sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Um novo passo, confirmando velhas visões

Há alguns dias (ou semanas) publiquei aqui no blog a dificuldade que é encontrar emprego atualmente em São Paulo (ou no Brasil, talvez). Eis que finalmente consegui uma recolocação e, acredito, uma ótima recolocação. Este texto, além de uma comemoração pessoal, tem o objetivo de compartilhar uma experiência muito positiva relacionada ao processo seletivo. Por hora vou omitir o nome da empresa porque não quero dar spoilers do processo seletivo – ficará claro o porquê.

All Star e Havaianas
A primeira impressão que veio na cabeça quando fui chamado para a entrevista e fiz aquela pesquisa habitual sobre a empresa foi Google. Temos na cabeça o tal “padrão Google” de empresa: descontraída, com vídeo games e outras formas de entretenimento para o funcionário, ou seja, diferentona.

As informações disponíveis eram, de certa forma, limitadas. Em um site de “reviews” de ex-funcionários, um profissional comentou que lá era possível trabalhar de bermuda e chinelo; no anúncio da vaga dizia que de sexta-feira tem bolo e cerveja para os funcionários. Portanto, não foi difícil logo associar a empresa com o Google. Foi o que me motivou a participar do processo? Não exatamente, mas confesso que a possibilidade de trabalhar de bermuda em um país que o calor é escaldante me atraiu bastante – afinal, aqui a hipocrisia fica de lado. Sempre pensei: pra quê, afinal de contas, é preciso trabalhar de terno, de social ou de jeans quando vivemos em um país tropical? Isso é extremamente hipócrita e injusto com o funcionário. Tenho, e sempre tive, em mente, que um funcionário confortável significa uma produtividade maior ou, para ser mais justo, uma experiência melhor no trabalho sem aquelas amarras habituais.

Animado com as informações que obtive, só pude confirma-las no dia da entrevista. Localizada na Vila Olímpia, um bairro conhecido pelo “glamour empresarial”, o ambiente físico é maravilhoso. Todo moderno e descolado. Logo na recepção vi poltronas roxas. A recepcionista de vestidinho curto e All Star nos pés. Simpática, pediu para que preenchêssemos nossas informações no iPad. Essas eram enviadas diretamente para a profissional do RH que seria informada que eu e os outros candidatos já estávamos aguardando.

A espera não foi longa, mas quando finalmente fomos chamados para a sala onde seria realizado o processo seletivo, Havaianas. Sim, a profissional do RH estava de jeans rasgado, uma blusinha leve e Havaianas da Minie nos pés. Ela chegou a comentar, ao longo do processo, que as pessoas estranham ao ver aquele “dresscode” desconstruído. Sim, é de se estranhar, mas extremamente animador – pelos motivos que já apontei acima, mas repito: Pra quê passar calor e trabalhar desconfortável?

Diversidade
Essas primeiras surpresas-impressões logo foram superadas. Em um ambiente descontraído, tanto quanto a empresa, nos foi proposto a redação de um e-mail resposta para um cliente hipotético. Vinícius, o cliente, sofreu homofobia e teríamos que conversar com ele para tentar solucionar e remediar o transtorno. Vou repetir: HOMOFOBIA. Ok, se as primeiras impressões são as que ficam, a segunda a superou facilmente. Pode até me coloque para trabalhar trajando roupas de frio sob um sol de 40º, isso seria fichinha em um ambiente que se preocupa com questões de homofobia e mostra logo aos candidatos essa visão maravilhosa.

Na sequência veio um teste de interpretação do inglês. Foi exibido um vídeo e apenas teríamos que escrever resumidamente o assunto dele. O vídeo? Emma Watson falando sobre feminismo no lançamento da campanha “He for She”. Vou repetir: FEMINISMO. Acho que minhas impressões sobre a empresa não poderiam ficar melhores que estas. Contudo, ficaram.

Assim que terminamos esses dois testes curtos e rápidos, veio aquela famosa apresentação dos candidatos. Éramos 11 ou 12 na sala juntos da profissional do RH e o coordenador da área para a qual estávamos concorrendo. Na apresentação tínhamos que dizer: nome, formação e uma esquisitice. Sim, uma esquisitice. O objetivo claramente foi quebrar o gelo entre os participantes e funcionou muito bem. A começar pelos dois funcionários da empresa: ela adorava comer comida, como arroz e feijão, frios; ele tinha atraso ósseo de dois anos. Realmente bem esquisitos. Na ordem vieram os candidatos: não lembro de todos os relatos, apenas que um dos homens já teve dez furões e adorava assistir a vídeos de casamento e uma menina gostava de assistir vídeos de remoção de cravos. Urgh!
Na minha vez, aproveitei para verificar e confirmar o quanto a empresa era pró-diversidade. Falei que adorava comer pizza com banana e ketchup e, aí sim o teste, que adorava pintar as unhas de roxo, mas que não fazia isso em dia de entrevista porque não tinha como saber a receptividade das empresas. Eis que a profissional do RH me disse: “Aqui você vai poder pintar as unhas o quanto quiser!”. YAY!!!!!!! Por mim, empresa aprovada; fiquei só esperando o resultado recíproco.

