quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Vamos pensar um pouco em como lemos uma entrevista? Vamos!!!

Em geral, as entrevistas dão muito mais voz ao entrevistados que as simples notícias e reportagens. Estas só citam suas fontes (os profissionais escolhidos) para confirmar, analisar ou, embora com menos frequência, contrapor a ideia dominante do texto. ", disse"; ", afirmou"; ", assegura"; ", explica". Toda fala de uma fonte, geralmente é acompanhada de um verbo que dá o tom e enfatiza a importância daquela declaração para o texto.

Nas entrevistas, contudo, o tom é dado de uma forma totalmente diferente: ele está na apresentação do texto ou na formulação das perguntas. Geralmente os primeiros parágrafos servem tanto para apresentar quem é o entrevistado, como também para dar uma ideia geral do pensamento, ideia ou ideal que esse profissional segue ou expressa. Já as perguntas mostram o outro lado da moeda: o do jornalista que conduz a entrevista ou do veículo no qual o diálogo é publicado. É possível ver, por exemplo, a preparação do profissional ou a disposição dele de obter informações que podem beneficiar ou até "prejudicar" o entrevistado.

A entrevista com o presidente da Usiminas, o engenheiro metalúrgico Sergio Leite, publicada hoje (31/10)  no Correio Brasiliense, serve de exemplo para observar o comportamento do jornalista. Embora não seja explicitada a condição imposta ao diálogo, em três momentos o entrevistador perde importantes pontos que poderiam contradizer o entrevistado e até o programa econômico do próximo governo. É bom salientar que por "condição imposta ao diálogo" quero dizer que a entrevista pode ter sido comprada pela Usiminas para destacar sua magnitude e capacidade de recuperação; pode ter sido um "brinde" ao anunciante do jornal; pode também ser uma ressalva à importância de se olhar para a indústria e à infraestrutura do Brasil num cenário no qual Paulo Guedes critica a indústria brasileira; pode também ter sido cortada pelo editor chefe do jornal a fim de garantir uma boa relação com a empresa; entre outras mil possibilidades.

Sendo assim, quando lemos uma entrevista, devemos ficar atentos à formulação das perguntas. Elas podem só ser um subsídio para conduzir o que o entrevistado quer falar ou um confronto intelectual para trazer a transparência e mais informações para a conversa. Olha só esses exemplos retirados da entrevista selecionada:

Correio Brasiliense (CB): Quais são os problemas centrais que o novo governo deve atacar?
Sergio Leite (SL): Nós temos problemas sérios no campo da saúde, da educação e da infraestrutura. Enfrentar os desafios nessas três áreas passa por uma grande capacidade de gestão e de investimentos. Na parte de gestão, precisamos fazer uma reforma profunda no Estado brasileiro e trazê-lo para a dimensão que ele precisa, com ajustes das contas públicas. É preciso essencialmente voltar ao superavit primário e começar um processo de regularização das contas públicas. Esse processo deve levar em consideração também a reforma da Previdência e a reforma fiscal. Reforço: neste momento, devemos reduzir ao máximo os gastos com a máquina governamental.

Leite diz que precisamos de gestão e investimentos nas áreas de saúde, educação e infraestrutura, certo? Ele diz que o caminho é regular as contas da máquina pública, levando em consideração as reformas fiscal e da Previdência. Ele não diz, contudo, sobre como os investimentos poderiam ser feitos. Aliás, a pergunta que fica é: "Como poderiam ser feitos investimentos na educação e saúde para acabar com o problema nessas áreas, se há um limite para gastos do governo (a PEC do Teto de Gastos)?" Ele aponta e explica um caminho (da gestão) e só menciona o outro (dos investimentos). Frente à essa resposta vaga, o que o repórter pergunta na sequência? Veja: "Os problemas são, de fato, monumentais. O Brasil vai conseguir sair rapidamente da crise?" e "O senhor chegou a se encontrar com o presidente eleito, Jair Bolsonaro?". Em nenhuma das duas respostas ele fala sobre como poderiam ser feitos os investimentos e o tema passa batido.

