçamento federal.



Fonte: Fanpage da candidata no Facebook

A.C.: A história do Brasil é marcada pelo domínio político e econômico de uma elite agrária. Vendo o Balanço de Pagamentos atual é visível esse fato dada nossa pauta exportadora. Além dos bancos e do capital financeiro, a especialização em produtos primários no Brasil é vista pela candidata como algo negativo?

L.G.: Sim. Conforme colocado na questão anterior, o Brasil se insere na economia mundial basicamente como fornecedor de matéria prima, e importador de produtos industriais, o que é negativo, pois desta forma o país gera renda e empregos lá fora e corta empregos e renda aqui dentro. Isto ocorre pois o setor primário-exportador não agrega valor aos produtos, gera pouco emprego e concentra fortemente a renda, além de impactar o meio-ambiente.

É preciso reorientar o sistema agrícola brasileiro, priorizando a agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, e gera a maior parte dos empregos no campo, apesar de responder pela menor parcela das terras e financiamentos agropecuários.


A.C.: Temos o potencial de nos desligarmos de uma pauta exportadora que dependa tanto de commodities e começarmos a produzir e exportar produtos de tecnologia? Se sim, de que forma?

L.G.: Em primeiro lugar, é preciso mudar a política cambial, que promove a invasão de produtos industriais, principalmente da China. Em segundo lugar, conforme também já colocado, é preciso investir pesadamente em educação, mas parece que esta não é a agenda do governo, visto que recentemente o Plano Nacional de Educação foi desfigurado em sua meta de investir 10% do PIB na Educação Pública. A base do governo no Congresso – em total sintonia com o PSDB – aceitou a contabilização (para fins da apuração dos 10% do PIB) dos recursos públicos destinados à educação privada, o que, na prática, significa a redução dos recursos para a área de educação. Além disso, é notório que o ensino superior privado no Brasil não se interessa em investir em pesquisa científica, deixando esta função essencialmente para o ensino superior público.


A.C.: Qual é a posição que as universidades públicas e suas pesquisas têm no programa da candidata?

L.G.: As universidades públicas têm um papel fundamental no desenvolvimento do país, porém, os governos têm destinado uma fatia ínfima do orçamento federal (cerca de 4%) para a área de educação. As universidades públicas são as principais produtoras de pesquisa científica. Portanto, para que possamos nos tornar independentes tecnologicamente, é necessário enfrentar o capital financeiro e mudarmos a política econômica, por meio de uma profunda e ampla auditoria da dívida pública, que atualmente consome cerca de 10 vezes mais recursos que a educação.

A.C.: A grande mídia aborda constantemente um "pessimismo" dos industriais e investidores brasileiros. A candidata concorda que haja mesmo esse pessimismo em relação à economia brasileira? Se sim, de que forma é possível conquistar a confiança novamente?

L.G.: Conforme colocado anteriormente, é preciso mudar a política cambial e reduzir os juros, para que a indústria nacional possa sobreviver. Porém, quando eu falo na indústria, estou me referindo prioritariamente aos trabalhadores, que estão sendo demitidos, por exemplo, no setor automobilístico, apesar deste setor ter obtido imensas desonerações de tributos recentemente.

É preciso, além de reduzir os juros e os tributos sobre o consumo, impedir as demissões e proteger os trabalhadores. Do contrário, os ganhos da indústria irão se traduzir somente em aumento nos lucros dos empresários, e não na melhoria de vida do povo. 

A.C.: Em uma entrevista à Folha de S. Paulo, a candidata foi questionada sobre o fato de a mídia dar visão apenas para os três "principais" candidatos. Além de dar visibilidade apenas a eles, qual outra crítica a candidata tem sobre a cobertura da mídia nas eleições deste ano?

L.G.: Geralmente, a grande imprensa costuma omitir os principais problemas do país, como, por exemplo, a dívida pública. Em qual telejornal foi mencionado que mais 40% do orçamento federal é destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública? Nenhum. Esta informação apenas foi transmitida à população nos debates dos presidenciáveis. Desta forma, a grande imprensa reproduz o discurso dominante, feito por comentaristas quase sempre alinhados com o pensamento do capital financeiro, que sempre costumam elogiar quando, por exemplo, o país faz o chamado “superávit primário”, sem dizer que isso significa, em bom português, o corte de gastos sociais para o pagamento de uma dívida ilegítima.


A.C.: Ainda falando sobre a mídia, é nítido o envolvimento direto entre bancos (capital financeiro) e a grande mídia. A queda da Selic em 2012 para 7,5% provocou um ataque ao governo usando a mídia como porta-voz deste sistema financeiro. Caso a candidata seja eleita, como será possível enfrentar o capitalismo financeiro sendo que ele tem a mídia como aliado? Neste caso, a mídia é um componente considerável nesta batalha?

L.G.: Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, ao mesmo tempo em que o governo reduzia a Taxa Selic em 2012 para 7,25% ao ano, o mesmo governo passou a emitir títulos a taxas de juros superiores à Selic, de modo que o custo médio da dívida federal acumulado nos 12 meses terminados em dez/2012 era, simplesmente, de 11,55% ao ano. Portanto, o “mercado” gosta de reclamar de barriga cheia.

Para, de fato, vencer a dominação do capital financeiro, é preciso fazer uma ampla e profunda auditoria sobre esta questionável dívida. Claro que a grande imprensa irá tentar desqualificar esta iniciativa, chamando-a de “calote”, e tentando dizer que isto provocaria uma grande crise econômica.

