O exemplo mais patente que tenho do sexto semestre de curso
é a discussão sobre economia industrial, tema chave da disciplina de Microeconomia
4 na qual toda a construção neoclássica é deixada de lado e autores como
Labini, Bain, Steindl, entre outros, surgem mostrando, por exemplo, como não
basta discutir a formação de preço por meio de contas exatas e 100%
previsíveis, como prega a corrente ortodoxa. No lugar de cruzar curvas de
oferta e de demanda para determinar o preço, ou mesmo ao invés de acreditar que
o mercado capitalista é atomizado (com grande número de empresas) e que a
entrada de mais uma não prejudica as demais, pintando um cenário pacífico de
rivalidade zero e harmonia mil, a crítica heterodoxa mostra que a história por
detrás da estrutura do setor é importante. Esses pensadores vão colocar o dedo
na ferida: na margem de lucro, pouquíssimo questionada no mundo real.
Voltando um pouco nas disciplinas dos outros semestres e
lembrando uma conversa que tive com amigos, discutimos no curso a formação
econômica do Brasil não apenas com base nas estimativas, nos dados históricos e
estatísticos passados. A construção economia brasileira é vista também pelo
lado social, pelo lado das relações de força, de poder, de interesses. Não é
possível entender a vida hoje sem olhar para o passado e constatar que há
traços fortíssimos da Casa Grande e da Senzala ainda hoje. As relações de poder
são reafirmadas todos os instantes na mídia e no cotidiano do brasileiro. Raras
são as pessoas que no seu primeiro estágio ficam constrangidas quando a
faxineira do escritório questiona se ela pode limpar sua mesa e pensa na
distância entre elas, isso dado que nos é colocado como normal, como
necessário, como parte de nossa vida. Vide o tamanho das discussões que a
legislação para regularizar empregadas domésticas causou na mídia.
Com essa bagagem de leitura e discussão (ainda pequena, mas
crescente) me peguei questionando a mim mesmo e a meus colegas sobre a visão estritamente
de esquerda colocada por alguns professores na construção da economia
brasileira. Conflitando com o que aprendi no jornalismo sobre imparcialidade,
multiplicidade de vozes e demais conceitos relacionados, cheguei a pensar que
fosse talvez necessário haver leituras sobre o que o pensamento ortodoxo
defende sobre a formação de nossa economia e de nossa história. Um amigo chegou
a comentar que a articulação de defensores do pensamento ligado ao mainstream é
muito fraca e pouco estruturada. Esse ponto fica mais que claro quando começamos
a fazer a crítica à microeconomia neoclássica, mas outro ponto também é
importante e deve ser considerado: a crítica heterodoxa já traz em si a visão
de mundo ortodoxa. Criticar o homem cordial, os interesses da burguesia agrária
e cafeeira contra a industrialização brasileira, a recusa da elite brasileira contra
a reforma agrária, a distribuição de renda, a exploração do trabalhador, a
busca incessante pelo lucro na economia capitalista, a recusa de se rever a
margem de lucro das empresas, entre tantos outros pontos, já nos faz pensar em
como é esse pensamento ortodoxo, em como é a realidade brasileira ou
capitalista que cada autor enxergou ao defender seu ponto de vista e a
realidade que enxergamos até hoje. O esforço de um crítico heterodoxo parece
ser redobrado porque ele precisa enxergar o que já está cristalizado na opinião
pública e tentar conquistar as mentes e abrir novos horizontes a fim de colocar
uma semente que faça as pessoas pensarem fora de sua zona de conforto e passar
a questionar o mundo a sua volta.
