quarta-feira, 24 de setembro de 2014

"O enfrentamento do capital financeiro é possível se houver vontade política e mobilização social", afirma Luciana Genro

Fonte: Fanpage da candidata no Facebook

Sem visibilidade na grande mídia, especificamente na maior emissora de televisão (TV Globo) e em grandes jornais impressos (como Estadão e Folha), a candidata à presidência do PSOL, Luciana Genro, vem tentando apresentar seu programa de governo. Em entrevista feita por e-mail para o Blog Opinião Alex Contin, Luciana Genro destaca quais são os entraves ao desenvolvimento brasileiro e sua visão da cobertura da mídia das Eleições 2014.

Perfil
Luciana Genro define como o início de sua carreira política seus 14 anos. "Lambro até hoje do meu primeiro discurso, no dia 8 de março de 1985, Dia Internacional da Mulher. Eu subi numa cadeirinha em frente ao colégio e mandei ver. Não me lembro de nada do que eu disse, mas me lembro da emoção de ter feito um discurso na frente da escola" (Fonte: perfil da candidata).

Advogada e professora de inglês, foi eleita Deputada Estadual pelo Rio Grande do Sul em 1994 e reeleita em 1998, as duas candidaturas pelo PT. Em 2002, eleita Deputada Estadual pelo mesmo estado e partido. Contudo, foi expulsa do partido em 2003 por votar contra a Reforma da Previdência do governo Lula. Fora do partido, ajudou a fundar o PSOL em 2005 junto de Heloísa Helena e outros políticos.

Luta Política
Com pouco tempo na propaganda obrigatória e participações em debates e entrevistas televisionadas por outras emissoras que não a Globo, a candidata enxerga como principal oponente do desenvolvimento brasileiro o capital financeiro e sua ligação íntima com a Dívida Pública.

Em diversas entrevistas e em seu programa de governo, Luciana Genro (PSOL) destaca o problema da obscuridade da Dívida Pública brasileira.  Uma de suas propostas é realizar uma auditoria pública dessa dívida a fim de reduzir o valor pago pelo governo e destinar parte da verba a investimentos sociais, como educação e saúde. Para entender melhor do que se trata este tema, segue uma explicação breve sobre a dívida antes da entrevista.

A questão da Dívida
A Dívida Pública brasileira é "a dívida contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal, nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar operações com finalidades específicas definidas em lei", de acordo com o Tesouro Nacional (acessado em 24 set. 2014). Ou seja, de uma forma simples é possível visualizar a dívida pensando da seguinte forma: quando a quantidade de impostos arrecadados pelo governo é insuficiente para cobrir os gastos e as obrigações do governo, ele emite títulos públicos para captar dinheiro de investidores. Quando isso ocorre, o Tesouro Nacional se torna "devedor" destes atores, ou seja, ele deve pagar a estes compradores os juros que os títulos prometem.


Detentores da DPF  - Junho de 2014
Fonte: Tesouro Nacional (Acessado em 24 set. 2014)

A expressão máxima do combate de Luciana Genro são os bancos. Segundo ela, grande parte da arrecadação que o governo faz é para o pagamento da dívida, outro ponto chave em seu programa. Sendo assim, além de o governo se endividar com o Sistema Financeiro, ele também destina parte de sua verba para o pagamento dos juros da dívida a estes atores. Como representado no gráfico acima, os maiores detentores da Dívida Pública são as Instituições Financeiras (que detém 29,6% dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional) e os Fundos de Investimentos (20,7%).

O problema desta lógica está no fato de a Dívida Pública ser "ilegítima", como define Luciana Genro. Como grande parte desta dívida foi contraída durante a Ditadura Militar (1964-1985) e esse endividamento não se deu de forma clara, a candidata defende uma auditoria para averiguar qual seria o valor real devido pelo Brasil. A partir deste processo, caso seja eleita, seu governo teria condições de investir mais nas áreas sociais.