Outro ponto no qual o jornalista perde uma oportunidade incrível:

CB: O maior competidor da indústria brasileira do aço é a China, certo?SL: Sim, mas na China nós não competimos contra empresas, mas contra um Estado. Trata-se de um Estado que não é uma economia de mercado, que não remunera adequadamente sua mão de obra, que não remunera adequadamente o capital e em que a prática do subsídio está presente na indústria. Ou seja, é uma concorrência desleal. Esse posicionamento da China gerou reação dos Estados Unidos. Por sua vez, a decisão protecionista do presidente Trump desencadeou uma série de reações na Europa, África e Ásia. A única região que não aplicou medidas para fazer frente a essa decisão de Trump foi a América Latina. Por isso, eu digo que é preciso fazer uma reflexão: faz sentido o Brasil ser um país liberal nas suas relações comerciais num mundo notadamente protecionista?

Reparem na última declaração de Leite. O jornalista poderia pegar essa declaração como um gancho e questionar: "Por que é preciso avaliar se faz sentido ser um país liberal?"; ou "Qual o risco para o Brasil de adotar uma política liberal frente a um cenário internacional protecionista?"; ou "Quais os entraves que uma economia liberal enfrentaria numa concorrência internacional protecionista?". O que o jornalista pergunta? Isso aqui: "Apesar da crise dos últimos anos, a Usiminas vem de uma série de resultados financeiros sólidos, voltando inclusive a operar no azul. Como isso foi possível?", tirando o foco do cenário internacional e do programa liberal de Paulo Guedes e voltando a focar no quão maravilhosa é a capacidade de Sergio Leite de reerguer a Usiminas. Esse tipo de fuga do assunto é totalmente estratégico, afinal, a resposta poderia comprometer as relações da Usiminas com o governo fascista ou comprometer o Correio Brasiliense e transformá-lo na próxima Folha de S.Paulo.

Para acabar, um último jogo de pergunta e resposta mal aproveitado:

CB: A Usiminas é um caso especial, já que ela tem acionistas japoneses e ítalo-argentinos e uma gestão brasileira. Como é trabalhar com múltiplas nacionalidades?SL: É um desafio e uma experiência extraordinária. Temos na Usiminas três forças: os brasileiros, que somam a maior parte da força de trabalho, os ítalo-argentinos e os japoneses. Tenho uma relação sólida com todos os grupos, porque o trabalho foi sempre o de buscar integração e equilíbrio. Atravessamos um período grande de conflito acionário, mas conseguimos unir as forças dentro da empresa. No “Grupo dos 10”, tenho profissionais que representam o acionista ítalo-argentino, outros que representam o acionista japonês, e os que fazem parte da força de trabalho brasileira. Durante mais de um ano e meio, conseguimos trabalhar de forma integrada, unida e pacífica. Conseguimos inclusive selar um novo acordo de acionistas, que trouxe a paz. Hoje, vivemos um cenário muito positivo. Estamos todos de mãos dadas trabalhando para construir o presente e o futuro da Usiminas.
   
Qual é a questão aqui? Claro: "Como ficariam as relações da Usiminas com a Argentina, se Paulo Guedes já deixou claro que pode não dar preferência aos países vizinhos e ao MercoSul  para priorizar as relações com os Estados Unidos?". O jornalista entra nesse ponto? Claro que não. Ele, na verdade, até faz uma pergunta que poderia levar a esse questionamento das relações com os países sul americanos, mas ela é mais focada na gestão da Usiminas: "Como está o plano de investimentos da empresa? Diante da melhoria dos resultados, os planos foram ampliados?" e o assunto morre.

