Minha opinião não deve ser surpresa para ninguém: há nas eleições
basicamente quatro atores. Elas são dominadas por poucos partidos, disputadas
por tantos outros considerados “nanicos”, influenciadas pela grande mídia que
exacerba seus interesses em manchetes e coberturas enviesadas e “decidida”
(entre aspas mesmo) pelos eleitores.
Acompanhando mais de perto um dos candidatos à presidência
da República deste ano, a crítica à imprensa foi um argumento muito utilizado
pela candidata do PSol, Luciana Genro. Em mais de uma entrevista ela criticou a
falta de espaço que seu partido tem na cobertura da grande mídia. Em semanas
não lembro de ter visto seu nome ou de qualquer outro candidato que não seja os
três “principais” nas folhas do Estado de S. Paulo ou na tela Globo, por
exemplo. Isso é fato.
Desconsiderando por hora alguns interesses vou me ater à uma
entrevista da candidata citada para a TV Folha. A entrevista ocorreu na
sexta-feira , dia 12 de setembro, foi transmitida ao vivo e está disponível no
site do jornal hoje. Minha intenção não é fazer propaganda política, mas não há
como fazer a crítica ao jornal sem analisar o todo da entrevista e como ela foi
veiculada.
Quem procura o vídeo de Luciana Genro (PSol) no site da
folha vai se deparar com o seguinte título: “Luciana Genro defende invasão de
imóveis para moradia; veja entrevista”. No total o vídeo disponibilizado pela
Folha tem pouco mais de 46 minutos e não está completo, vide que ele foi
cortado antes de a candidata responder uma das perguntas de leitores do
veículo.
Analisando do ponto de vista da informação, o título foi
fruto de uma declaração da candidata durante uma discussão das ações do Movimento
dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). O
jornalista que a entrevistava questionou qual a posição da candidata quanto às
“invasões” de terrenos pelo MTST para fins de moradias sociais. Em sua resposta
a candidata faz uma correção: invasão, para ela, é um erro de semântica uma vez
que este termo se refere à tomada de um imóvel ocupado; ela usa então o termo
ocupação. Genro continua defendendo as ocupações usando como argumento os
preços dos aluguéis e a ação de grandes empreiteiras que teriam, na fala dela,
comprado grandes conjuntos de terra e “tomado conta do Minha Casa, Minha Vida e
hoje quem determina a política habitacional no Brasil são as empreiteiras
através do programa” do governo.
Então o jornalista lança o que eu encarei como uma
“armadilha”: “A senhora destacou a questão semântica entre invasão e ocupação
que não é uma invasão porque o terreno não está ocupado. No caso de um imóvel,
de um apartamento, uma família que tenha oito apartamentos, ela tem três
apartamentos vazios, não quer alugar, etc., o apartamento não está alugado. A
senhora defende a ocupação destes imóveis também?”
A candidata alega que “este não é o método do MTST” e é
interrompida pelo jornalista que volta a questionar: “Eu estou perguntando se a
senhora defenderia. Se a semântica vale para terreno poderia valer para isso
também, ou não?”. Se a candidata é pega ou não na armadilha é questionável.
Porém, para o que o jornalista estava em mente a armadilha capturou o urso
perfeitamente. É um exemplo claro daquelas perguntas que induzem à resposta que
o jornalista quer ouvir para usar como manchete de sua reportagem.
Ao assistir a entrevista completa e levando em conta o
programa da candidata e sua atuação no horário político e nos debates aos quais
ela é convidada, há três possíveis razões para o que eu enxergo como uma falta
de ética e estigmatização da candidata. O primeiro ponto, ligado ao seu
programa de governo, leva em consideração sua campanha contra o capitalismo
financeiro. Em vários pronunciamentos e entrevistas, Genro atribui aos bancos e
ao mercado financeiro o papel de inibidor de uma política mais social uma vez
que essas instituições mantém seus lucros enquanto o trabalhador se mantém
endividado. Neste ponto questiona-se quais os interesses da imprensa e sua
conexão com o sistema financeiro. Durante as ações do Banco Central e do
governo Dilma (PT) na derrubada da Selic entre 2011 e 2012 os jornais se
colocaram contrários os juros baixos defendendo o interesse do sistema que
beneficia especuladores.