Entrevista
Alex Contin: Em várias entrevistas e também no programa de governo da candidata é citado o capital financeiro como um elemento que impede o desenvolvimento do Brasil por conta do pagamento dos juros. Como a candidata vê o Brasil se desenvolvendo sem a intermediação forte do capital financeiro como hoje?

Luciana Genro: Atualmente, o governo federal destina mais de 40% do orçamento para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que tem como principais beneficiários os grandes bancos e investidores, ou seja, o grande capital financeiro. Enquanto isso, áreas sociais fundamentais como a saúde e educação recebem cerca de 4% dos recursos federais.

É importante ressaltar que esta dívida está repleta de graves indícios de ilegalidades, razão pela qual é necessário fazer uma ampla e profunda auditoria sobre ela. A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988, porém, jamais foi realizada.

Por isso, enfrentar o problema da dívida é pré-condição para o crescimento significativo dos gastos sociais e para o desenvolvimento do país. Para maiores detalhes sobre este tema, vejam o seguinte artigo:

Outra consequência da supremacia do capital financeiro é a altíssima taxa de juros para financiamentos às pessoas e empresas. Conforme mostram os dados do Banco Central, atualmente a taxa média dos empréstimos dos bancos para pessoas físicas é de 43,2% ao ano, e para pessoas jurídicas, de 23,1% ao ano, taxas estas ainda superiores à taxa Selic, atualmente de 11% ao ano. Isto significa que os bancos apenas se interessam em emprestar a pessoas e empresas a juros altíssimos, pois possuem rendimentos garantidos emprestando ao governo.

Com a revisão da política de endividamento público, os bancos se verão na obrigação de emprestar ao setor produtivo e às pessoas a juros baixos.

A.C.: Uma das críticas à situação do Brasil hoje é o fato de o país não estar inserido na cadeia mundial de produção. A candidata enxerga esse fato como positivo ou negativo? Se estar fora da cadeia mundial é positivo, de que forma o Brasil pode melhorar sua balança comercial e depender menos do agronegócio? E se for negativo, qual seria o caminho que a candidata vê para que possamos superar esse atraso?

L.G.: Atualmente, o Brasil se insere na economia mundial basicamente como fornecedor de matéria prima, e importador de produtos industriais, o que é negativo, pois desta forma o país gera renda e empregos lá fora e corta empregos e renda aqui dentro. Isto ocorre pois o setor primário-exportador não agrega valor aos produtos, gera pouco emprego e concentra fortemente a renda, além de impactar o meio-ambiente.

Um dos fatores que contribuem para este processo é o câmbio, que se valorizou nos últimos 8 anos, barateando as importações e encarecendo as exportações. Isto ocorre devido às altas taxas de juros brasileiras, que estimulam investidores do mundo inteiro a trazerem seus dólares ao Brasil, para ganhar dinheiro fácil por meio do endividamento público “interno”. Com excesso de moeda estrangeira aqui dentro, o preço do dólar cai. Para resolver esta situação, é necessário reduzir as taxas de juros e estabelecer controles sobre o fluxo de capitais, conforme já fazem vários países, com sucesso.

É preciso também um investimento pesado em educação, além de fomentar a Ciência e Tecnologia, que hoje recebe apenas 0,38% do orçamento federal.



Fonte: Fanpage da candidata no Facebook

A.C.: A história do Brasil é marcada pelo domínio político e econômico de uma elite agrária. Vendo o Balanço de Pagamentos atual é visível esse fato dada nossa pauta exportadora. Além dos bancos e do capital financeiro, a especialização em produtos primários no Brasil é vista pela candidata como algo negativo?

L.G.: Sim. Conforme colocado na questão anterior, o Brasil se insere na economia mundial basicamente como fornecedor de matéria prima, e importador de produtos industriais, o que é negativo, pois desta forma o país gera renda e empregos lá fora e corta empregos e renda aqui dentro. Isto ocorre pois o setor primário-exportador não agrega valor aos produtos, gera pouco emprego e concentra fortemente a renda, além de impactar o meio-ambiente.