Com esses três assuntos negligenciados é possível reforçar que as entrevistas mostram, e muito, a capacidade ou disposição que o veículo de comunicação tem para o diálogo. Como comentei anteriormente, as entrevistas podem ser só mais um negócio da área comercial do jornal, porém, se é assim, ela não cumpre com seu papel de questionar e esclarecer pontos importantes do cenário politico e econômico. Sem isso, as entrevistas se resumem a "puxar saco" da empresa, profissional ou anunciante.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O grito de liberdade da imprensa de direita conservadora e hipócrita

O editorial do Jornal de Piracicaba, de hoje, chocou algumas pessoas, pelo menos aquelas com as quais tenho contato no Facebook. Uma amiga veio perguntar se estava sabendo do ocorrido e logo estava eu lá lendo o texto.

Ele pareceu um grito de libertação do jornal. Um grito de quem teve que andar na linha durante muito tempo, respeitando princípios básicos e fundamentais do jornalismo. Com professores da área e outros jornalistas formados conscientes do que realmente é parcialidade, objetividade e, acima de tudo, o que é jornalismo, não só o JP, mas outros jornais do interior tiveram que minimamente respeitar alguns princípios. Nem todos, na verdade, vide que a Gazeta de Limeira, por exemplo, embora respeite algumas questões, pouco faz para avançar em um debate sério com os seus leitores ao priorizar os anúncios ao espaço para textos mais complexos e profundos. Isso só restringindo a crítica aos jornais porque se formos falar de programas sensacionalistas da TV, aí a coisa desanda sem nem precisar digitar a primeira letra do texto.

Esse grito de liberdade do JP é o mesmo que outros setores da sociedade deram ao poder assumir a homofobia, misoginia e racismo por tanto tempo preso na garganta por conta do avanço das minorias e do "politicamente correto". Tivemos, sim, nós, a minoria (prazer, faço parte dela), alguns avanços nos últimos anos, mas o sentimento que fica é que tudo vai retroceder ou estancar, pelo menos do que depende do apoio Federal às nossas causas - e pelo jeito no Estadual e Municipal também. Somos nós por nós mesmos agora e o editorial prova isso.

Fui atrás do editorial porque fiquei curioso com o buchicho que comentei lá no começo do texto, mas nada me surpreendeu ver a posição que o jornal tomou. O interior, em massa, optou pelo fascismo e várias máscaras caíram. É uma pena, mas pra eles é um alívio pra poder ter a "liberdade de expressão" preconceituosa que sempre quiseram.

Esse texto era um comentário na publicação de um ex-professor, o Paulo Roberto Botão. Um professor com quem tive meus arranca rabos na época da faculdade por conta do amor dele ao futebol e o meu ódio ao assunto, mas um professor que se mostrou consciente de seu papel no jornalismo e na formação de seus alunos. Menciono o professor aqui porque o editorial fez questão de atacá-lo como coordenador do curso de jornalismo da Unimep, comprovando, mais uma vez, que o pensamento de esqueda incomoda, ou melhor, incomoda a preocupação com uma comunicação justa e regida por princípios que respeitam a coletividade e querem a melhora da condição de vida do povo pela informação. Afinal, pra quê focar no povo se o que mais interessa esses jornais é a quantidade de anúncios, como faz a Gazeta de Limeira e tantos outros jornais por ai?

Pra quem tiver curiosidade, vejam como pensa o interior: http://www.jornaldepiracicaba.com.br/brasil-em-festa-como-nunca-antes-se-viu/

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Por que Bolsonaro conseguiu 46% dos votos no primeiro turno?

O resultado do primeiro turno da eleição deste ano foi preocupante, porém, mais que compreensível. Contra todos os discursos de alerta sobre o Bolsonaro, as pessoas estão votando no candidato por acreditar que ele é a melhor opção para acabar com a CORRUPÇÃO no Brasil. Existe, infelizmente, aqueles que compactuam com outras ideias do candidato, principalmente as de misoginia, racismo e homofobia, porém, não é possível afirmar que os 46% de eleitores de ontem são homofóbicos, misóginos e racistas - pelo menos prefiro acreditar que não.

