A cena de beijo entre os personagens Felix e Nico no último
episódio da novela “Amor a vida” da Globo foi sim uma conquista. Soa estranho
dizer “conquista” em 2014, tão estranho quanto seria dizer “em pleno século XXI”,
mas essa deve ser a palavra que mais se encaixa na situação.
As redes sociais, como não podia ser diferente, se encheram
de manifestações alegres e violentamente preconceituosas. É justamente por
conta dessa forte oposição que a palavra conquista se manifesta com uma força inigualável.
Alguns viram como “pouca vergonha”, outros como “nogento” (sic) e, pelo visto,
muitos como uma afronta à moral e aos bons costumes. Contudo, quais são esses
bons costumes e essa moral tão defendida por aqueles que se ofenderam com uma
cena de beijo gay em rede nacional, no horário nobre, no canal de maior
audiência do Brasil?
Vale a pena refletir um pouco sobre o que essas pessoas
querem? E se colocar no lugar delas? Ouvi a seguinte frase de uma amiga nas
últimas semanas: “Vocês (gays) podem parar de dizer que são a minoria”. Em
conversa com a mãe de uma outra amiga ouvi: “Eu vejo que no futuro a maioria
vai ser sim homem com homem e mulher com mulher”. Se este é realmente uma
tendência ou um movimento natural não sei, mas o que deveria começar a ficar
claro na cabeça da maioria é que os tempos estão mudando e mais rápido que eles
conseguem ou querem assimilar.
Pensar na vida de um homossexual nas décadas de 1970 ou 1980
é um exercício não muito difícil, basta ver o grau de machismo daqueles
nascidos nestes mesmos anos ou anteriores. São raras as pessoas daquela época
que conseguem sustentar uma conversa sem nenhum tipo de preconceito quando se
entra em pontos como as novas formações familiares e a capacidade de um casal
de homens criar uma criança. Tive a infelicidade de entrar numa discussão
dessas com duas pessoas, uma nascida antes de 1960 e outra depois de 1990. Os
dois homens, com suas cabeças muito bem formadas sobre o assunto eram extremamente
fechados para argumentos contrários à sua opinião e é justamente neste ponto
que mora o perigo e vive a realidade da nossa sociedade hoje.
Uma opinião deveria ser formada a partir da análise e da
reflexão de diversos pontos, favoráveis e contrários à visão daquele que busca
se informar e se formar. É uma lição básica do jornalismo dar todas as versões
do fato e voz às diferentes opiniões sobre o assunto em pauta. Contudo, nem
jornalistas e muito menos o público se interessa por buscar informações
diferentes e amplas. Ouvir e ler aquilo que agrada os olhos e massageia a “inteligência”
é suficiente.
O perigo neste fato e neste caso (o beijo gay) é a
sobrevivência do machismo e do preconceito. O beijo deveria ser, para toda a sociedade, o
momento ideal para refletir que não há volta: existe sim homossexual, existe
sim famílias sendo formadas por dois pais ou duas mães e isso não será algo
distante da realidade de ninguém logo mais. Deveria ser uma oportunidade para
mostrar para a criança sentada no chão da sala que dois homens se beijarem é
normal. O amor é normal e existe entre seres do mesmo sexo. E na resistência da
aceitação basta dizer: “Por que um homem e uma mulher podem se beijar todo o
tempo na TV e dois homens não?”
Porém, apesar da oportunidade dada e da “conquista”
alcançada, ainda vai existir pessoas e famílias que ficaram horrorizadas com o
fato. A essas pessoas volta a pergunta: “Por que eles podem e nós não?” ou “Por
que ser gay é ser anormal?” e para colocar em cheque “Você vai continuar
dizendo que isso é anormal e direta ou indiretamente incentivar uma visão
preconceituosa que pode se materializar em violência contra um homossexual?”
Recentemente senti mais de perto esse “estranhamento” de um
casal gay. Ando de mãos dadas com meu namorado em lugares públicos e os olhares
são constantes. Há quem vire a cabeça, logo após cruzar nosso caminho, para
observar as mãos dadas. A grande maioria primeiro olha para os dedos
entrelaçados e só então sobem o olhar para nossos rostos. A feição de raiva ou
algum sentimento próximo disso também se manifesta em alguns homens (na maioria) e mulheres. Por
quê? Se parasse para consultar essas pessoas provavelmente ouviria os mesmos
comentários feitos nos textos que defenderam o beijo gay da novela: “não sou
obrigado(a) a fazer meus filhos verem esse tipo de cena”, saem em defesa da
família os pais conservadores; “isso é anormal”, diriam os religiosos fervorosos;
“aqui não é lugar”, exclamariam os defensores dos bons costumes. Mas de que
valeria ouvir se essas pessoas apenas têm bocas e não ouvidos?
Colocando-me no lugar delas entendo que ninguém é obrigado a
“aceitar” e a palavra é livre para todos, contudo, a não aceitação de que um
beijo ou duas mãos dadas são normais e a palavra dita de maneira impensada se
transformam em violência. É violento dizer que um beijo é nojento e vai ser
violento quando uma criança que ouve isso dos pais ofender um colega de classe
que desde cedo manifesta comportamentos femininos. Crianças são cruéis quando
querem e podem gerar adultos inseguros e infelizes. Sendo assim, por que não
plantar uma “semente de normalidade” nessa nova geração e, acima de tudo,
ensinar que cada um deve se preocupar com sua única e exclusiva felicidade
antes de julgar, criticar e violentar a felicidade alheia?
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