É preciso reorientar o sistema agrícola brasileiro, priorizando a agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, e gera a maior parte dos empregos no campo, apesar de responder pela menor parcela das terras e financiamentos agropecuários.


A.C.: Temos o potencial de nos desligarmos de uma pauta exportadora que dependa tanto de commodities e começarmos a produzir e exportar produtos de tecnologia? Se sim, de que forma?

L.G.: Em primeiro lugar, é preciso mudar a política cambial, que promove a invasão de produtos industriais, principalmente da China. Em segundo lugar, conforme também já colocado, é preciso investir pesadamente em educação, mas parece que esta não é a agenda do governo, visto que recentemente o Plano Nacional de Educação foi desfigurado em sua meta de investir 10% do PIB na Educação Pública. A base do governo no Congresso – em total sintonia com o PSDB – aceitou a contabilização (para fins da apuração dos 10% do PIB) dos recursos públicos destinados à educação privada, o que, na prática, significa a redução dos recursos para a área de educação. Além disso, é notório que o ensino superior privado no Brasil não se interessa em investir em pesquisa científica, deixando esta função essencialmente para o ensino superior público.


A.C.: Qual é a posição que as universidades públicas e suas pesquisas têm no programa da candidata?

L.G.: As universidades públicas têm um papel fundamental no desenvolvimento do país, porém, os governos têm destinado uma fatia ínfima do orçamento federal (cerca de 4%) para a área de educação. As universidades públicas são as principais produtoras de pesquisa científica. Portanto, para que possamos nos tornar independentes tecnologicamente, é necessário enfrentar o capital financeiro e mudarmos a política econômica, por meio de uma profunda e ampla auditoria da dívida pública, que atualmente consome cerca de 10 vezes mais recursos que a educação.

A.C.: A grande mídia aborda constantemente um "pessimismo" dos industriais e investidores brasileiros. A candidata concorda que haja mesmo esse pessimismo em relação à economia brasileira? Se sim, de que forma é possível conquistar a confiança novamente?

L.G.: Conforme colocado anteriormente, é preciso mudar a política cambial e reduzir os juros, para que a indústria nacional possa sobreviver. Porém, quando eu falo na indústria, estou me referindo prioritariamente aos trabalhadores, que estão sendo demitidos, por exemplo, no setor automobilístico, apesar deste setor ter obtido imensas desonerações de tributos recentemente.

É preciso, além de reduzir os juros e os tributos sobre o consumo, impedir as demissões e proteger os trabalhadores. Do contrário, os ganhos da indústria irão se traduzir somente em aumento nos lucros dos empresários, e não na melhoria de vida do povo. 

A.C.: Em uma entrevista à Folha de S. Paulo, a candidata foi questionada sobre o fato de a mídia dar visão apenas para os três "principais" candidatos. Além de dar visibilidade apenas a eles, qual outra crítica a candidata tem sobre a cobertura da mídia nas eleições deste ano?

L.G.: Geralmente, a grande imprensa costuma omitir os principais problemas do país, como, por exemplo, a dívida pública. Em qual telejornal foi mencionado que mais 40% do orçamento federal é destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública? Nenhum. Esta informação apenas foi transmitida à população nos debates dos presidenciáveis. Desta forma, a grande imprensa reproduz o discurso dominante, feito por comentaristas quase sempre alinhados com o pensamento do capital financeiro, que sempre costumam elogiar quando, por exemplo, o país faz o chamado “superávit primário”, sem dizer que isso significa, em bom português, o corte de gastos sociais para o pagamento de uma dívida ilegítima.


