O dia da mulher é o dia da hipocrisia da grande massa. Um dia
conveniente para a política e cheio de pautas na mídia. Dia fácil para encher os
programas de televisão com uma valorização exacerbada que é feita apenas um dia
do ano e amanhã volta tudo ao normal.
Que mulher deve receber os parabéns ou um desejo sincero de felicidade
hoje? Aquela mulher que pega uma bandeira da independência, mas chegou até esse
falso topo dentro de uma família muito bem estruturada financeiramente? Ou
aquela mulher que ainda mora com os pais, passou por escolas particulares e chegou
na pós-graduação de uma universidade pública bancada pelos pais ou sem precisar
se desdobrar entre filhos e casa?
Os parabéns deveriam ir para aquelas mulheres do passado e não para
toda e qualquer mulher do presente. Deve ir para aquela primeira mulher
reclamou o direito ao voto; aquela que conseguiu uma vaga numa universidade ou
uma vaga de emprego com salários iguais. Deve ir para aquela mulher que hoje que
pega dois ônibus para ir trabalhar e deixa para trás três filhos ou netos em
casa e a tarde volta para seu segundo emprego não-formal sem receber nenhuma
ajuda de seu marido ou de seus filhos. Essa sim é uma mulher que deve ser
valorizada nos dias de hoje.
Posso estar tremendamente errado, mas acredito que há uma banalização
desses “parabéns, mulher guerreira”. Hoje a vida não é a mesmo da do século XIX
e de grande parte do XX. A independência feminina, para a maioria, não é mais
conquistada com esforços fenomenais que realmente lhe deem o título de “guerreira”.
Me parece fácil adquirir sua independência financeira e pessoal. E essas
independências requerem os mesmos esforços tanto para homens quanto para
mulheres.
A tecnologia mudou tanto a vida das pessoas e a sociedade evoluiu tanto
em alguns pontos que não é mais preciso movimentos sociais nas ruas para se
conseguir voto ou emprego. A mulher e o homem trabalhadores simplesmente
levantam, com igualdade, e vão a luta nesse sistema capitalista que explora
indivíduos sem ver cara nem coração.
Agora, apesar de tanta evolução e sofisticação, ainda tem lares que
continuam nos moldes de 100 anos atrás. Há homens que tratam mulheres movidos
pelos seus instintos sexuais mais primitivos. Que chegam em casa e não ajudam a
lavar sequer a louça que está na pia e, quando pior, que espancam suas
mulheres. No lugar de dar parabéns e ficar vangloriando qualidades femininas
que são meros clichês, os jornais, televisões e redes sociais deveriam cumprir
seu (muitas vezes falso) papel de porta voz da sociedade e de educador e
mostrar os casos de mulheres que conseguiram se libertar dos grilhões de um
casamento violento e/ou de uma família extremamente tradicional e
preconceituosa. Exibir exemplos motiva quem ainda está nessa situação. Mostrar
que há um caminho possível e que há meios legais e sociais para que todos
tenham uma vida digna – dentro das possibilidades de dignidade que o
capitalismo permite – faz parte da obrigação da mídia.
É, infelizmente, impossível mudar a vida da grande maioria quando a mídia
continua divulgando a imagem de uma mulher submissa nas novelas e de uma mulher
hipócrita nas reportagens especiais no dia de hoje.
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