A segunda causa possível para o jornalista lançar esta
armadilha foi o ataque direto que a candidata do PSol fez à grande mídia e à
Folha de S. Paulo. Quando questionada na mesma entrevista à TV Folha sobre a
possibilidade de seu governo controlar a mídia, Luciana Genro indagou que a
liberdade de imprensa é praticamente uma falácia, uma vez que são os donos dos
jornais que determinam o que é ou não veiculado. Além desta acusação, a
candidata também apontou a cobertura da grande mídia sobre a corrida
presidencial deste ano.
Segundo ela, os grandes jornais e emissoras de televisão só
dão espaço para três candidatos “viáveis”, na definição dela, para se votar e
complementa: “inclusive a própria Folha que cobre fundamentalmente os três
candidatos e ignora os demais. Isso não é democracia". Estava o jornalista
ofendido ou não por ter tido seu “patrão” acusado de antidemocrático, é uma
questão a ser avaliada. Se sim, lhe faltou profissionalismo; se não, esta
hipótese está descartada.
Já a terceira, é o fato de o jornalista ter sido corrigido,
ao vivo, na questão semântica da palavra invasão. Aí o argumento é o mesmo
anterior: falta de profissionalismo ou a hipótese derrubada. A avaliação destes
dois primeiros pontos deve considerar a postura dos dois jornalistas durante a
entrevista.
Independente de qualquer uma das alternativas, ao analisar a
entrevista da candidata e suas propostas para seu possível governo, o título
poderia ser diferente. Ela defendeu imposto sobre as grandes fortunas,
portanto, um título possível seria: “Luciana Genro defende taxação sobre
grandes fortunas para investir em educação”; ou então sobre o casamento civil
igualitário; a descriminalização da maconha; o fato de ela querer consultar o
povo sobre a reeleição de ocupantes de cargos políticos; entre outros.
O que a Folha fez faz parte de uma estratégia de
desmoralização desta candidata, o que não necessariamente isenta outros
candidatos de passarem pelo mesmo. Sendo um jornal lido pela classe média, o
editor que escolheu o título apelou para o imaginário popular ao usar “defende
invasão de imóveis para moradia”. Em primeiro lugar, o jornalista foi corrigido
no uso da palavra invasão, para Luciana Genro seria ocupação.
Em segundo, há um preconceito contra qualquer movimento que
fira o “direito da propriedade privada” no mundo liberal em que vivemos. Quando
a candidata foi questionada sobre a possibilidade de ocupação de “imóveis”,
leia-se “apartamentos que não estão habitados”, o jornalista resgatou do
imaginário popular o temor de que o grupo MTST começasse a “invadir”
apartamentos em São Paulo para garantirem moradias sociais. Esta estratégia não
é nova, há antecedentes na política como na eleição de Lula (PT) em 2002 quando
o petista precisou fazer uma carta para sossegar o mercado financeiro alegando
que não haveria grandes revoluções na política brasileira.
O que é visível aqui é uma candidata de esquerda sendo
colocada à margem do debate eleitoral e mais, ganhando um papel que não lhe
cabe. Recorrer ao imaginário dos leitores da Folha para que eles associassem
Luciana Genro ao MTST e sua defesa de ocupações de terrenos desocupados é um
jogo sujo. O título induz o leitor, ou neste caso, internauta a esperar pelo
momento crucial em que a candidata faz a afirmação que casa com o que foi
vendido aos seus olhos.
Trata-se pontando de uma venda casada e uma propaganda
enganosa. Enganosa porque a candidata foi pega numa armadilha, o jornalista
cometeu o “erro de semântica” no título da notícia e o que o título vende não é
necessariamente o que a candidata afirmou. E é uma venda casada porque fornece
aos leitores do jornal um box de manutenção da direita, dos interesses da
classe média e da propriedade privada e de brinde uma mensagem: “não vote nela
ou seu apartamento será invadido”. Agora fica a pergunta ao jornalista da
Folha: há em São Paulo mais proprietários de oito apartamento ou famílias que
destinam grande parte de seu salário ao aluguel?
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