A.C.: Ainda falando sobre a mídia, é nítido o envolvimento direto entre bancos (capital financeiro) e a grande mídia. A queda da Selic em 2012 para 7,5% provocou um ataque ao governo usando a mídia como porta-voz deste sistema financeiro. Caso a candidata seja eleita, como será possível enfrentar o capitalismo financeiro sendo que ele tem a mídia como aliado? Neste caso, a mídia é um componente considerável nesta batalha?

L.G.: Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, ao mesmo tempo em que o governo reduzia a Taxa Selic em 2012 para 7,25% ao ano, o mesmo governo passou a emitir títulos a taxas de juros superiores à Selic, de modo que o custo médio da dívida federal acumulado nos 12 meses terminados em dez/2012 era, simplesmente, de 11,55% ao ano. Portanto, o “mercado” gosta de reclamar de barriga cheia.

Para, de fato, vencer a dominação do capital financeiro, é preciso fazer uma ampla e profunda auditoria sobre esta questionável dívida. Claro que a grande imprensa irá tentar desqualificar esta iniciativa, chamando-a de “calote”, e tentando dizer que isto provocaria uma grande crise econômica.

Porém, é interessante citarmos um grande precedente histórico que tivemos no Equador, que realizou em 2007/2008 uma auditoria oficial de sua dívida, com a participação da sociedade civil. Houve vontade política para abrir os arquivos, e foram encontradas inúmeras e graves ilegalidades na dívida, tais como dívidas sem contrato, imposições absurdas do FMI, dívidas autorizadas por pessoas sem poder para tal, juros flutuantes, aplicação de “juros sobre juros” (anatocismo), dentre várias outras irregularidades.

De posse destas informações, o Presidente da República Rafael Correa fez uma ampla e didática divulgação destas ilegalidades flagrantes descobertas pela auditoria, divulgando-as inclusive em cadeia semanal de rádio, de modo a mostrar que aquela dívida já havia sido paga, e era ilegítima. Resultado: os bancos aceitaram prontamente a redução de 70% no valor da dívida mobiliária (em títulos) externa equatoriana, um endividamento que é bastante semelhante ao brasileiro.

Isto mostra que é plenamente possível derrotar o capital financeiro, se houver vontade política e mobilização social.


*****

Minha opinião
Esta entrevista aconteceu por conta de uma atividade proposta por um professor do Instituto de Economia da Unicamp. Na disciplina de Desenvolvimento Econômico Brasileiro nos foi sugerido fazer apresentações rápidas sobre quais eram os posicionamentos dos candidatos à presidência da República sobre o tema que dá nome à matéria. Por conta da agenda da candidata não consegui apresentar as respostas, aqui publicadas, na sala de aula. Contudo, todas as afirmações da candidata aqui expressas estão em seu programa de governo, com exceção a parte sobre a cobertura da mídia, e acho que consegui transmiti-las aos meus colegas de curso.

Acompanhando mais de perto o desempenho da candidata em entrevistas e debates, vejo um esforço enorme para "aparecer". Não no sentido negativo da palavra, mas sim no sentido negativo da democracia brasileira. Como disse na introdução da entrevista, o tempo do PSOL na propaganda eleitoral obrigatória é muito curto. Se não bastasse a divisão desigual neste quesito, a mídia ainda só divulga informações sobre três dos onze candidatos à presidência: Dilma (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Além disso -- como mostrei em artigo recente publicado aqui e no Observatório da Imprensa --, quando a mídia dá espaço a essa "minoria", ainda faz questão de desmoralizar a candidata perante a opinião pública.

Me identifico com as propostas apresentadas pela Luciana Genro. Este ano concluo o curso de Ciências Econômicas na Unicamp e durante os quatro anos de estudo vi a forma como o capitalismo, e seu braço, o capitalismo financeiro, atuam na periferia do sistema, ou seja, nos países subdesenvolvidos. Quer seja em aulas de política, de micro ou macroeconomia, contabilidade nacional ou história econômica geral e do Brasil, a visão que obtive e reforcei é que vivemos em um sistema que privilegia os ricos, a elite burguesa, classe dominante, ou qualquer outro termo que seja adequado.