Enfim, o objetivo de quebrar o gelo com as tais esquisitices funcionou muito bem. Pela segunda vez em minhas experiências com entrevistas de emprego, presenciei um ambiente colaborativo e não competitivo. O resto do processo, conduzido pelo coordenador da área, foi uma conversa sobre a empresa e os serviços que ela prestava. Ele queria saber nossa opinião sobre as questões que envolviam o escopo de trabalho deles e tudo fluiu em uma conversa muito harmoniosa. Não teve (quase) ninguém querendo se sobressair acima dos demais e nem roubar as falas (a única exceção foi uma menina de 24 anos que cortava os concorrentes para repetir o que já havia dito). Essa impressão não foi apenas minha, no caminho para o metrô fui conversando com outros três candidatos que estavam tão surpresos e animados quanto eu.

Boa sorte ou equipe visionária?
Lembro que comentei no texto anterior sobre o fator “sorte” que algumas empresas falam e desejam aos seus candidatos. A sorte existe? Sim, mas temos que ter sorte para encontrar uma empresa que não se apoie na sorte. E olha... aparentemente isso é muito difícil. Tenho a impressão que algumas (senão a maioria) não seleciona candidatos pela competência expressa no currículo e na entrevista. Elas se apoiam, quase que exclusivamente, nas indicações ou no pequeno nível de ameaça aos coordenadores da área. Afinal, para quê selecionar alguém que não foi indicado e/ou que vai crescer demais e “competir” com o chefe do departamento? “Vou é manter meu emprego e selecionar alguém que eu consiga manter na rédea curta”.

Outra questão é a entrevista. Mandei inúmeros currículos para diversas empresas neste um ano e meio de desemprego. Poucas (pouquíssimas) me chamaram para uma entrevista. Várias disseram: “Seu currículo não foi compatível, boa sorte na próxima tentativa”. Algumas vezes respondi, irado, que não tinha como eles saberem se eu era ou não compatível sem uma entrevista cara-a-cara. “Não tive a chance de sequer expressar minhas qualidades para vocês e dizer o quanto posso colaborar com a empresa” – essa foi uma das respostas que enviei.

O que a empresa que vou entrar se diferencia dessas outras? Me inscrevi para uma vaga de Analista de Comunicação. Meu currículo tinha total compatibilidade com a descrição da vaga que fizeram. Um ou dois dias depois recebi uma ligação do RH: “Olá Alex, você se candidatou para a vaga X, mas ela mudou para uma outra vaga e gostaríamos de saber se você tem interesse. Vi aqui que seu currículo é bem robusto e se encaixa no perfil da vaga. Além disso, aqui você terá a chance de crescer na empresa e buscar outras vagas”. Pronto!

A fala precisa de melhores explicações? Posso estar enganado, mas interpretei como um convite para crescer, praticamente um convite ao futuro. Ou seja, a empresa está em expansão, inclusive recebendo investimentos de empresas estrangeiras para investimentos em nosso país. Provavelmente por isso é que as contratações imediatas também têm um objetivo de longo prazo.

Com todas essas colocações é que afirmo e confirmo: “Sorte é encontrar uma empresa boa e não ter sorte ao concorrer à vaga que elas oferecem”. Afinal, a maioria das pessoas se prepara, estuda e seleciona vagas que tenham relação com sua formação e suas expectativas, certo? Há, sim, aquele fator desespero que faz com que CVs sejam enviados para vagas que nada têm relação com os currículos, mas, como dito, “desespero”.


Finalizando esse texto que já ficou gigante, quero destacar que o objetivo dele vai além de só expressar meu entusiasmo com esse novo passo. Mais que isso, o texto também objetiva compartilhar minhas experiências para que algum profissional de RH tenha insights e ideias sobre as funções que, supostamente, acham que estão fazendo bem, mas que sempre pode melhorar. Se você é empresário ou de RH, não deseje sorte ao seu candidato. Não é questão de sorte, é tudo questão de visão estratégica e de crescimento fundado na competência de quem você seleciona hoje.


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