Durante as primeiras horas da manhã eles ficam esperando,
ansiosos. Piando de galho em galho, observam o bebedouro amarelo e rosa com
flores de plástico amarelas e azuis. O
recipiente está vazio há algum tempo, precisamente desde o dia anterior quando
a água com açúcar saciou a sede deles e de mais outros visitantes que passaram
pelo quintas e se deleitaram com a bebida.
Em dias normais, as flores artificiais são recolhidas às 9h
e voltam em menos de meia hora com a mistura de água e açúcar. Há dias, porém, em
que o bebedouro é recolhido um pouco mais tarde. Não se sabe se eles matam suas
sedes em outros lugares quando a dona do jardim se atrasa, mas a barulheira que
fazem quando a água chega parece ser sempre a mesma, independente do horário. Enquanto estiver fora, passarinhos quase do
tamanho das flores do bebedouro esperam nos galhos mais próximos da casa e
quando finalmente chega a velha primavera onde fica o café da manhã só falta
chacoalhar com tamanha movimentação.
O jardim é razoavelmente grande para uma casa de uma cidade
média do interior paulista. Nele há orquídeas, bico de papagaio, coqueiro,
acerola e outras flores rosas e laranja, mas a principal atração para os
pássaros é mesmo o bebedouro de flores de plástico. E quanto seu néctar produzido
na cozinha chega é que os fortes piados começam. São basicamente duas espécies
que aproveitam a água açucarada: um beija-flor e vários daqueles pássaros de
peito amarelo que mais parecem miniatura de bem-te-vi. Apesar de ter água
suficiente para vários deles, as duas espécies não convivem em perfeita
harmonia. Seus piados parecem mais os sons de uma torcida de uma luta de boxe
que uma orquestra de flautas. E tamanha barulheira da torcida neste jardim é
para estimular os corajosos a enfrentarem o rei do pedaço, o beija-flor.
Com seu tamanho pouco maior que as miniaturas de bem-te-vi,
o beija-flor de um azul e verde escuros e brilhante, como se tivesse deitado em
rolado em pó de madrepérola, senta sozinho em seu galho, pouco acima do
bebedouro, e observa. Em atos de bondade deixa os passarinhos menores beberem a
água com açúcar, mas como se controlasse o acesso à bebida, dá voos rasantes em
direção aos pequenos que ousam sentar no bebedouro e os espanta com rapidez. Bem-te-vis
e algumas rolinhas também passam por perto, mas não sentam-se à mesa para
beber. Provavelmente não seriam postos para voar pelo beija-flor por conta da
diferença de tamanho. Não se sabe. Também não pode se esperar nada dos pequenos.
Porém, quando o gato-helicóptero do reino das aves sai para
outros jardins e outras árvores, os ratinhos fazem a festa e também suas
brigas. Como se não bastasse serem espantados pelo rei do pedaço, ainda brigam
entre si, nos galhos da primavera e em pleno voo, como se discutissem quando
algum deles bebe mais do que o outro ou como se discordassem calorosamente da
política econômica aplicada no seu mundo animal e continuam assim, até que o
líquido acabe com a festa. Interessante seria se os piados fossem decifrados
pelo homem, talvez dali sairiam tratados de uma sociedade comunista onde cada
um tem sua vez, ou belas fofocas da passarinhada para a narrativa da próxima
novela das nove.
Nenhum comentário:
Postar um comentário