Muitos criticam Karl Marx e seus estudiosos usando um argumento superficial: ele é antiquado. Será? Uma leitura atenta do Capital mostra que o que foi escrito no século XIX se mantém vivo até hoje. A questão é que toda a exploração dos trabalhadores hoje é mascarada pelo discurso da modernidade. Hoje não, há algum tempo já. Nos é imposto que é preciso subir na vida, poupar, abrir seu próprio negócio e ser um empreendedor para ser feliz. Primeiro que empreendedorismo pode ser (e é) considerado como um dom. Nem todo mundo tem capacidade e talento para isso. Segundo que a ilusão da poupança é uma máscara usada pela mídia para inserir a crença, quase religiosa, de que é possível ter a mesma condição social de um personagem de novela, basta abrir uma poupança no seu banco de confiança e esperar.

Sendo assim, quando estudei estes temas aqui elencados, ficou claro que o "sucesso" é para poucos nas condições em que vivemos. E quem geralmente não enxerga isso vê no Bolsa Família, por exemplo, um programa que cria "vagabundos". Vê que não é necessário distribuir renda, e mais: que é um absurdo ter uma parte de seu rendimento revertido em assistencialismo.

No fundo, identifiquei as propostas da Luciana Genro com a teoria e a crítica dos quatro anos de graduação em Economia. É sim preciso: distribuir renda; mudar nosso sistema tributário para amenizar a carga sobre os pobres e aumentar sobre os ricos (isso é, deixar de ter uma tributação regressiva e troná-la progressiva); fazer uma reforma agrária; e, mais importante de tudo isso, rever a Dívida Pública brasileira para acabar com o enriquecimento dos bancos e outros agentes do mercado financeiro que se dá às custas do povo.

Penso que seria ótimo se todos pudessem ter a oportunidade que tive de estudar Economia. Como não é um curso desejado por todos, seria ótimo se todos pudessem dedicar uma ou duas horas, antes do primeiro turno das eleições, para avaliar seriamente as propostas dos candidatos. Ler e se informar evita que as propagandas sujas que são feitas nas redes sociais e na internet consigam o que se propõe: desmoralizações de candidatos, desinformação e manipulação eleitoral.

Dia 5 de outubro, portanto, voto 50.

domingo, 14 de setembro de 2014

Eleições, jogo sujo e a venda casada para a classe média



Minha opinião não deve ser surpresa para ninguém: há nas eleições basicamente quatro atores. Elas são dominadas por poucos partidos, disputadas por tantos outros considerados “nanicos”, influenciadas pela grande mídia que exacerba seus interesses em manchetes e coberturas enviesadas e “decidida” (entre aspas mesmo) pelos eleitores.

Acompanhando mais de perto um dos candidatos à presidência da República deste ano, a crítica à imprensa foi um argumento muito utilizado pela candidata do PSol, Luciana Genro. Em mais de uma entrevista ela criticou a falta de espaço que seu partido tem na cobertura da grande mídia. Em semanas não lembro de ter visto seu nome ou de qualquer outro candidato que não seja os três “principais” nas folhas do Estado de S. Paulo ou na tela Globo, por exemplo.  Isso é fato.

Desconsiderando por hora alguns interesses vou me ater à uma entrevista da candidata citada para a TV Folha. A entrevista ocorreu na sexta-feira , dia 12 de setembro, foi transmitida ao vivo e está disponível no site do jornal hoje. Minha intenção não é fazer propaganda política, mas não há como fazer a crítica ao jornal sem analisar o todo da entrevista e como ela foi veiculada.

Quem procura o vídeo de Luciana Genro (PSol) no site da folha vai se deparar com o seguinte título: “Luciana Genro defende invasão de imóveis para moradia; veja entrevista”. No total o vídeo disponibilizado pela Folha tem pouco mais de 46 minutos e não está completo, vide que ele foi cortado antes de a candidata responder uma das perguntas de leitores do veículo.

