Há alguns dias (ou semanas) publiquei aqui no blog a
dificuldade que é encontrar emprego atualmente em São Paulo (ou no Brasil,
talvez). Eis que finalmente consegui uma recolocação e, acredito, uma ótima
recolocação. Este texto, além de uma comemoração pessoal, tem o objetivo de
compartilhar uma experiência muito positiva relacionada ao processo seletivo.
Por hora vou omitir o nome da empresa porque não quero dar spoilers do processo
seletivo – ficará claro o porquê.
All Star e Havaianas
A primeira impressão que veio na cabeça quando fui chamado
para a entrevista e fiz aquela pesquisa habitual sobre a empresa foi Google.
Temos na cabeça o tal “padrão Google” de empresa: descontraída, com vídeo games
e outras formas de entretenimento para o funcionário, ou seja, diferentona.
As informações disponíveis eram, de certa forma, limitadas.
Em um site de “reviews” de ex-funcionários, um profissional comentou que lá era
possível trabalhar de bermuda e chinelo; no anúncio da vaga dizia que de
sexta-feira tem bolo e cerveja para os funcionários. Portanto, não foi difícil
logo associar a empresa com o Google. Foi o que me motivou a participar do
processo? Não exatamente, mas confesso que a possibilidade de trabalhar de
bermuda em um país que o calor é escaldante me atraiu bastante – afinal, aqui a
hipocrisia fica de lado. Sempre pensei: pra quê, afinal de contas, é preciso
trabalhar de terno, de social ou de jeans quando vivemos em um país tropical?
Isso é extremamente hipócrita e injusto com o funcionário. Tenho, e sempre
tive, em mente, que um funcionário confortável significa uma produtividade
maior ou, para ser mais justo, uma experiência melhor no trabalho sem aquelas
amarras habituais.
Animado com as informações que obtive, só pude confirma-las
no dia da entrevista. Localizada na Vila Olímpia, um bairro conhecido pelo “glamour
empresarial”, o ambiente físico é maravilhoso. Todo moderno e descolado. Logo
na recepção vi poltronas roxas. A recepcionista de vestidinho curto e All Star nos
pés. Simpática, pediu para que preenchêssemos nossas informações no iPad. Essas
eram enviadas diretamente para a profissional do RH que seria informada que eu
e os outros candidatos já estávamos aguardando.
A espera não foi longa, mas quando finalmente fomos chamados
para a sala onde seria realizado o processo seletivo, Havaianas. Sim, a
profissional do RH estava de jeans rasgado, uma blusinha leve e Havaianas da
Minie nos pés. Ela chegou a comentar, ao longo do processo, que as pessoas
estranham ao ver aquele “dresscode” desconstruído. Sim, é de se estranhar, mas
extremamente animador – pelos motivos que já apontei acima, mas repito: Pra quê
passar calor e trabalhar desconfortável?
Diversidade
Essas primeiras surpresas-impressões logo foram superadas.
Em um ambiente descontraído, tanto quanto a empresa, nos foi proposto a redação
de um e-mail resposta para um cliente hipotético. Vinícius, o cliente, sofreu
homofobia e teríamos que conversar com ele para tentar solucionar e remediar o
transtorno. Vou repetir: HOMOFOBIA. Ok, se as primeiras impressões são as que
ficam, a segunda a superou facilmente. Pode até me coloque para trabalhar trajando
roupas de frio sob um sol de 40º, isso seria fichinha em um ambiente que se
preocupa com questões de homofobia e mostra logo aos candidatos essa visão
maravilhosa.
Na sequência veio um teste de interpretação do inglês. Foi
exibido um vídeo e apenas teríamos que escrever resumidamente o assunto dele. O
vídeo? Emma Watson falando sobre feminismo no lançamento da campanha “He for
She”. Vou repetir: FEMINISMO. Acho que minhas impressões sobre a empresa não
poderiam ficar melhores que estas. Contudo, ficaram.
Assim que terminamos esses dois testes curtos e rápidos,
veio aquela famosa apresentação dos candidatos. Éramos 11 ou 12 na sala juntos
da profissional do RH e o coordenador da área para a qual estávamos
concorrendo. Na apresentação tínhamos que dizer: nome, formação e uma
esquisitice. Sim, uma esquisitice. O objetivo claramente foi quebrar o gelo
entre os participantes e funcionou muito bem. A começar pelos dois funcionários
da empresa: ela adorava comer comida, como arroz e feijão, frios; ele tinha
atraso ósseo de dois anos. Realmente bem esquisitos. Na ordem vieram os
candidatos: não lembro de todos os relatos, apenas que um dos homens já teve
dez furões e adorava assistir a vídeos de casamento e uma menina gostava de
assistir vídeos de remoção de cravos. Urgh!
