terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Crônica: partidas

O amor deveria vir com um tratado, uma lei, uma constituição de uma única linha: "vou te amar, te fazer feliz e nunca te fazer sofrer". simples assim. Quem descobre esse sentimento já tatua no coração essas três frases, sem demora, sem pensar. Mas se amar é sofrer, todos seriam presos pelo melhor crime ao qual o homem e a mulher não conseguem escapar.

De pé do lado de fora do ônibus, ele aperta o namorado pela ultima vez. A sensação é de que junto do amor infinito que corre entre aqueles dois corpos, um tempo tão longo quanto os aguarda até o próximo encontro. Um não quer soltar o outro, mas a partida tem hora marcada. Tem destino definido. Tem uma dor que incomoda. 

A fila na porta do carro vai diminuindo. Já não da mais pra esperar o último passageiro embarcar. Agora o último está ali, nos braços desesperados de outro. Braços que não querem soltar dada a certeza das próximas horas de aperto no peito. Não tem mais como adiar. Os corpos se descolam, um último carinho entre lábios tentam esconder o que o rosto nega vir do coração.

Ele caminha até a porta. Entrega a passagem. Um último olhar com os pés no mesmo chão do namorado. Sobe. Anda pelo corredor apertado desviando a mochila do encosto das outras poltronas e encontra seu assento. 

De pé do lado de fora do ônibus, ele aperta seu coração. Não vou chorar, promete pra si mesmo. Vou ser forte, são só alguns dias, logo vou vê-lo mais uma vez. Convencer um coração que ama de verdade é tarefa árdua, complicada, impossível.

No banco, o namorado olha seu amor de pé, parado, desviando o olhar como se tentasse disfarçar algo. Coloca a mão no vidro e sussurra um "te amo". Recebe as mesmas palavras de volta, mas sem som. Malditos ônibus com ar condicionado que não deixam as janelas abrirem para um último contato.

A porta fecha. O motor liga. O coração acelera, dolorido. Não tem mais jeito, o ônibus engata a marcha ré e começa a se mover. O choro é inevitável. Um choro de dor, uma dor que não cabe no peito e chega a sumir com qualquer chão e o faz cair sem parar. Não fossem seus músculos e o mínimo de razão que ainda sobra naquele corpo vazio, tudo viria abaixo e ele se encolheria para chorar inconsolável.

As alternativas são aceitar, que dói mais, ou atravessar a rodoviária correndo em prantos e se atirar na frente do ônibus para fazê-lo parar, abrir a porta, tirar o namorado de dentro pelo braço e fugir pro Haiti.

Amar sem sofrer a dor de uma partida seria uma fantasia. Maldita realidade que insiste em afastar quem ama.

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