Analisando do ponto de vista da informação, o título foi fruto de uma declaração da candidata durante uma discussão das ações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).  O jornalista que a entrevistava questionou qual a posição da candidata quanto às “invasões” de terrenos pelo MTST para fins de moradias sociais. Em sua resposta a candidata faz uma correção: invasão, para ela, é um erro de semântica uma vez que este termo se refere à tomada de um imóvel ocupado; ela usa então o termo ocupação. Genro continua defendendo as ocupações usando como argumento os preços dos aluguéis e a ação de grandes empreiteiras que teriam, na fala dela, comprado grandes conjuntos de terra e “tomado conta do Minha Casa, Minha Vida e hoje quem determina a política habitacional no Brasil são as empreiteiras através do programa” do governo.

Então o jornalista lança o que eu encarei como uma “armadilha”: “A senhora destacou a questão semântica entre invasão e ocupação que não é uma invasão porque o terreno não está ocupado. No caso de um imóvel, de um apartamento, uma família que tenha oito apartamentos, ela tem três apartamentos vazios, não quer alugar, etc., o apartamento não está alugado. A senhora defende a ocupação destes imóveis também?”

A candidata alega que “este não é o método do MTST” e é interrompida pelo jornalista que volta a questionar: “Eu estou perguntando se a senhora defenderia. Se a semântica vale para terreno poderia valer para isso também, ou não?”. Se a candidata é pega ou não na armadilha é questionável. Porém, para o que o jornalista estava em mente a armadilha capturou o urso perfeitamente. É um exemplo claro daquelas perguntas que induzem à resposta que o jornalista quer ouvir para usar como manchete de sua reportagem.

Ao assistir a entrevista completa e levando em conta o programa da candidata e sua atuação no horário político e nos debates aos quais ela é convidada, há três possíveis razões para o que eu enxergo como uma falta de ética e estigmatização da candidata. O primeiro ponto, ligado ao seu programa de governo, leva em consideração sua campanha contra o capitalismo financeiro. Em vários pronunciamentos e entrevistas, Genro atribui aos bancos e ao mercado financeiro o papel de inibidor de uma política mais social uma vez que essas instituições mantém seus lucros enquanto o trabalhador se mantém endividado. Neste ponto questiona-se quais os interesses da imprensa e sua conexão com o sistema financeiro. Durante as ações do Banco Central e do governo Dilma (PT) na derrubada da Selic entre 2011 e 2012 os jornais se colocaram contrários os juros baixos defendendo o interesse do sistema que beneficia especuladores.

A segunda causa possível para o jornalista lançar esta armadilha foi o ataque direto que a candidata do PSol fez à grande mídia e à Folha de S. Paulo. Quando questionada na mesma entrevista à TV Folha sobre a possibilidade de seu governo controlar a mídia, Luciana Genro indagou que a liberdade de imprensa é praticamente uma falácia, uma vez que são os donos dos jornais que determinam o que é ou não veiculado. Além desta acusação, a candidata também apontou a cobertura da grande mídia sobre a corrida presidencial deste ano.

Segundo ela, os grandes jornais e emissoras de televisão só dão espaço para três candidatos “viáveis”, na definição dela, para se votar e complementa: “inclusive a própria Folha que cobre fundamentalmente os três candidatos e ignora os demais. Isso não é democracia". Estava o jornalista ofendido ou não por ter tido seu “patrão” acusado de antidemocrático, é uma questão a ser avaliada. Se sim, lhe faltou profissionalismo; se não, esta hipótese está descartada.

Já a terceira, é o fato de o jornalista ter sido corrigido, ao vivo, na questão semântica da palavra invasão. Aí o argumento é o mesmo anterior: falta de profissionalismo ou a hipótese derrubada. A avaliação destes dois primeiros pontos deve considerar a postura dos dois jornalistas durante a entrevista.