Porém, é interessante citarmos um grande precedente histórico que tivemos no Equador, que realizou em 2007/2008 uma auditoria oficial de sua dívida, com a participação da sociedade civil. Houve vontade política para abrir os arquivos, e foram encontradas inúmeras e graves ilegalidades na dívida, tais como dívidas sem contrato, imposições absurdas do FMI, dívidas autorizadas por pessoas sem poder para tal, juros flutuantes, aplicação de “juros sobre juros” (anatocismo), dentre várias outras irregularidades.

De posse destas informações, o Presidente da República Rafael Correa fez uma ampla e didática divulgação destas ilegalidades flagrantes descobertas pela auditoria, divulgando-as inclusive em cadeia semanal de rádio, de modo a mostrar que aquela dívida já havia sido paga, e era ilegítima. Resultado: os bancos aceitaram prontamente a redução de 70% no valor da dívida mobiliária (em títulos) externa equatoriana, um endividamento que é bastante semelhante ao brasileiro.

Isto mostra que é plenamente possível derrotar o capital financeiro, se houver vontade política e mobilização social.


*****

Minha opinião
Esta entrevista aconteceu por conta de uma atividade proposta por um professor do Instituto de Economia da Unicamp. Na disciplina de Desenvolvimento Econômico Brasileiro nos foi sugerido fazer apresentações rápidas sobre quais eram os posicionamentos dos candidatos à presidência da República sobre o tema que dá nome à matéria. Por conta da agenda da candidata não consegui apresentar as respostas, aqui publicadas, na sala de aula. Contudo, todas as afirmações da candidata aqui expressas estão em seu programa de governo, com exceção a parte sobre a cobertura da mídia, e acho que consegui transmiti-las aos meus colegas de curso.

Acompanhando mais de perto o desempenho da candidata em entrevistas e debates, vejo um esforço enorme para "aparecer". Não no sentido negativo da palavra, mas sim no sentido negativo da democracia brasileira. Como disse na introdução da entrevista, o tempo do PSOL na propaganda eleitoral obrigatória é muito curto. Se não bastasse a divisão desigual neste quesito, a mídia ainda só divulga informações sobre três dos onze candidatos à presidência: Dilma (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Além disso -- como mostrei em artigo recente publicado aqui e no Observatório da Imprensa --, quando a mídia dá espaço a essa "minoria", ainda faz questão de desmoralizar a candidata perante a opinião pública.

Me identifico com as propostas apresentadas pela Luciana Genro. Este ano concluo o curso de Ciências Econômicas na Unicamp e durante os quatro anos de estudo vi a forma como o capitalismo, e seu braço, o capitalismo financeiro, atuam na periferia do sistema, ou seja, nos países subdesenvolvidos. Quer seja em aulas de política, de micro ou macroeconomia, contabilidade nacional ou história econômica geral e do Brasil, a visão que obtive e reforcei é que vivemos em um sistema que privilegia os ricos, a elite burguesa, classe dominante, ou qualquer outro termo que seja adequado.

Muitos criticam Karl Marx e seus estudiosos usando um argumento superficial: ele é antiquado. Será? Uma leitura atenta do Capital mostra que o que foi escrito no século XIX se mantém vivo até hoje. A questão é que toda a exploração dos trabalhadores hoje é mascarada pelo discurso da modernidade. Hoje não, há algum tempo já. Nos é imposto que é preciso subir na vida, poupar, abrir seu próprio negócio e ser um empreendedor para ser feliz. Primeiro que empreendedorismo pode ser (e é) considerado como um dom. Nem todo mundo tem capacidade e talento para isso. Segundo que a ilusão da poupança é uma máscara usada pela mídia para inserir a crença, quase religiosa, de que é possível ter a mesma condição social de um personagem de novela, basta abrir uma poupança no seu banco de confiança e esperar.

Sendo assim, quando estudei estes temas aqui elencados, ficou claro que o "sucesso" é para poucos nas condições em que vivemos. E quem geralmente não enxerga isso vê no Bolsa Família, por exemplo, um programa que cria "vagabundos". Vê que não é necessário distribuir renda, e mais: que é um absurdo ter uma parte de seu rendimento revertido em assistencialismo.

No fundo, identifiquei as propostas da Luciana Genro com a teoria e a crítica dos quatro anos de graduação em Economia. É sim preciso: distribuir renda; mudar nosso sistema tributário para amenizar a carga sobre os pobres e aumentar sobre os ricos (isso é, deixar de ter uma tributação regressiva e troná-la progressiva); fazer uma reforma agrária; e, mais importante de tudo isso, rever a Dívida Pública brasileira para acabar com o enriquecimento dos bancos e outros agentes do mercado financeiro que se dá às custas do povo.

Penso que seria ótimo se todos pudessem ter a oportunidade que tive de estudar Economia. Como não é um curso desejado por todos, seria ótimo se todos pudessem dedicar uma ou duas horas, antes do primeiro turno das eleições, para avaliar seriamente as propostas dos candidatos. Ler e se informar evita que as propagandas sujas que são feitas nas redes sociais e na internet consigam o que se propõe: desmoralizações de candidatos, desinformação e manipulação eleitoral.

Dia 5 de outubro, portanto, voto 50.

Nenhum comentário: