A discussão surgiu de uma postagem no Facebook
sobre o caso da âncora do jornal do SBT, Rachel Sheherazade e a opinião emitida
por ela a respeito do “marginalzinho amarrado ao poste” e os justiceiros que
fizeram tal ato. Há uma petição on-line contra a jornalista e foi justamente a
partir do compartilhamento dessa petição que a discussão se iniciou.
Um dos meus contatos estava indignado pela reação
contra a jornalista lembrando que na época das manifestações de junho de 2013
ela tinha sido aplaudida de pé por ter se mostrado “muito guerreira, destemida
e corajosa, por falar abertamente da realidade pobre da política brasileira”,
segundo ele. A indignação dele era vê-la sendo “achincalhada” por ter cometido
um erro.
O problema dela, contudo, é que não foi um único
erro. As opiniões dela vêm incomodando há um certo tempo já. A opinião é livre,
mas na posição que a jornalista está essa liberdade é carregada por uma
responsabilidade enorme, ainda mais com o público que o jornal do SBT atinge.
Muita gente ainda confere aos jornalistas a voz da verdade e da sabedoria,
principalmente aquelas pessoas que não tem tanto estudo pra enxergar os
interesses e o jogo de poder que estão por de trás dessas manifestações que a
Rachel emite. O texto pode nem ser dela, tornando-a um bode expiatório dos
editores do jornal, mas quando ela abre a boca toma a autoria da fala pra si e
parece não pensar nem um pouco nas consequências que essas palavras podem ter
para os telespectadores. Este é, pra mim, o real problema.
A liberdade de opinião as vezes da uma dessas: “as
pessoas são tão expostas como são, e se acham cada vez mais no direito de
julgar e conjugar os verbos”, como esse contato disse. No fundo eu acho que o
problema é a falta de consideração sobre o que se está falando. A maioria
esquece que tem dois ouvidos e uma boca e, infelizmente, cada vez mais estão
perdendo a capacidade de pensar e refletir sobre o mundo. E quer exemplo mais
claro disso que as próprias palavras da jornalista: “ficha mais suja que pau de
galinheiro”? Além do péssimo gosto para metáforas, o uso do conhecimento
popular mostra que a linguagem está direcionada para um público específico. É
justamente aí que mora o perigo nessa história da Rachel. Imagina uma mãe de
família que, por uma injustiça social, não conseguiu terminar nem o Ensino
Fundamental ouvindo essa mulher falar. Assim como o BBB, no dia seguinte o
assunto da rodinha de amigas vai ser as palavras da Rachel, quem saiu do reality
e o que aconteceu nas novelas X, Y e Z. há 27 minutos ·
A opinião é um assunto tão complicado que tem
telejornais que sequer usam ancoras mais. Na contramão, os jornais da TV
Cultura se abstêm de colocar um âncora e levam acadêmicos e estudiosos pra
comentar as notícias. É um modelo excelente uma vez que eles colocam quem
realmente estuda os assuntos a fundo e têm propriedade pra dar uma opinião
concreta. Jornalistas, geralmente, não têm essa capacidade porque saem da
graduação tão despreparados quanto um adolescente sai do Ensino Médio e que se
vê forçado a escolher uma carreira a todo custo. É preciso anos de estudo, de
profissão e de profissionalismo pra emitir uma opinião concreta e sólida. E
acima disso, é preciso inteligência e discernimento para pensar na reação que
as palavras terão junto ao público.
A opinião da jornalista representa, de certa forma,
uma parte da população: a “classe média que sofre”. São aquelas pessoas que só
enxergam problemas no Brasil e não conseguem ver que nossos problemas sociais e
econômicos são causados, também, por nós mesmos quando nos abstemos de lutar
por um país com menor desigualdade. O governo pode até ter criado os “usurpadores”,
como meu contato se referiu aos beneficiários de programas sociais, quando fez
o Bolsa Família e as infinitas bolsas. Todo sistema tem suas falhas, mas de que
outra forma seria possível reduzir a pobreza e diminuir a distribuição de renda
que existe no país? O Bolsa Família, por exemplo, tem uma contrapartida na
educação. A educação, infelizmente, ainda está engatinhando depois dos tombos
que levou por conta das reformas passadas. Mas vai ser só por meio dela que
vamos conseguir sair da condição que estamos e tentar caminhar com passos um
pouco mais largos.
Aí é que entram os jogos de interesse. Qual o
interesse que os mais ricos têm de dar educação para a população? Pra quê fazer
a massa pensar e raciocinar e abrir mão da política do pão e circo que está aí
há séculos, desde que Portugal resolveu trazer as caravelas e despejar o
instinto contra o trabalho e disseminar esse paternalismo exacerbado que só
enxerga os interesses políticos com o custo de um jeitinho abrasileirado? É uma
herança que temos e uma condição do capitalismo que ainda marca essa injustiça
social. Karl Marx em O Capital, livro 1, já retratou a falta de interesse em
fornecer educação para a população e mostrou como os trabalhadores daquela
época eram explorados pelos capitalistas. O que mudou desde então quando o tema
é educação?
Agora, sobre o caso do "marginalzinho",
quem prova que ele tinha feito algo realmente? Se fez, quem tem o direito de
tomar o poder nas mãos e prender o indivíduo num poste com a trava de bicicletas?
É realmente um ato desumano o que fizeram com ele. Nesse sentido, porque as
palavra dela não foram em defesa da educação nesse país ou de melhora no
sistema carcerário? Fornecer ensino nos presídios e programas de capacitação no
lugar de deixar mil presos numa cela pequena aprendendo ainda mais a como ser
um bandido pode ser uma solução e uma causa para a campanha lançada no
telejornal "Adote um bandido e dê a ele a oportunidade de estudar e tentar
ser alguém". Ai entram os defensores da “classe média sofre” e pensam no
dinheiro público gasto com “marginais”. Contudo se esquecem que esse problema não
é do indivíduo, mas sim da sociedade.
As palavras da jornalista, no entanto, foram
carregadas de preconceito, esse preconceito "classe média sofre"
porque um marginalzinho na rua vai roubar o iPhone dela para comprar drogas,
uma vez que foi excluído da sociedade e da possibilidade de estudar e conseguir
dinheiro por meios legais e dignos. As drogas e a violência é um problema
social com uma solução a conta gotas, ficar propagando o preconceito e
discriminação de classes da forma como ela e o SBT fizeram não vai ajudar em
nada.
Vídeo da jornalista sobre Justin Bieber e sobre o "Marginalzinho preso ao poste"