Roubei, descaradamente, esse giphy do blog da Marcella, sim. Sorry, not sorry. |
Marcella Abboud, ou Marcella Rosa, ou Professora, ou talvez ‘fêssora’,
é Mulher. Antes de qualquer título
acadêmico, ser mulher é o que a define, como a orelha do livro a apresenta ao
leitor. “Guia Prático do Feminismo: Como conversar com um machista”, lançado
pela Letramento em 2016, é, como ela mesma define, um “pedacinho” de sua luta.
Após se formar em Letras pela Unicamp e chegar até ás salas
de aula, Marcella se deparou com a condição de suas alunAs inseridas num mundo
machista e preconceituoso. Embora ela mantenha um blog (MarcellaRosa.com), o livro foi
um convite de seu editor para expandir o conteúdo virtual para o papel.
O livro cumpre com o que diz: é, ao mesmo tempo, um “Guia
prático do Feminismo” e uma orientação de “Como dialogar com um machista”. Para
mulheres que se interessem pela luta, Marcella dá inúmeras informações sobre as
vertentes do feminismo, dados históricos, estatísticos, fontes de leitura e, o
que mais é sensacional no livro, ARGUMENTOS ao construir todo o livro na forma
de uma conversa entre a autora e um homem extremamente machista, ignorante e
que sempre acha que está certo.
Para homens, o buraco é mais embaixo. Ler este livro é um
processo quase de autoflagelação. Não é “auto” porque quem dá vários socos no
estômago do leitor homem é a própria Marcella. Diga-se de passagem que são
socos extremamente necessários! Ao crescermos em uma sociedade machista e
patriarcal, independente da orientação sexual, características e pensamentos
dessa sociedade estão enraizados em nós, homens. Ler “Guia prático do
feminismo: como dialogar com um machista”, portanto, é reconhecer em quais
pensamentos estamos errados e aprender a nos policiar cada vez mais com isso.
A entrevista abaixo foi gentilmente concedida pela Marcella
no dia 20 de março e está estruturada em duas partes. A primeira são perguntas
sobre o livro e sua elaboração. Na segunda parte, propus questões feitas por um
segundo personagem: um gay. Muitas vezes, ao ler, ouvir e estudar sobre o
feminismo, me deparei com questões do tipo: “Os gays fazem isso também?”. Como
não tenho habilidades para invocar Beauvoir e nem dialogar abertamente com
Chimamanda Adiche, aproveitei a simpatia e paciência da Marcella para tirar
essas dúvidas. Confira os resultados abaixo.
Alex: Quem é seu
interlocutor? Que cara ele tem? Ele é branco, hétero, machista? Essa conversa
está num bar, num café, num sofá...? Fiquei curioso para saber qual a cara dele
e o ambiente que passou pela sua cabeça enquanto você preparava e escrevia o
livro.
Marcella: Eu estou
trabalhando especialmente com o homem, cis, branco, hétero, sim. Mas, na
verdade, eu também estou falando com as minas que precisam de argumento pra
discutir com esses caras e não têm... Acho que imaginei um bar, onde quase
sempre as nossas falas são cortadas por um cara tosco e bêbado, achando que é o
dono da razão.
A: Esse
interlocutor que você criou “excreta” umas falas e umas perguntas
"absurdas" (a meu ver). Você já ouviu homens falarem e perguntarem
isso para você ou para amigas? Você já teve partes dessas conversas (ou ela na
íntegra, sem as citações) no ambiente que você imaginou/usou na produção do
livro?
M: SIIIIM! e mais
de uma vez, querido. Bem mais.
A: Você escreveu
na dedicatória que o livro é um “pedacinho da sua luta”. Como foi a decisão de
lutar também por meio de um livro?
M: Na verdade, eu
escrevia no blog, né? Para que quem não fosse aluno meu pudesse ler também. Mas
aí o Henderson (meu editor) me convidou pra expandir isso num livro.
A: Voltando ao
interlocutor e as impressões que seu livro passa dele (o homem branco, hétero,
machista e também ignorante quanto à causa e à necessidade do feminismo), dá
para entender que esse interlocutor é seu público-alvo. A conversa, as
perguntas e, principalmente, as desconstruções parecem ser um processo de
ensino. Desde o lançamento, você conseguiu atingir esse público/interlocutor?