Independente de qualquer uma das alternativas, ao analisar a entrevista da candidata e suas propostas para seu possível governo, o título poderia ser diferente. Ela defendeu imposto sobre as grandes fortunas, portanto, um título possível seria: “Luciana Genro defende taxação sobre grandes fortunas para investir em educação”; ou então sobre o casamento civil igualitário; a descriminalização da maconha; o fato de ela querer consultar o povo sobre a reeleição de ocupantes de cargos políticos; entre outros.

O que a Folha fez faz parte de uma estratégia de desmoralização desta candidata, o que não necessariamente isenta outros candidatos de passarem pelo mesmo. Sendo um jornal lido pela classe média, o editor que escolheu o título apelou para o imaginário popular ao usar “defende invasão de imóveis para moradia”. Em primeiro lugar, o jornalista foi corrigido no uso da palavra invasão, para Luciana Genro seria ocupação.

Em segundo, há um preconceito contra qualquer movimento que fira o “direito da propriedade privada” no mundo liberal em que vivemos. Quando a candidata foi questionada sobre a possibilidade de ocupação de “imóveis”, leia-se “apartamentos que não estão habitados”, o jornalista resgatou do imaginário popular o temor de que o grupo MTST começasse a “invadir” apartamentos em São Paulo para garantirem moradias sociais. Esta estratégia não é nova, há antecedentes na política como na eleição de Lula (PT) em 2002 quando o petista precisou fazer uma carta para sossegar o mercado financeiro alegando que não haveria grandes revoluções na política brasileira.

O que é visível aqui é uma candidata de esquerda sendo colocada à margem do debate eleitoral e mais, ganhando um papel que não lhe cabe. Recorrer ao imaginário dos leitores da Folha para que eles associassem Luciana Genro ao MTST e sua defesa de ocupações de terrenos desocupados é um jogo sujo. O título induz o leitor, ou neste caso, internauta a esperar pelo momento crucial em que a candidata faz a afirmação que casa com o que foi vendido aos seus olhos.


Trata-se pontando de uma venda casada e uma propaganda enganosa. Enganosa porque a candidata foi pega numa armadilha, o jornalista cometeu o “erro de semântica” no título da notícia e o que o título vende não é necessariamente o que a candidata afirmou. E é uma venda casada porque fornece aos leitores do jornal um box de manutenção da direita, dos interesses da classe média e da propriedade privada e de brinde uma mensagem: “não vote nela ou seu apartamento será invadido”. Agora fica a pergunta ao jornalista da Folha: há em São Paulo mais proprietários de oito apartamento ou famílias que destinam grande parte de seu salário ao aluguel?

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Minha qualificação da dissertação...

Depois de um ano e meio de trabalho, finalmente apresentei minha qualificação no mês passado. Uma amiga me perguntou quais foram as minhas impressões deste exame e resolvi escrever este texto para compartilhar com mais pessoas que passarão por essa experiência/etapa da dissertação.

Desconheço como é o exame de qualificação em outras universidades e institutos da Unicamp. Apresentei o meu no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), onde faço o curso de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural. O objetivo principal da qualificação é apresentar o desenvolvimento da dissertação após um ano de trabalho.

Em geral sei que é preciso apresentar ao menos um capítulo teórico iniciado e um capítulo mais empírico, que apresenta como a pesquisa está tomando forma. Minha dissertação é uma análise da cobertura das revistas Veja, Carta Capital, Isto é e Época do processo de privatização durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995-2002.

Por conta do projeto, apresentei três capítulos parciais: um sobre comunicação e economia, outro sobre jornalismo econômico e um terceiro que é uma análise parcial de quatro edições das revistas Veja e Carta Capital.  Não tem como apresentar três ou quatro páginas e dizer que está em andamento, óbvio, mas também não é preciso que os capítulos estejam concluídos já.