A questão é a seguinte: como disse, é compreensível que as pessoas estejam votando no Bolsonaro com a esperança de acabar com a corrupção e a violência no Brasil, mas qual é o custo disso? Bolsonaro não propôs uma reforma política - na entrevista no Jornal Nacional, por exemplo, ele disse que todos os grandes gastos prescindiriam de assinatura e aval dele (isso é sufiente?); na questão da violência, "bandido bom é bandido morto", a solução seria concentrar traficantes na favela e descer bala neles, porém, e os inocentes naquele lugar? Se você mora em uma região não violenta e não dominada pelo tráfico, é fácil apoiar essa medida, não é? Quando o candidato foi questionado sobre os inocentes que estariam na favela, ele disse que retiraria eles de lá antes da ação; quando questionado mais uma vez sobre a morte de inocentes por balas perdidas e a impossibilidade de simplesmente "tirar os inocentes da linha de fogo", ele não respondeu nada.

Além desses dois pontos principais da campanha, que convenceu 46% dos eleitores, o problema central é o preço e o que o candidato traz consigo em um possível mandato. Ele promete empregos transformando o país em uma economia liberal, fazendo coro e dando ouvidos apenas aos empresários com os quais ele conversou. O preço disso é a perda de inúmeros direitos trabalhistas arduamente conquistados em uma economia periférica e refém de uma política econômica internacional que apenas beneficia o aumento do lucro por meio do uso de mão de obra barata (ou seja, sem direitos) em países subdesenvolvidos - isso significa que vamos continuar (e retroceder) no caminho da autonomia econômica.

Por fim e o que mais preocupa a esquerda, é a esteira, o véu dessa noiva conservadora, ou seja, todo o discurso de ódio contra negros, mulheres e homossexuais, além de uma provável ditadura militar, que vem junto com esse combate à corrupção e à violência. Esse discurso é propagado pela ignorância. Ele fala muito do "kit gay" e que não quer que um pai de família chegue em casa e veja o filho de 6 anos brincando com uma boneca - percebe a ignorância nisso? Além de deturpar um projeto de conscientização sobre a sexualidade (que não quer incentivar ninguém a transar ainda na infância, MUITO menos "virar gay"), ele propaga um preconceito e reforça a imagem da "família tradicional" com valores ultraconservadores enraizados.

Quanto à ditadura militar, pra ele é passado e não se deve mexer nisso - veja a entrevista do candidato no RodaViva. Dívida com negros? Passado. Tudo é passado e precisamos olhar para o momento atual. O problema, porém, é que esse passado continua enterrado e, no lugar de vir à tona para conscientizar a população a não repetir erros do passado, Bolsonaro prefere manter enterrado e manter o povo na ignorância para aparentemente deixar o caminho aberto a um novo controle militar na política brasileira. Fazer coro com esse candidato sobre a Ditadura Militar e apoiar essas ideias só ressalva o tamanho da ignorância, da falta de conhecimento sobre História e o poder e eficiência que um projeto como "Escola Sem Partido" tem na conjuntura brasileira.

Para terminar, um recado: esquerda não é só PT; esquerda não é corrupção do PT. Esquerda política e econômica é uma linha de pensamento e de ação que favorece a vida do trabalhador e da sociedade. É incoerente e extremamente inocente acreditar que o liberalismo e o capitalismo vão te ajudar a colher frutos bons no futuro. Isso é uma ilusão: pode até aumentar o emprego, mas o custo disso vai ser alto demais e aumentar a desigualdade de renda existente no Brasil (ou seja, 1% vai ficar ainda mais rico e o resto vai se fuder mais ainda).

Para terminar (2): se você votou no Bolsonaro e eu, um amigo ou qualquer gay, mulher ou negro sofrer algum por ódio na rua no governo desse fascista, eu vou fazer questão de ir até onde você estiver, olhar nos seus olhos e simplesmente dizer: "Esse sangue também está nas suas mãos!"