Teve algum retorno da recepção de um homem com essas características?
M: Como esperado,
mais mulheres que homens procuram meu livro. Fico feliz, porque me sinto
fortalecendo-as para o embate. Uma coisa massa que aconteceu foi as mulheres
comprarem o meu livro para dar de presente para namorados e parceiros. Isso me
deixou mega feliz. Tive retorno de amigos meus que disseram se sentir mal ao perceber
que fazem muitas das coisas que descrevo sem nem se darem conta disso. Recebi
agradecimentos muito bonitos de mulheres que viram nos namorados, pós livro,
uma mudança de atitude.
Há algumas questões que me intrigam há algum tempo e por
isso vou coloca-las na boca/letras de um “segundo interlocutor”. Ele (que vou
representar aqui por G, de Gay mesmo)
é homem, gay, 30 anos, que se interessa pela causa, lê sobre o assunto, se acha
menos ignorante que o primeiro interlocutor, quer falar sobre o assunto, mas
não sabe se pode se chamar de feminista. Sendo assim, vamos às perguntas:
G: Só homem
hétero é machista ou os homossexuais também são? Há muita diferença entre eles?
M: Há muitos
homossexuais muito machistas, misóginos, que não percebem que lutamos contra o
mesmo 'gigante' (patriarcado).
G: Mas eu sou
praticamente uma mulher de tão afeminada. Quer dizer, posso dizer isso?
M: Não, porque o
feminino é uma socialização. Isto é: você não é uma mulher, mesmo tendo
trejeitos. Você, sendo homem cis, não pode ser quase uma mulher. Sofre
preconceito porque o patriarcado atribui ao feminino o negativo.
G: O Feminismo
Liberal “agrega” o homem à causa feminista naquela campanha #HeForShe. O que há
de errado então com o “machista feministinha”?
M: É porque ele
se diz feminista mas segue fazendo coisas machistas.
G: Sou feminista,
simpático à causa ou há algum outro termo que se adeque a mim (ou ainda:
depende da vertente)?
M: Varia com a
vertente, eu prefiro "pró feminismo".
G: Ainda sobre
esse ponto, a Beauvoir diz que: “Foi Léon Richier o verdadeiro fundador do
feminismo, criando em 1869 Les Droits de
la femme e organizando o congresso internacional desses direitos em 1878”
(p. 183 – da edição da Nova Fronteira de 2009). Se um homem “fundou” o
feminismo, por que muita feminista hoje diz que homem não pode ser feminista?
M: Porque
trabalhamos com o conceito de lugar de fala e protagonismo do movimento. É como
pedir para um hétero falar sobre homofobia, sabe?
G: Na mesma obra,
a Beauvoir diz que "Mesmo o homem mais simpático à mulher nunca lhe
conhece bem a situação concreta" (p. 24). Ok, empatia existe, mas é
impossível conhecer a situação concreta de qualquer outrx. Se um homem não
poderia ser “feminista” por questões biológicas (ele não é ela), ou mesmo por
questões sociais, de gênero, de privilégios, como algumas feministas alegam,
não haveria, portanto, espaço para a transcendência da consciência do homem?
Eles nunca poderiam abrir os olhos e, um dia, ver o quanto são e foram
machistas e opressores? Não seria esse uma parte do resultado da luta do
feminismo?
M: Acho que o
fato de eles nunca saberem o que uma mulher de fato passa não impede a
possibilidade de mudança, porque a empatia é sempre possível, entender a
experiência do outro e, acima de tudo, acreditar no que o outro, que sofre,
fala.
G: Voltando à
minha viadagem: o que você e como “o feminismo” (ou uma das vertentes dele)
enxergam as drags?
M: Varia muito.
Eu, que sou interseccional, entendo o movimento que há nas drags como algo
artístico. Mas olha: isso é uma briga feia entre as vertentes, as radfem são
veementemente contra.
G: Eu, homem
(independente da orientação sexual) acho que não devo falar “pelas” mulheres,
isso seria tomar a voz delas, mas eu poderia falar “em favor” delas (ressaltar
a importância da causa, indicar livros, filmes, notícias para colaborar com a
conscientização) ou os dois termos dão na mesma?
M: Pode falar
para elas, SE, E SOMENTE SE, elas quiserem, pedirem e não estiverem
reivindicando protagonismo.
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