Da economia para a crítica ao jornalismo econômico, fica
evidente a não aplicação desse raciocínio na mídia brasileira. É mais do que
conhecido que a crítica de esquerda tem pouca ou quase nenhuma voz. Sendo
assim, a crítica fica restrita a visão de direita com raízes fortes num
pensamento ortodoxo. Essa crítica da mídia, contudo, nega uma função básica do
jornalismo que é a multiplicidade de vozes, ou seja, dar voz a todos os lados
envolvidos no assunto abordado. Isto está por trás do mito da objetividade e da
pregação a favor da imparcialidade do jornalismo. Mito este que cai por terra
fácil quando questionado, mas que está aí para talvez tentar sustentar a
imparcialidade da mídia. E por imparcial não significa que o veículo precisa
deixar de levantar a bandeira de um partido ou de outro. Significa que é
preciso ser honesto com o leitor e apresentar os argumentos distintos e
conflitantes que estão por detrás de uma política fiscal, monetária; de
redistribuição de renda ou de acesso à educação superior.
A crítica ortodoxa parece ser contra todo e qualquer
argumento que não lhe é familiar. Faz isso sem ao menos tentar mostrar qual é a
construção feita pelos seus opositores. E se isso é verdade no campo das
ideias, se materializa com força na pratica do jornalismo econômico. Essa
afirmação fica clara quando se tenta ler um jornal que aponta que o mercado de
trabalho está aquecido e que é preciso cortar postos de trabalho para
desacelerar a inflação. Ou este mesmo jornal que dá as mãos às instituições que
reúne as cabeças dos principais bancos e passa a defender que a queda dos juros
básicos (Selic) é ruim para a economia brasileira. Pior ainda são as abordagens
sobre a apreciação do câmbio sem ao menos considerar as ações dos Estados
Unidos nessa escalada do dólar para preservar interesses maiores de uma parcela
minúscula da sociedade e mostra um Banco Central brasileiro incompetente ou
dirigentes da política monetária brasileira alheios e despreocupados com a
realidade do lado de fora da caixinha.
Ainda não me deparei com uma afirmação que diga ser
condenável um veículo de comunicação se aliar a uma corrente política ou
econômica e também não acho que seja. O problema, contudo, é quando esta
aliança é feita sem maiores esclarecimentos aos leitores e a palavra passa a
ser um instrumento de manipulação poderosíssimo nas mãos desses interesses e
interessados. Sem tempo para refletir sobre o mundo que as cercam, as pessoas
não param para refletir sobre as informações que recebem. A prova disso são as
pesquisas sobre os hábitos de leitura dos brasileiros. Do mar de gente que toma
metrô todos os dias, que dirige nas estradas ou ruas, e trabalha no mínimo oito
horas por dia, quantos são aqueles que, em primeiro lugar, leem um jornal e,
sem segundo, leem mais de um jornal para contrapor as informações que obtiveram
no primeiro? Mais ainda: quem é que lê um jornal com pensamento de direita e
tenta se informar numa revista ou outro veículo de esquerda para conflitar os
argumentos?
Dos leitores aos mensageiros, que jornal expõe um debate
claro e imparcial nas suas páginas? Basta fazer um levantamento sobre quais as
fontes primárias consultadas para se fazer as reportagens do noticiário
econômico e quem são os articulistas que assinam as colunas diárias. Numa
matéria sobre a taxa básica de juros, por exemplo, o grosso dos consultados são
ligados aos bancos e consultorias. Tudo bem que a tal taxa afeta
primordialmente o setor bancário, mas qual o lugar do debate contra o
pensamento dos bancários e especuladores? Os interesses deles são sempre claros,
vide o ódio que eles sentiram quando a presidência da República resolveu enfrentar
o setor com o choque da Selic diminuindo de dois para um dígito a taxa básica e
a reação nos e dos jornais que estão ligados a estes interesses.
Uma crítica de esquerda consegue te mostrar como é a realidade,
o porquê dela ser assim e como ela poderia ser melhor numa única mensagem. A
crítica da direita consegue reafirmar que a realidade é aquilo, e tão somente
aquilo, que eles acreditam, usando porquês que manipulam as palavras com a finalidade
de omitir ou desacreditar todo e qualquer argumento que não esteja na mesma
sintonia de seus interesses. E o jornalismo econômico da grande mídia? Vai
junto neste bonde, claro.