Esses capítulos, ou melhor, este texto geral é analisado por dois professores convidados. Eu escolhi uma ex-professora de Jornalismo (que tive no Isca Faculdades e hoje dá aulas na Unimep e na PUC Campinas) e um professor de História Econômica da Unicamp. Entreguei uma cópia do trabalho impressa para cada um 20 dias antes da banca para que eles tivessem tempo de ler e analisar o conteúdo.

No dia da apresentação, na minha visão, cometi um erro: quis apresentar o todo do trabalho para os dois professores convidados e para minha orientadora. O problema é: eles já leram, então pra quê apresentar tudo de novo? Este foi um problema a partir do momento que excedi o tempo de 30 minutos de apresentação. Então fica uma dica: apresente o básico dos capítulos teóricos e foque nas análises, quando a pesquisa for quantitativa ou qualitativa.

Depois de apresentar veio a arguição dos membros da banca. Algo que minha orientadora (Graça Caldas) falou desde o começo é: os professores da banca vão fazer suas críticas ao trabalho, mas cabe a nós dois aceitar ou não as sugestões deles. E é justamente isso que ocorre. Além de elogios, os professores fazem sugestões muito importantes para a continuidade do trabalho.

Um exemplo da participação da banca é a inclusão da teoria organizacional no meu trabalho. A professora de jornalismo apontou que minha defesa da manipulação da mídia ficaria vaga se eu não analisasse a organização das empresas que estão por detrás das revistas. Ou seja, dizer que a imprensa manipula a informação com base em uma ideologia X ou Y é vago uma vez que qualquer construção de texto é um processo de manipulação de fontes, palavras e informações. Sendo assim, não basta analisar o contexto social, econômico e histórico para enquadrar uma revista como heterodoxa ou ortodoxa. A dica da professora foi justamente voltar um pouco a atenção para essa teoria do jornalismo que comentei e outras que podem me dar mais embasamento para afirmar que a ideologia que está por detrás  das organizações interferem na forma como as notícias são construídas, vendidas e interpretadas pelos leitores.

O professor de Economia da Unicamp, por sua vez, focou na minha construção do contexto econômico. A principal crítica dele é que meu trabalho estava superficial e precisava de uma síntese melhor. Por ser um trabalho interdisciplinar que engloba comunicação, análise do discurso, jornalismo e economia, percebo que é impossível aprofundar tanto quanto eu gostaria em todos estes pontos. Por se tratar de um fenômeno econômico e do jornalismo especializado nessa área não tem como deixar essa discussão sem uma mínima atenção.

A arguição do professor foi pelo caminho da análise da estrutura social que está por detrás dos eventos que ocorreram nos anos 1980 e 1990. Para ele, não basta apenas citar o que aconteceu neste período é preciso se debruçar sobre a parte sociológica e as relações de poder também. Este professor dá aulas que seguem exatamente o que ele arguiu na minha qualificação – justamente por isso que o convidei para o exame. Contudo, há uma delimitação de tempo e “espaço” para tratar do tema. Mas as colocações que ele fez era exatamente o que eu queria ouvir e quero tentar incorporar no trabalho.

Enfim, após a arguição de cada um dos professores, tive um tempo para responder ou me posicionar frente às sugestões e críticas. Foi mais uma formalidade que um momento de discutir o que será incorporado ou não, afinal isso só será definido em reunião com minha orientadora e não com os membros da banca. Portanto, minha impressão é que o exame de qualificação é 30% protocolo e 70% uma nova visão sobre o trabalho. Destaque para este último ponto. A ansiedade de saber a opinião de dois novos professores sobre seu trabalho é muito interessante. Ouvir elogios e mesmo as críticas também.

Espero que tenha sido claro. ;)


Boa sorte para quem vai passar pela qualificação. Logo escrevo sobre a defesa da dissertação, mas ainda tenho mais um ano para trabalhar, então let’s go!