Na minha vez, aproveitei para verificar e confirmar o quanto
a empresa era pró-diversidade. Falei que adorava comer pizza com banana e
ketchup e, aí sim o teste, que adorava pintar as unhas de roxo, mas que não
fazia isso em dia de entrevista porque não tinha como saber a receptividade das
empresas. Eis que a profissional do RH me disse: “Aqui você vai poder pintar as
unhas o quanto quiser!”. YAY!!!!!!! Por mim, empresa aprovada; fiquei só esperando
o resultado recíproco.
Enfim, o objetivo de quebrar o gelo com as tais esquisitices
funcionou muito bem. Pela segunda vez em minhas experiências com entrevistas de
emprego, presenciei um ambiente colaborativo e não competitivo. O resto do
processo, conduzido pelo coordenador da área, foi uma conversa sobre a empresa
e os serviços que ela prestava. Ele queria saber nossa opinião sobre as
questões que envolviam o escopo de trabalho deles e tudo fluiu em uma conversa
muito harmoniosa. Não teve (quase) ninguém querendo se sobressair acima dos
demais e nem roubar as falas (a única exceção foi uma menina de 24 anos que
cortava os concorrentes para repetir o que já havia dito). Essa impressão não
foi apenas minha, no caminho para o metrô fui conversando com outros três
candidatos que estavam tão surpresos e animados quanto eu.
Boa sorte ou equipe
visionária?
Lembro que comentei no texto anterior sobre o fator “sorte”
que algumas empresas falam e desejam aos seus candidatos. A sorte existe? Sim,
mas temos que ter sorte para encontrar uma empresa que não se apoie na sorte. E
olha... aparentemente isso é muito difícil. Tenho a impressão que algumas
(senão a maioria) não seleciona candidatos pela competência expressa no
currículo e na entrevista. Elas se apoiam, quase que exclusivamente, nas
indicações ou no pequeno nível de ameaça aos coordenadores da área. Afinal,
para quê selecionar alguém que não foi indicado e/ou que vai crescer demais e “competir”
com o chefe do departamento? “Vou é manter meu emprego e selecionar alguém que
eu consiga manter na rédea curta”.
Outra questão é a entrevista. Mandei inúmeros currículos
para diversas empresas neste um ano e meio de desemprego. Poucas (pouquíssimas)
me chamaram para uma entrevista. Várias disseram: “Seu currículo não foi
compatível, boa sorte na próxima tentativa”. Algumas vezes respondi, irado, que
não tinha como eles saberem se eu era ou não compatível sem uma entrevista
cara-a-cara. “Não tive a chance de sequer expressar minhas qualidades para
vocês e dizer o quanto posso colaborar com a empresa” – essa foi uma das
respostas que enviei.
O que a empresa que vou entrar se diferencia dessas outras? Me
inscrevi para uma vaga de Analista de Comunicação. Meu currículo tinha total
compatibilidade com a descrição da vaga que fizeram. Um ou dois dias depois recebi
uma ligação do RH: “Olá Alex, você se candidatou para a vaga X, mas ela mudou
para uma outra vaga e gostaríamos de saber se você tem interesse. Vi aqui que
seu currículo é bem robusto e se encaixa no perfil da vaga. Além disso, aqui
você terá a chance de crescer na empresa e buscar outras vagas”. Pronto!
A fala precisa de melhores explicações? Posso estar
enganado, mas interpretei como um convite para crescer, praticamente um convite
ao futuro. Ou seja, a empresa está em expansão, inclusive recebendo
investimentos de empresas estrangeiras para investimentos em nosso país.
Provavelmente por isso é que as contratações imediatas também têm um objetivo
de longo prazo.
Com todas essas colocações é que afirmo e confirmo: “Sorte é
encontrar uma empresa boa e não ter sorte ao concorrer à vaga que elas oferecem”.
Afinal, a maioria das pessoas se prepara, estuda e seleciona vagas que tenham
relação com sua formação e suas expectativas, certo? Há, sim, aquele fator
desespero que faz com que CVs sejam enviados para vagas que nada têm relação
com os currículos, mas, como dito, “desespero”.
Finalizando esse texto que já ficou gigante, quero destacar
que o objetivo dele vai além de só expressar meu entusiasmo com esse novo passo.
Mais que isso, o texto também objetiva compartilhar minhas experiências para
que algum profissional de RH tenha insights e ideias sobre as funções que,
supostamente, acham que estão fazendo bem, mas que sempre pode melhorar. Se
você é empresário ou de RH, não deseje sorte ao seu candidato. Não é questão de
sorte, é tudo questão de visão estratégica e de crescimento fundado na
competência de quem você seleciona hoje.